Liberdade, Líbero, Liberato…

"Reencontrei, há pouco tempo, um colega e amigo dos tenros anos em Porto Alegre....décadas passadas, o reencontro. Escritor consagrado, procuro mais uma vez alimentar nossa velha amizade levando-lhe alguns dos meus livros. Modestos, diante da consagrada obra literária de Liberato, traduzida em vários idiomas" (por Paulo Timm)

6 de fevereiro de 2023

Reencontrei, há pouco tempo, um colega e amigo dos tenros anos em Porto Alegre. Corria o ano de 1955, minha mãe adoecia a olhos vistos e a mudança para a Capital se fez imperativa. Em algumas viagens prévias ia  com ela e meu pai para as tratativas de moradia e providências profissionais: Ele era militar, ela professora do Estado. Ficávamos, depois de românticas viagens no “noturno” da Viação Férrea, no Hotel Lagache, na Marechal Floriano, e meu primeiro passeio foi até o Mercado. Um delírio. Fiquei encantado com Porto Alegre, sobretudo o movimento na Rua da Praia, o SULACAP, já majestosamente em pé, a CASA MASSON com seu imponente relógio a demarcar o tempo; fiquei sobressaltado com as ruínas da Rádio Farroupilha em cima do Viaduto da Borges de Medeiros e impressionado com  as águas. Sim, Santa Maria, de onde vinha, é um porto seco, por isso erigida em hub ferroviário do Estado desde o começo “daquele século”. E eu ficava embasbacado com o Guaíba envolvendo todo o centro da cidade.

Em pouco tempo, estava morando em Porto Alegre e fui estudar, lá por meados do ano, no Colégio das Dores, onde rapidamente me identifiquei com outro recém chegado, pai político influente, o Liberato: Liberato Vieira da Cunha. Devo dizer que estas variações Líbero e Liberato sempre me soaram bem, principalmente depois que aprendi com Sartre que não somos apenas livres, mas condenados à Liberdade. Disputávamos, enfim, com fraternidade o primeiro lugar da turma em cada entrega de Boletim. Aos fins de semana nos alegrávamos em jogar bolita e ver  a cidade do alto da escadaria da João Manoel. ‘What a wonderfull world…’!

Pois bem, décadas passadas, o reencontro. Escritor consagrado, procuro mais uma vez alimentar nossa velha amizade levando-lhe alguns dos meus livros. Modestos, diante da consagrada obra literária de Liberato, traduzida em vários idiomas. Arrisco. Da última vez que nos vimos, ele me brindou com dois de seus últimos livros, prometendo-me uma entrevista que já estou cobrando. Enquanto isso, em sua homenagem e como estímulo e deleite à leitura de seus livros, aqui vai uma de suas  belas crônicas: “ Olhos de ressaca (O Silêncio do Mundo, Ledur Serviços Ed, POA -2013)

A leitora N, do Paraná, me dispara uma pergunta instigante. Por que, em tudo que publico, as mulheres são bonitas e tentadoras? Poderia responder-lhe que pela mesma razão de que a formosura, embora nem sempre o talento, está sempre na telinha.

Mas é possível que meu hábito seja produto de uma influência bem mais antiga: Nada menos do que Machado de Assis.

Nem por sonhos vou ousar qualquer paralelo com o maior dos escritores brasileiros. Mas volto tanto aos livros do bruxo de Cosme Velho que me basta um simples exercício de pesquisa para concluir que o criador de Virgília padecia de idêntica inclinação.

Em A Parasita Azul, Isabel  “era morena, de um moreno acetinado e macio, com uns delicadíssimo longes de cor-de-rosa. Em Almas Agradecidas, temos uma Cecília “que era uma beleza, uma flor em toda a extensão da palavra.”. Em “Casada e Viúva, surge-nos uma Eulália, “que em alma e corpo é o que há de mais puro, unido ao que há de mais belo. Tanto era um milagre de beleza carnal, como era um prodígio de doçura, de elevação e de sinceridade de sentimentos. E, sejamos francos, tanta coisa junta não se encontra a cada passo”.

Falei antes de Virgília. Dessa Virgília, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas deixou-nos um retrato que é tanto estético quanto psicológico; “Era bonita, fesca, saía das mãos da natureza cheia daquele feitiços, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril e cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção – devoção ou talvez medo; creio que medo”.

E mais não cito porque poderia alinhar aqui mais 10, 20, cem descrições de igual valia. Ou porque me poria ciumento: Não é bom dividir o fascínio por tantas personagens lindíssimas De algum modo sou namorado  de todas elas, mas a que mais me seduz, me cativa e atrai é a que não convoquei para este texto: Capitu, a dos olhos de ressaca”.




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