Muitos estigmatizam, no Brasil, o mês de agosto, como do desgosto. No hemisfério norte, T.S.Elliot, o grande poeta, autor do mais célebre poema do século XX – “Terra Devastada” – diz que abril é o mais cruel dos meses. Aqui é tudo diferente. Janeiro é celebrado ao sol dos veraneios e faz, em nossa cidade, a alegria dos nativos como contrapartida dos veranistas. . Agora (2018), um grupo de poetas e intelectuais está lançando o “Movimento Torres Além Veraneio”, mas, sabemos, todos, quão difícil será sair do Destino para a História. Do dedo de Deus para a mão do Homem… E novembro? O que dizer do mês que se inicia com “Todos os Santos” e, por isso mesmo, tão abençoado? Escolho-o como “Meu querido mês de novembro”.
Tenho dos novembros as mais gratas lembranças, a maior delas como prenúncio do verão com o início de noites mais curtas e dias alongados pela mudança do relógio sideral. Os feriados dos dois primeiros dias era tempo de vir à praia, arejar a casa, tirar o mofo, colocar os cobertores nos varais, fazer o jardim, ir preparando o veraneio. Mas este era o mês, também, que ia terminando o ano escolar e espichávamos o pescoço para ascender mais um degrau na escada do currículo. Que emoção chegar, naquele tempo, ao “Ginásio”, quando se iniciavam os estudos de língua estrangeira e saíamos da aritmética para a matemática das letras: o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos…! A impressão que tenho é que novembro era uma espécie de puberdade. Tudo irrompia….
Novembro, porém, não é, apenas, um mês existencial. De experiências pessoais. Sempre foi um mês de tramas políticas – e eu sou a elas ligado pela paixão – , começando pela Proclamação da República, dia 15, e pelo Dia da Bandeira, hoje, obscurecida pelo “diktat” globalizante. O nacionalismo reduziu-se à camisete da seleção. Quando menino, no Grupo Escolar Cícero Barreto, em Santa Maria, o 19 de novembro era dia de exaltação nativista e de cantar o Hino à Bandeira, todos enfileirados, de guarda-pó, antes de entrar em aula: “Salve lindo pensão da esperança/Salve símbolo augusto da paz”. Lembro, a propósito, como o velho Comandante Brizola gostava desta data e deste hino, reverenciando-os. Quando foi Governador do Rio Grande do Sul mandou imprimir a letra do hino nos cadernos escolares. Ó Tempos!!
Mas foi também o mês de grandes agitações políticas no período que podemos chamar de Moderno, depois de 1930, cuja Revolução deu-se em outubro, mas se consolidou, mesmo, em novembro daquele ano. Getúlio Vargas assumiu a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha no Brasil e o início de suas grandes transformações. O Brasil saía da sombra do fazendão escravocrata das cartolas importadas da Europa e mergulhava no capitalismo, ainda que de Estado. Enquanto a Revolução de 1930 estava em andamento, havia dissidências à direita e à esquerda. Para uma dissidência do Partido Comunista do Brasil (PCB), que desembocaria em novembro de 1935 na denominada Intentona Comunista, então comandada por Luiz Carlos Prestes, Vargas representava uma cisão no bloco de poder oligárquico. Tempos, aliás, conturbados, de fortes tensões numa sociedade com raízes multifacetadas em rizoma, resistente ao ritmo da História. Testemunho disso tudo são “As memórias do cárcere”, de Gracialiano Ramos. Em outro novembro, dia 10, do ano de 1937 Vargas dá o troco contra a corrente das resistências e mergulha o país no Estado Novo, que perdurará até… às vésperas de novembro de 1945, quando foi deposto. Neste interregno, malgrado o eclipse democrático, Vargas impulsiona o dito “nacional-desenvolvimentismo”, a “Marcha para o Oeste”, o BNDES, a PETROBRÁS e outros suportes do processo de industrialização soberana do país. Volta, entretanto, ao Poder em 1951, continua sofrendo as pressões contra seu programa nacional-desenvolvimentista e se suicida em agosto de1954. Novas eleições, vence JK à Presidência, com apoio dos varguistas, que indicam seu afilhado João Goulart como Vice. Tudo em clima de Bossa Nova, com fortes tensões. Para tomar posse, diante da ferrenha oposição, houve a necessidade de uma .nova “novembrada”. Ela foi comandada pelo General Lott, Ministro da Guerra, como então se dizia, com o objetivo da fazer cumprir a Constituição e, assim, dar posse a Juscelino. . A “Espada de Ouro “de Lott levantava-se na defesa da democracia. Depois disso muitos novos novembro, alegrias e lágrimas se sucedendo. E lá vamos nós de novo, desta vez com várias frentes de guerra no exterior, de onde repatriamos alguns concidadãos que voltam beijando nosso solo. Particularmente, embora respeitando sua dupla cidadania, preferia vê-los vestindo e desfraldando a nossa bandeira. Que fazer…?
*Publicado originalmente em A FOLHA – novembro /2018. Revisado