Corria a década de 1960, e a Guerra Fria ditava o debate político no mundo, tendo os Estados Unidos como líder do bloco capitalista e a União Soviética como líder do bloco comunista. A ilha caribenha de Cuba havia feito sua revolução em 1959. No Brasil, desde a morte de Vargas, o debate ideológico se acirrava, aglutinando a esquerda em torno do Partido Trabalhista Brasileiro, o qual operava, pela proibição à legalização dos comunistas, como um estuário de lideranças populares. João Goulart liderava nacionalimente o PTB, elegendo-se duas vezes como Vice Presidente da República, de JK, em 1955, e de Jânio, em1960, enquanto Leonel Brizola o pontificava. desde que foi eleito Governador em 1958. Com a renúncia de Jânio, em 1961, Jango assumira a Presidência, depois da épica Legalidade no Rio Grande do Sul, mas sofre restrições conservadoras e dificuldades crescentes para manter-se no poder.
A conspiração adquirira força a partir da restauração do presidencialismo em janeiro de 1963 e cresceu ao longo do ano. Após a Revolta dos Sargentos e o pedido do estado de sítio, retirado, no final de 1963, muitos oficiais suspeitaram das intenções do presidente e aderiram à conspiração com intenção “defensiva”. A passagem do PSD à oposição, em 10 de março de 1964, foi um mau sinal. A radicalização ao longo do mês alimentou a narrativa de que o presidente daria um autogolpe. Muitos parlamentares, inclusive JK, passavam a concordar com os conspiradores.[ Na memória militar, os eventos levaram à adesão dos indecisos e formaram o estopim para o golpe.
No dia 31 de março , o general Olímpio Mourão Filho, da 4ª Região Militar/Divisão de Infantaria (4ª RM/DI), inicia a ofensiva militar de Minas Gerais ao Rio de Janeiro para derrubar o presidente João Goulart, que recebe a notícia de seu ex chanceler Santiago Dantas.
No dia 02, Jango vai para Brasília em busca de apoio, sem êxito. Lança um Manifesto histórico, que reedita a Carta Testamento de Vargas, e viaja para o Rio Grande do Sul. Aí a crise eclode no Congresso Nacional. O Vice-presidente do Senado, no exercício da Presidência, em virtude do fato de que o Presidente da Casa fora guindado a Presidência, o paulista Auro de Moura Andrade, UDN, que vinha desempenhando um papel relevante na conspiração golpista foi, então, usado para conferir aparência de legalidade ao golpe militar: Declarou vaga a Presidência, embora Jango permanecesse em território nacional. Com isso, o deputado Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados ocupa a presidência da República interinamente, até que o Congresso, já mutilado pelas primeiras cassações, elegesse Castelo Branco com os votos contrários da bancada do PTB, sob liderança de Doutel de Andrade. Nesta data, Jango estava com Brizola em Porto Alegre discutindo uma possível resistência, sobre a qual o ex governador do Rio Grande do Sul ainda confiava.
E tudo começou com o pecado original da declaração de vacância da Presidência da República no dia 2 de abril, quando o Presidente ainda se encontrava no país. Era o signo que acompanharia a ditadura durante 21 anos. Muitas feridas deste período ainda sangram nos sobreviventes da barbárie dos porões da repressão enquanto famílias enlutadas ainda choram a perda de seus filhos.
O golpe estava, pois consumado. Devido à articulação dos militares com civis, autores como René Armand Dreifuss, no livro “1964: a conquista do Estado” (ed. Vozes, 1981), se referem ao golpe como “civil-militar”. Depois, virou “Movimento”
Em artigo acadêmico de 2016, a historiadora Mariana Joffily resgatou as principais linhas historiográficas sobre o golpe e a ditadura. Foi golpe! Impôs autoritariamente pelas Forças Armadas e se sucedeu militarmente por 21 anos. Em uma ditadura, os órgãos legislativos e judiciários são subordinados ao Poder Executivo, as eleições são suspensas, os direitos de liberdade individual e livre expressão são controlados. Não há regras transparentes, nem participação minimamente popular sobre o processo de sucessão governamental. Após o golpe de 1964 até 1985, todos os governos seguintes foram marcados por essas diretrizes. Mas desde sua instalação, a sociedade reagiu e começou a resistência que alcançou seu ápice em 1968 com a Manifestação dos Cem Mil no Rio de Janeiro. O primeiro movimento de reação cultural veio do no teatro, quando, no final daquele ano, o Grupo Opinião, do Rio de Janeiro, começa a encenar peças que abordam diretamente as circunstâncias do golpe, sendo logo seguido pelo paulista Oficina (leia mais sobre o tema na entrevista com Ferreira Gullar). O teatro era então uma espécie de “arte-jornal”, com capacidade de comentar o cotidiano com rapidez bastante superior à literatura e ao cinema, cuja produção era então incipiente.
Em 1967 foram publicados dois romances paradigmáticos do conflito interno:. Quarup, de Antonio Callado, e Pessach: a travessia, de Carlos Heitor Cony. Trazem para o centro do enredo a figura do revolucionário. Neste mesmo ano, retumba o Festival de Música Popular na TV Record que traria a tona o Tropicalismo com os Novos Baianos com suas mensagens em códigos. Foi também o ano de lançamento do filme Terra em transe, de Glauber Rocha
No dia 9 de abril de 64 o Supremo Comando Revolucionário, formado pelo General Costa e Silva, o Vice-Almirante Augusto Rademaker e o Tenente-Brigadeiro Correia de Melo, decreta o Ato Institucional nº 1 (AI-1), cassando mandatos legislativos, e autorizando a suspensão de direitos políticos de qualquer cidadão e a punição dos integrantes da administração pública, além de determinar a eleição indireta do Presidente da República para um mandato até 31 de janeiro de 1966. No dia seguinte, é divulgada a primeira lista dos atingidos pelo AI-1, à qual se seguiriam várias outras nos dias e meses seguintes, cerca de 3.500 pessoas entre deputados federais e estaduais, oficiais das Forças Armadas, lideranças políticas, funcionários públicos, dirigentes sindicais. No dia 11, numa eleição de candidato único, o Congresso Nacional elege para a Presidência da República o Marechal Castelo Branco. O Vice-Presidente eleito é José Maria Alkmin, Deputado Federal (PSD)
Em 4 de abril Jango chegava ao Uruguai. Morreria no exílio em 1976.
Em 1985, o sistema de realimentação do autoritarismo desaba quando Tancredo Neves, pelo PFL, tendo como Vice José Sarnei, pelo PMDB vencem as eleições no Colégio Eleitoral. No dia 21 de abril deste ano, tem início a NOVA REPÚBLICA que convocará uma Constituinte, afinal promulgada em 1988.
Renascia, então, ainda que frágil e fugidia, nossa democracia, cuja consolidação ainda é responsabilidade de todos nós.
Ditadura nunca mais!