Nós, latinos, somos, grosso modo, os herdeiros do Império Romano que, em sua vasta expansão ao longo do Mediterrâneo, chegou aos confins da Europa, mesclando-se com os povos ditos bárbaros que a habitavam. Neste processo, registrado em “De bello gálico”, Julio Cesar fez sua glória militar com a qual atravessou o Rubicão, derrubou a República e abriu novo ciclo à História de Roma, com os Imperadores, os quais pontificaram até o ano 476DC. Herdamos daí a matriz linguística, o DNA cultural helênico e a fé cristã, constituindo-nos como o foco originário do que se denomina Cultura Ocidental, por isso mesmo greco-cristã e não egípcia, indiana ou jadaica. Depois das Grandes Navegações, no século XVI, essa torrente invadiu o Novo Mundo, vindo a formar o que hoje denominamos América Latina, que, aliás, avança agora sobre os Estados Unidos perfazendo, a essas alturas, 30% da população da Califórnia, além de Africa e Ásia, em cujos continentes nossa capacidade hegemônica foi menos acentuada. No curso da modernidade os anglo-saxões, porém, com elevado espírito prático e mais inclinados à explicação experimental do que às interpretações, nos passaram a perna e deram nova configuração à contemporaneidade: Ingleses, alemães, norteamericanos. Um famoso estudioso destas duas grandes vertentes do Ocidente, latina e anglo saxã, Richard Morse, autor de “O Espelho de Próspero”, americano, profundo conhecedor da América do Sul, até lamentou esta ultrapassagem. Afirma ele que nós, latinos, somos portadores de uma cultura universalista – mais profunda- e teríamos dado à modernidade melhores feições. Não por acaso, a propósito, os migrantes latinos tendem a apoiar, nos Estados Unidos, os democratas, numa demonstração de maior elasticidade humana no tratamento das questões políticas. Agora mesmo, eles garantiram, com seu voto plebiscitário, a permanência do Governador Newson, na Califórnia. Mas, nós, os latinos da América do Sul muito nos diferenciamos internamente, tanto dos latinos europeus, como, entre nós mesmos. Recentemente, o Presidente Fernandez escorregou com certa jactância quando afirmou : – “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros da floresta , nós viemos do mar”. Com efeito, meio sem querer, ele identificou os três grandes blocos que nos formam, todos eles colonizados por ibéricos: Os de forte presença de povos originários, do México até o Paraguai; os de maior presença europeia, Chile, Argentina e Uruguai; e o Brasil, uma “gentidade em formação”, de brancos, negros e índios, como dizia Darcy Ribeiro, com predominância africana.
Detenho-me nas diferenças entre Brasil e Argentina. Somos muito parecidos e, paradoxalmente, tão diferentes. A Argentina, menos heterogênea do que o Brasil, beneficiou-se, em primeiro lugar, de um processo colonizador espanhol que consistia numa transposição do Reino e suas instituições para a rica colônia. Enquanto Espanha criava, por aqui, Universidades, já no século XVI, nós fomos ter a nossa primeira Universidade em 1932, por iniciativa da privilegiada elite paulista contrariada com os rumos do Brasil sob Vargas: a USP. Nisso podemos dizer que fomos, em certa medida, mais autênticos do que a Argentina, porque onde chegamos, fizemo-lo por nós mesmos, vez que ,de Portugal, herdamos um empreendimento escravista comercial e uma classe dominante sem maiores compromissos com a verdadeira Nação, seu povo. Adoram enriquecer no Brasil e morar em Miami, ou na City. Mas, como os mexicanos, também viemos dos índios, mas num sentido mais territorial: foram eles que, não só ocuparam primeiro nosso território, como o garantiram expandindo fronteiras sobre o norte e o centro-oeste. O caso sulino, embora embebido na cultura indígena, teve na ocupação militar e na migração vertente similar à da Argentina. Em todos os casos, foram eles, aqui, sempre um suporte social decisivo.
Mas não cabem aqui maiores considerações sobre Brasil e Argentina. Gostaria de lembrar, apenas, que, ao final da II Guerra, junto com os Estados Unidos, éramos as três grandes potências promissoras do mundo, com vantagem de los hermanos sobre nós porque, não só dispunham de trigo, petróleo e carne em abundância, como uma população já qualificada sem analfabetos. Lamentavelmente, a Argentina entrou em colapso por volta dos anos 1950 e, desde então, entrou no que um analista, Prof.José Maria Fiori, Professor UFRJ denomina “gangorra histórica” num empate político entre as forças de esquerda e direita que não desata o nó górdio de seu destino. Nesta semana repete-se o balanço: Fernandez teve uma grande derrota nas eleições regionais e enfrente grave crise interna em seu governo, com cinco ministros demissionários.
Isso, porém, nos dá uma pista, porque talvez também estejamos já na dita “gangorra”, na ilusão de que a mera troca de siglas poderá nos abrir horizontes. Antes de escolhermos um Salvador da Pátria, deveríamos começar a exigir dos candidatos uma clara definição de propósitos: Um Plano de Governo e governança. Sei que estou falando aos mortos. Mas não dizem que são eles que, sempre e cada vez mais, nos governam. Oxalá!