O despertar da compaixão

"A mesma sensação de medo e insegurança pelo desconhecido que sentimos é a mesma que um cachorro sente quando é abandonado na rua pelo seu tutor." (Renata Fortes)

10 de março de 2019
Por Renata Fortes Advogada ATPA

Muito se tem falado do despertar da compaixão nas relações com os animais, como forma de garantir os direitos animais. Não temos uma posição conclusiva se a compaixão é uma virtude ou um sentimento, mas talvez isso nem tenha importância quando pretendemos compreender o que é a compaixão e como ela pode ajudar a todos os seres sencientes a terem uma vida melhor. Conforme o dicionário Aurélio, compaixão é um sentimento benévolo que nos inspira a infelicidade ou o mal alheio. Em outras palavras, é o que sentimos quando nos aproximamos o máximo possível da dor ou infelicidade de outro ser senciente, a ponto de nos colocarmos no “lugar” dele e “sentirmos” o que ele está sentindo. Quando isso acontece nasce uma grande vontade de agir para afastarmos ou mesmo minorarmos o que está prejudicando o outro ser. Isso é compaixão.

Nos colocar no lugar do outro somente é possível porque temos em comum a senciência – capacidade de sentir emoções como medo, alegria, prazer, raiva e sensações como frio, calor, fome, dor. Essa capacidade nos iguala a todos os seres de nossa espécie, assim quando vemos uma criança com fome podemos perceber o mal que há nisso porque, em algum momento de nossa vida, também já sentimos fome e guardamos na memória essa sensação. Da mesma forma, quando nos deparamos com alguém que está com raiva, com medo, com alguém que foi injustiçado, enfim, podemos perceber o universo de sensações e emoções do outro.

Mas, quando percebemos que um cachorro está com fome, podemos dizer que sabemos o que ele está sentindo? Sim, podemos porque os animais também são sencientes, assim como nós. Quem convive próximo aos animais já percebeu que eles expressam o medo, a tristeza, a alegria. A mesma sensação de fome que aflige um cavalo, um peixe e uma galinha é a mesma que nos aflige quando nos falta alimento. A mesma sensação de medo e insegurança pelo desconhecido que sentimos é a mesma que um cachorro sente quando é abandonado na rua pelo seu tutor.

A capacidade da senciência é tão extraordinária que mesmo que eu não tenha vivido determinada situação, sou capaz de perceber as suas implicações pelo simples fato de ter armazenado em minha memória emoções e sensações vividas em situações similares. O que nos diferencia é a forma como reagimos a esta capacidade de sentir. O medo gerado por uma situação injusta em Maria pode ser o motivo que a levou a fugir, já em Joana foi a força para que ela continuasse lutando por seus direitos. Nesse ponto, chegamos na diversidade. Somos seres diversos, marcados pela individualidade, cada um com o seu universo, a sua forma de ver a vida, de reagir, mas todos possuem em comum a capacidade de sentir! Podemos ampliar esta noção e alcançar os demais seres sencientes do Planeta, e esta ampliação é o que, modernamente, se chama de ética da Vida. Olharmos para todos os seres, como seres que são diversos mas que trazem em comum a capacidade da senciência. Nessa perspectiva, podemos perceber por exemplo o que sentem os primatas enjaulados por toda a sua existência em um cubículo nos zoológicos, onde são observados por horas e horas por pessoas que querem vê-los expressar reações, por isso são provocados constantemente. Quando me coloco no lugar desses primatas sinto angústia pela falta de privacidade e tristeza pela falta de liberdade e autonomia.

O despertar da compaixão é um processo a ser vivido de forma individual por cada um de nós. Ele inicia com a empatia, que é o momento no qual sentimos o sofrimento do outro. Caso a gente não tente inibir o que estamos sentindo, o próximo estágio será a vontade de agir para afastar o sofrimento e libertar o outro para que viva uma condição melhor. A ação pelo bem do outro é compaixão. Para haver compaixão, portanto, é fundamental que exista um sentimento de conexão entre eu e todos os seres, onde eu perceba que o viver bem não é uma conquista individual ou mesmo restrita a nossa espécie. Viver bem é o anseio de todos seres sencientes deste planeta, por isso nenhum ser saudável, humano ou não-humano, busca a dor, a miséria, a infelicidade como objetivos de suas ações. Todos os seres buscam circunstâncias de vida que lhes traga bem-estar e os afaste do sofrimento.

Quem se deixa despertar pela compaixão se torna uma pessoa de ação pelo bem-estar coletivo do Planeta, das presentes e futuras gerações de seres sencientes. Se torna uma parte fundamental do Todo na luta pela universalização e eficácia dos direitos, humanos, animais e da natureza! Por isso Gandhi dizia: “Seja você a mudança que queres para o mundo.”

 

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