Estava pela antiga Nossa Senhora Conceição do Arroio, a cidade dos bons ventos, conhecida no vasto território do litoral norte como: Osório. A presença era necessária para aperfeiçoamento profissional por meio da formação continuada em educação para as relações étnico-raciais, um formidável curso para professores da rede pública estadual. Como era o dia inteiro de atividades, aproveitei para subir a APA Morro da Borússia e aproveitar a paisagem, para o deleite do olhar, até se perder no horizonte. O mirante do Morro da Borússia é um lugar especial do ponto de vista da geografia, conseguimos pontuar as cidades do litoral norte, como Tramandaí, Capão da Canoa e Arroio do Sal, assim como os contornos marcantes das lagoas da planície costeira. É sempre lindo e uma experiência sensorial incrível. Entretanto, neste dia em particular tinha algo diferenciado no ar. Uma camada de nuvens baixas numa coloração acinzentada em baixa altitude pairava sobre a cidade de Osório. Por um momento achei estranho, mas tinha um clima bonito e fascinante devido ao contraste que provocava.
Os dias se passavam, e principalmente, ao amanhecer e ao entardecer o sol brilhava num tom diferenciado. Ao contemplar o entardecer percebi uma áurea alaranjada acentuada, uma atmosfera hipnótica. Um espetáculo singular que despertava a necessidade de sua apreciação. Um momento especial para uma pausa, um suspiro para curtir o ocaso. Eram dias sucessivos e não era normal. Até que me deparei com uma notícia sobre as queimadas envolvendo imensas zonas florestais no Brasil, Paraguai e Argentina e o que víamos no entardecer como um filtro solar eram as partículas de fumaça emitida pelos incêndios. No Brasil, o cenário se agravou na Amazônia, alastrando focos em estados das regiões norte, centro-oeste e sudeste. Devidos aos “rios voadores” e a movimentação das massas de ar no sentido norte/ sul, as partículas são transportadas para a porção meridional do território brasileiro. É o fogo tomando o espaço e viajando pelo espaço, um ar de preocupação e incertezas, um rastro de destruição e desespero. Uma hecatombe ambiental sem precedentes!
As imagens das áreas devastadas e o esforço para a contenção das chamas, a luta para mitigar os danos causados nos faz mergulhar nas profundezas da consciência, refletir sobre nossa existência e nosso modo de vida. Em meio a tudo isso tive uma lembrança, um encontro inusitado que marcou minha vida. Certa vez, fui pego de surpresa quando fui conhecer a cidade maravilhosa, Rio de Janeiro e seu histórico Jardim Botânico, fundado em 1808 pelo príncipe regente português D. João. Foi um misto de sentimentos quando, diante da sua grandeza, sucumbi aos seus pés. Ela tinha cerca de 60 metros de altura e 40 metros de diâmetro em sua copa. Era uma árvore amazônica chamada Sumaúma. Corri para abraçá-la e fiquei horas admirando sua beleza. A Sumaúma representa uma anciã das florestas plena de sabedoria, a árvore-mãe carregada de simbolismos e força espiritual. Lembrei com carinho desta minha amiga e deste encontro memorável, quando vi as chamas invadindo a floresta. Nesta mesma floresta, em que vivem povos originários e comunidades tradicionais que cultivam métodos extrativistas ancestrais, baseado no manejo sustentável dos seus territórios.
Quando o pensador e escritor indígena Ailton Krenak afirma que o “Futuro é ancestral” está colocando em evidência as lições que os povos originários disseminam há milênios. Sob constantes ataques em distintas esferas da vida, os povos indígenas resistem às violências físicas e simbólicas, rompem com os preconceitos e apontam para uma nova relação com o futuro. Uma resistência e luta pelo direito de existir e co-existir, com respeito e dignidade. É urgente a descolonização das mentalidades para abrir espaços de integração e de escutatória, se despir do eurocentrismo e admitir que os verdadeiros mestres são os povos indígenas.
Os povos-anciões e a árvore-mãe Sumaúma mantém-se altivos, firmes ardendo como o fogo e revelam a premente necessidade de mudanças de paradigmas