Um prédio diferente e parado no tempo contrasta com o seu entorno. Uma figura ilustre e desconhecida, Dona Bertha, personagem e edificação que certamente merecem figurar no roteiro virtual pelas ruas da cidade de Torres.
Em uma época em que existiam poucos prédios na cidade, um despontava para ser o mais “chique”, dotado de um tipo arquitetônico com estilo e elegância herdadas de um novo movimento artístico e de design global que surgiu no início do século XX, alcançando proeminência após a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris em 1925: O Art Déco.
No início do século XX, em uma época com poucos edifícios imponentes, um prédio se destacava na cidade de Torres-RS. Concebido para ser o mais “chique”, ele exibia um estilo arquitetônico com elegância e design inovadores, inspirados no movimento artístico Art Déco. Esse estilo, que surgiu globalmente no início do século XX, alcançou proeminência após a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, realizada em Paris em 1925.
No Brasil, o Art Déco exerceu influência considerável sobre as paisagens urbanas, especialmente durante as décadas de 1930 e 1940. Nesse período, ele se consolidou como a principal expressão de renovação arquitetônica e modernidade, antecedendo a ascensão do modernismo brasileiro na década seguinte. A linguagem Art Déco, com sua estética inovadora e ao mesmo tempo acessível, deixou marcas profundas no cenário urbano do país, disseminando-se de grandes centros para cidades de menor porte.
Assim nasceu o “Prédio da Dona Bertha”, com a intenção de ser um marco na cidade e brilhar com sua arquitetura Art Déco. No entanto, sua construção foi misteriosamente interrompida, e ele permanece inacabado até os dias atuais. Apesar de sua beleza e importância histórica, o edifício encontra-se em estado deplorável de conservação, abandonado e cercado por lendas e especulações.
A construção do prédio começou no final dos anos 40 ou início dos 50 na Rua Júlio de Castilhos, próximo à antiga Prefeitura Municipal de Torres. A encarregada da obra era a Dona Bertha, uma mulher rica e excêntrica que comandava pessoalmente a construção. Investigando a história, descobri que Dona Bertha era uma senhora “bem de vida” (rica, talvez) e, digamos, “alegre” na escolha de suas roupas (hoje a chamariam de “perua”). Em certa altura de sua vida, ela decidiu construir um edifício em uma das principais ruas da cidade.
A partir daí, diversas versões circulam sobre o motivo da interrupção da obra.
- A primeira sugere uma briga entre o marido de Dona Bertha e o prefeito, o que teria levado ao embargo da construção.
- A segunda aponta para a possibilidade de Dona Bertha ter investido grande parte de suas posses, não conseguindo finalizar o projeto por falta de dinheiro.
- A terceira versão, e a mais plausível na minha opinião, é que o chamado “espigão” gerou grande inveja na cidade. Quando o prédio estava quase pronto, boatos sobre possíveis rachaduras e risco de desabamento forçaram as autoridades a interditarem a construção.
O fato é que há muita especulação e pouca informação concreta. No livro “Moradores da Rua Júlio de Castilhos”, de Maria Helena Lima da Silva, há a indicação do sobrenome do marido de Dona Bertha, que seria “Tchaimam”. O livro sugere que ele seria proprietário de lojas de ferragens no Caminho Novo, em Porto Alegre. Contudo, minha pesquisa buscando esse sobrenome não encontrou nada que comprovasse essa informação. Não existe esse sobrenome, pelo menos com essa grafia. Encontrei “Teichmann”, de origem alemã, e comprovadamente famílias com esse sobrenome vieram para o Brasil como parte dos fluxos migratórios alemães nos séculos XIX e XX. Mais mistérios a serem desvendados…
Na ausência de fatos, criamos histórias que, contadas repetidamente, acabam virando lendas. Uma delas afirma que a velha senhora — Dona Bertha, ou talvez seu fantasma — aparece entre os escombros do prédio, assustando os que se atrevem a entrar. Isso era comum na minha época de escola. Alunos que passavam ou voltavam da ESD (Escola São Domingos, hoje Sagrado) tinham várias versões; os mais corajosos contavam histórias ainda mais assustadoras, dizendo que Dona Bertha havia morrido lá e perambulava pelo prédio inacabado por anos, e quem sabe, ainda perambula.
Atualmente, o edifício está em péssimo estado. Portas e janelas foram retiradas, e há relatos de que pessoas tentaram, sem sucesso, demolir o prédio. Dizem que uma “Fundação Bertha” surgiu para impedir a demolição. Apesar do abandono, o prédio é considerado um dos maiores exemplares de arquitetura Art Déco na cidade de Torres, sendo uma relíquia e uma construção bem sólida, que resiste ao tempo.
Em resumo, o Prédio da Dona Bertha é um edifício icônico em Torres-RS, com uma rica história, arquitetura singular e muitas lendas. Infelizmente, seu estado de abandono levanta questões importantes sobre a preservação do patrimônio histórico da cidade. Às vezes esquecido, mas sempre ali, o velho edifício se mantém em pé, contrariando a tudo e a todos.
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