É muito comum, entre os mais velhos, o saudosismo dos bons tempos de antigamente, sempre com uma pitada de crítica à juventude de hoje: “Brincávamos na rua, comíamos doces adoidado, tomávamos sol o verão inteiro, as famílias e vizinhos se visitavam. Aquilo é que era vida!” Há casos, inclusive, de valorização do passado histórico: “Como era bom o meu francês!”
Recebo até posts sobre Dom Pedro II, “aquele soberano probo e culto” que honrava o Brasil no exterior e que foi injustiçado por um odioso golpe militar a 15 de novembro de 1889. Mal se dão conta, todo esse pessoal, da dura realidade do país nos séculos XIX, sob rígido controle de oligarcas escravocratas e autoritários e que se projetou, mesmo sob a República, até meados do século XX. Os trabalhadores não tinham quaisquer direitos, as mulheres eram isoladas do mundo e condenadas à cozinha, povos originários eram dizimados sem piedade, negros discriminados e reduzidos à objetos. Os trabalhos na lavoura e domésticos eram penosos, a vida difícil, o tempo de vida, muito curto. Quem chegasse aos 60 anos era imprestável. Aí chegou o pós-guerra, o país deu um salto à modernidade; industrializamo-nos em torno a grandes cidades, as condições de trabalho incorporaram direitos à Carteira de Trabalho, férias, aposentadoria e até 13º. Salário, apareceram o rádio, a televisão, as telenovelas. Até votar, mesmo com os hiatos de ditaduras circunstanciais, nos foi permitido. A beleza deixou de ser oferecida apenas pela contemplação da natureza e estendeu-se à produtos de fácil acesso como a música popular e o cinema. A informação, enfim, antes reduzida ao ensino da Bíblia, com missas em incompreensível latim, difundiu-se pelos meios de comunicação de massa e acabaram transformando o mundo na aldeia global da INTERNET. Cultos e inspirações religiosas diversas proliferaram. O samba consagrou-se e fez da “Aquarela do Brasil” o hino popular da Nação. Veículos motorizados, ainda que sobre mercados superpostos de carros usados, revolucionaram o estilo de vida de todo mundo. E os celulares, então? Muitos recamam que os jovens não largam os celulares, como se isso fosse pecado. Vejam o que uma colega minha, já avó, relata:
“… aquelas fotos que vocês andam postando de estudantes em grupo que, nas visitas a museus, estão olhando os celulares e supostamente, TODOS ELES, desinteressados das telas expostas, eu vou EXPLICAR, PRESTEM BEM ATENÇÃO e não falem bobagens:
Nos Estados Unidos – e mesmo em alguns países europeus – os museus têm PROGRAMAS para ESTUDANTES. Eles fazem a visita (em geral temática, pois cada visita é em uma das partes do museus), OLHAM as telas ou os objetos, recebem EXPLICAÇÕES de MONITORES qualificados e, depois que viram tudo o que estava incluído no programa, sentam-se em um dos bancos, pode até ser em frente a uma grande tela ou a um objeto importante, pode ser em qualquer lugar, e ABREM O CELULAR para RESPONDER a PERGUNTAS e para deixar registrada sua IMPRESSÃO sobre a VISITA.
Não por acaso, a tal foto que vocês divulgam como sendo de alienação dos jovens, mostra toda uma turma com os celulares na mão. E NÃO HÁ NADA de ERRADO NISSO. Eu mesma vi, na Freer Gallery, em Washington, um grupo de jovens animados, inclusive voltando para fotografar objetos da exposição Rota da Seda, para incluir as fotos em seus comentários. E, é claro, de celular na mão”.
E o que dizer do aumento da expectativa de vida, mesmo que metade da população, presa à baixa remuneração, equivalente apenas a um mínimo, ainda esteja muito distante dela? Tudo isso nos faz pensar duas vezes antes de enaltecermos o passado. Isso não quer dizer que os tempos atuais não tenham seus percalços: A violência, as drogas, a depressão, o desemprego, as fakenews etc. Mas convenhamos: Ainda bem que saímos do passado e podemos assistir, com 80 anos e mais, ao espetáculo de uma Rebeca Andrade online e verificar que mais de 70% das nossas medalhas olímpicas foram conquistadas por mulheres livres e guerreiras.