OPINIÃO – A Caminho da Distopia: Os filhos da fúria…

O episódio da “cadeirada” do candidato a Prefeito em São Paulo, Datena/ PSDB , num debate entre candidatos na TV Cultura daquele Estado, não foi um ato isolado. Está não só repercutindo, aliás negativamente, como suscitando maiores reflexões sobre a violência política entre nós.

20 de setembro de 2024

O episódio da “cadeirada” do candidato a Prefeito em São Paulo, Datena/ PSDB , num debate entre candidatos na TV Cultura daquele Estado, não foi um ato isolado. Está não só repercutindo, aliás negativamente, como suscitando maiores reflexões sobre a violência política entre nós.

A violência física – bofetões e cadeiradas-, é sempre vista como o corolário da violência verbal, que por sua vez resulta, no campo político, da radicalização de opiniões e situações. Culmina no extremismo, como resultado de polarizações extremadas, desembocando, inclusive, em atos de terrorismo que marcam a História da Humanidade desde priscas eras. Este é, não obstante, um último recurso de populações e grupos sujeitos à processos de dominação, os quais, impossibilidades de reverberar e encaminhar demandas correspondentes à sua liberdade ou sobrevivência, desembocam em atitudes radicais: A revolta dos escravos liderados por Spartacus, na antiga Roma, é um clássico deste processo, levado às letras e ao cinema com grande êxito. Esse tipo de revolta levou, inclusive, o grande abolicionista brasileiro, Luiz Gama, a sustentar, num processo em que defendia escravos que haviam assassinado seu amo, que “todo aquele que mata o seu ‘Senhor’, o faz em legítima defesa’.  Na Antiguidade, os romanos também enfrentaram a ira dos zelotes judeus na ocupação de suas terras: os grupos mais extremistas eram chamados de Sicários, que usavam táticas violentas e furtivas atacando os centuriões com pequenas adagas escondidas sob suas vestes.

No mundo moderno, os anarquistas costumavam manifestar sua contrariedade com o mundo burguês emergente com bombas e atentados. Fizeram estragos e pagaram caro. Um deles gerou, em Sarajevo, a I Guerra Mundial. Nações colonizadas – e neocolonizadas – também desembocaram no uso das armas como forma de  luta pela sua independência. A Grande Marcha da China, que acabou na Revolução liderada por Mao Tse Tung em 1949, teve início como reação nacional à barbárie da ocupação japonesa de seu território. Várias revoluções do século passado também obedeceram á esta lógica, como a Luta pela Independência da Argélia, na década de 1960, a Revolução Cubana, em 1959,  e vários outros processos de luta pela autodeterminação no resto do mundo, dos quais não se pode esquecer o Vietname e a questão palestina.

Ultimamente, porém, a violência vem reeditando os anos 20 e 30 do século passado. Lembremo-nos que a organização que levou Hitler ao Poder na Alemanha, em 1933, foi a Sturm Apteilung – SA – . Ela, ultrapassou os limites da desobediência civil e juntou  gente com paus e pedras contra os “inimigos”, intimidando-os. Entregou ao regime nazifascista sua natureza totalitária.  Países ditos democráticos e com altos níveis de institucionalização da sociedade e encaminhamento de solução pacífica de conflitos, como Alemanha,  estão enveredando pelo mesmo caminho. O caso dos Estados Unidos é outro exemplo. A violência grassa não só no campo da Política, vitimando Presidentes e ameaçando candidatos, como se espraia sobre toda a sociedade que vê no direito de usar e abusar das armas um instituto libertário. Agora mesmo, dois atentados já se registraram contra Donald Trump. Nestes casos, a violência não resulta propriamente do último recurso contra formas de dominação autoritária e excludente. Trata-se, certamente,  de um processo complexo de acúmulo de frustrações e ausência de autocontenção social quando, à banalidade da vida em comum se sucede a “banalidade do mal” e desta  para a “banalidade da loucura”.

Um dos principais fatores, aí,  é a perda de  posições e dificuldades de grupos internos para acompanharem transformações estruturais da economia num momento de grandes transformações estruturais. É o que está acontecendo em várias partes do mundo ocidental, primeiro como resultado da globalização, que levou à degradação de vastas áreas industriais, como Detroit, nos Estados Unidos, depois, agora, com o reescalonamento em escala mundial das plantas industriais como resultado da recuperação da ideia de construção, sob intensa pressão tecnológica,  de um mínimo de soberania nacional sobre produtos e serviços estratégicos. Isso, associado ao intenso fluxo de imigrantes de países pobres e dominados por outros tipos de violência,  está reanimando um discurso de ódio oportunisticamente explorado pela extrema direita. Curiosamente, como demonstrou um autor argentino recentemente, ela recorre a consignas e formas de luta da velha esquerda revolucionária, hoje institucionalizada, como proselitismo antissistema, empolgando as massas com o uso de Redes Sociais sob a falsa alegação de “democracia digital”.  São os filhos do som, das imagens e do ódio. Acabam manipulados por interesses ocultos que sequer eles próprios, protagonistas, muitas vezes desconhecem. Disseminam-se, então, todas as formas implícitas, como preconceitos e estigmas, e explícitas, sob a alegação absurda de que servem ao “comunismo”.  Pessoas – e Estados!- contaminadas por estes discursos perdem a capacidade de agir civilizadamente e chegam à loucura dos atentados à vida. Vide aquele caso no Paraná, em que um possesso bolsonarista invade uma festa particular e assassina o aniversariante. Aliás, recentemente foi posto em liberdade…

A cadeirada, enfim, gera suas reflexões. Chegamos ao mundo distópico. Os filhos do som, das imagens e do ódio estão por todos os lados.

“Mundo, mundo vasto mundo…”




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