Muito se tem discutido sobre o conceito de democracia digital no sentido do “emprego da internet como meio e ambiente de práticas políticas destinadas a reforçar a participação dos cidadãos no campo político”
O ponto de partida tem sido a ideia da internet como meio de participação popular no debate público, como instrumento de expressão de grupos da sociedade civil e de pressão sobre os Policy Makers, além de recurso para a intervenção do público na esfera política. Depois, vem a questão da democracia digital ou da internet como possibilidade de incremento das práticas políticas, sobretudo em países como o Brasil, onde releva o voto e não a participação ativa na organização da sociedade. Ultimamente, porém, com a disseminação das Redes Sociais e sua manipulação, emerge o debate sobre os limites da democracia dita digital. O caso atual das eleições para a Prefeitura de São Paulo, principal cidade do país, estratégica para os rumos da Política Nacional, com a possibilidade de eleger um influencer com 12 milhões de seguidores, alheio ao sistema propriamente político, apesar de sua filiação circunstancial a um Partido – PRTB – preocupa. Preocupa, inclusive, até seus aliados ideológicos – extrema direita e direita -. De outra parte, concorrentes dele, como Guilherme Boulos do PSOL, apoiado por Lula, e o Prefeito Nunes, MDB, apoiado por Bolsonaro e pelo Governador Tarcísio, já declinaram de participar com ele em debates por causa de suas atitudes nada fidalgas e denúncias sem provas, proclamando, em altos brados, que não respeita qualquer regra. Ele é o que se chama de outsider do sistema político, uma pessoa que se insere no processo eleitoral obtendo uma sigla qualquer como trampolim para a vida pública. . Isso não é propriamente novo. Celebridades do mundo artístico e desportivo há tempo fazem isso e têm relativo sucesso, embora dificilmente se alinhem a uma carreira política de longo prazo. Tiririca é bem o caso. Agnaldo Timóteo, já falecido, outro. Em outros casos, celebridades dos meios de comunicação, conhecidos do público pela sua presença na telinha também enveredam no mundo político. Antonio Brito, porta voz de Tancredo Neves, virou governador do Rio Grande do Sul. Aqui no RS, aliás, a RBS é tratada na intimidade como um Partido, tanto pelos posicionamentos em suas edições, nos mais variados veículos que detém, como pelo fato de acabar inventando figuras de pouca expressão política como candidatos de sucesso. Remember Lasier Martins. Nestes casos, entretanto, ainda que se questione a densidade política de tais candidatos, têm eles longa trajetória, não só perante o público que os assiste, como nas organizações para as quais trabalham. São, pelo menos, profissionais, jornalistas e radialistas qualificados à luz dos requisitos mínimos para o exercício de suas profissões.
No caso dos influencers, entretanto, trata-se, na maioria dos casos, de aventureiros, que se autodenominam coachs ou outra coisa que o valha, e acabam, por conta própria criando um universo de seguidores capaz de detonar os mais respeitáveis homens propriamente públicos. Não por acaso, todos se intitulam “empresários” e se alinham a uma ideologia neoliberal de contestação do Estado e de seu papel fundamental como tabernáculo da Lei. Eles estão destruindo o sistema político republicano baseado em regras e equilíbrio de poderes que foi arduamente conquistado sobre as cinzas do absolutismo. Daí a contestação que emerge no mundo inteiro sobre a liberdade de ação nas Redes Sociais e no uso da INTERNET. O russo que criou, por exemplo, a rede TELEGRAM, na qual subjazem dicções do interesse do tráfico, do contrabando de armas e pornografia infantil, foi recentemente preso em Paris e só obteve liberdade condicional depois de pagar quase cinco milhões de euros. Ainda assim, responderá a processo judicial. Para todos eles, a palavrinha mágica que cativa corações e mentes, sobretudo de jovens, é LIBERDADE. Mal sabem que não há liberdade sem limites, sendo a necessidade do conhecimento, ainda o melhor projeto para a construção da autonomia humana. Nos Estados Unidos até criaram um grupo denominado “Libertarians”, todos derivados de uma onda ‘libertária’ nutrida no Grupo de Genebra, em meados do século passado e que se voltam contra o “stablishment” na expectativa de criar um mundo sem peias nem Leis, praticamente sem Estado. Caso mais concreto é do atual Presidente da Argentina, Milei, que se autodenomina anarco-capitalista. Um anarquismo de extrema direita, populista e demagógico que, na prática, se converte em instrumento de defesa do status quo conservador. Lá na Antiga Grécia, onde se cevou o conceito de democracia, já eles se davam conta dos perigos representados pelos demagogos e por isso criaram o instituto do “ostracismo” como seu antídoto. E até admitiam ditadores a prazo fixo como antídoto…
Uma vista d´olhos nos artigos que pululam na imprensa nacional dos últimos dias, dá uma ideia da preocupação com as eleições de São Paulo. Vale ler e ter sempre a lembrança da máxima de um Filósofo, aliás, verdadeiramente liberal, Karl Popper: “Sejamos intolerantes com os intolerantes”. Isso se quisermos, não só salvar o que temos de democracia, mas aprofundá-la como práxis do amor ao próximo, à verdade e à coisa pública.