OPINIÃO – A tirania da meritocracia

A verdade é que o mundo ocidental está em crise e seu grande predicado, o sistema de livre organização e representação parlamentar como suporte do Estado de Direito Democrático, já não satisfaz.

26 de agosto de 2023

A presença do Prof. Michael Sandel – Harvard USA – no Brasil, onde fez várias entrevistas, inclusive um RODA VIVA na Band News, traz à tona uma reflexão sobre os fundamentos e rumos do mundo ocidental contemporâneo. Autor de vários livros dentre eles “Justiça”, “Tirania do Mérito”, e “Democracy´s Discontent” ele  prega o retorno à pedagogia das virtudes cívicas a partir de pequenas comunidades  (em substituição à valorização da concorrência acionada pelo princípio da meritocracia como caminho) para a salvação das nossas fugidias democracias. Seria um pouco como voltar às bases, numa pregação muito similar à adotada pelas Comunidades Eclesiais de Base nos anos 1960/80, decisivas na formação do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT numa tentativa de valorizar o produto do trabalho instigando  os trabalhadores  à participação na vida pública.

A verdade é que o mundo ocidental está em crise e seu grande predicado, o sistema de livre organização e representação parlamentar como suporte do Estado de Direito Democrático, já não satisfaz. Há uma rebelião visível contra os sistemas políticos estabelecidos com base em Partidos que operam estes mecanismos. Os Partidos, no advento do regime republicano, abertos a todo e qualquer cidadão de uma comunidade constitucional ao provimento de funções representativas em substituição ao direito divino dos reis, foram concebidos como Escolas de formação e qualificação dos candidatos. Não funcionaram. Na grande maioria dos países os Partidos foram empolgados por minorias oligárquicas que os administram de acordo com seus interesses particulares distanciando-os, com o tempo, das clivagens sociais que os originaram. Ao mesmo tempo, a expansão dos sistemas universitários ultrapassou de longe a capacidade dos Partidos para a formação  de administradores de um mundo cada vez mais complexo.”. Um velho líder brasileiro os qualificava como “Partidos Axilares”, visto serem controlados por grupos que detêm os respectivos Livros de Atas debaixo das axilas Neste ínterim, do final do século XIX, quando os Partidos Modernos foram fundados, até os dias de hoje, a Sociedade Civil adensou-se e se organizou, ganhando  níveis cada vez maiores de reconhecimento social. Mas ficaram reféns dos Partidos. Um Presidente da FIERGS, um alto dirigente do CPERS ou do MST, o maior movimento social organizado da América Latina, um líder ambiental, indígena, ou do Movimento Negro, se quiser se candidatar, terá que se submeter à filiação num Partido Político. De resto, populações dispersas em metrópoles crescentemente ‘favelizadas’, sem acesso à informação e à cultura, além de reféns das Redes Sociais, virando-se nos mais distintos afazeres para ganhar a vida, ao contrário dos velhos bairros operários, ressentem-se com o monopólio dos “políticos” sobre a coisa púbica. Basta ver, por exemplo, qualquer Câmara de Vereadores no país. Poucos compreendem seu papel na dinâmica do poder e acompanham suas atividades, não raro sob a asa e controle dos Prefeitos. Enfim, começam a desconfiar dos predicados da Ciência, cada vez mais distante de sua vivência cotidiana. Retornam ao cataplasma e acabam acreditando que a Terra é plana… Isso tudo releva a dicção de Sandel e outros Filósofos Políticos que clamam pelo retorno às virtudes públicas como exigência da cidadania.

Se isso já era crítico até os anos 1980, a partir daí outro fator somou-se a  decadência  da esfera pública. Um autor, Richard Sennet, tratou disso no seu famoso livro “O Declínio do Homem Público” e outros destacam a degradação dos próprios Governos Nacionais frente à dita Governança Global dos grandes blocos financeiros, cujo marco é o denominado “Consenso de Washington”, 1989, preocupado exclusivamente com garantias a saudável acumulação financeira. Como entender que os bilionários multipliquem seus ganhos além-fronteiras, sem qualquer limitação nem muitas vezes pagamento de impostos quando ser erguem muros e barreiras cada vez mais altas para que povos pobres procurem novas oportunidades em países mais ricos?  Com isso, os últimos vestígios de definição ideológica dos Partidos Nacionais acabaram se diluindo sob os argumentos da “eficiência” econômica comandada por resultados corporativos globais e não de qualidade de vida das classes assalariadas..

Maus sinais para as democracias que, incapazes de produzirem uma sociedade cada vez mais progressista e homogênea,  acabam sucumbindo aos apelos de salvadores de pátria extremistas de direita, vez que, à esquerda, até mesmo os radicais comunistas acabaram acomodando-se à práxis das mornas políticas de estabilização, ainda que defendendo, aqui e acolá,  Políticas compensatórias aos menos favorecidos.

Na verdade, vivemos um mundo estranho no qual as bandeiras e métodos de contestação, típicos dos utópicos, acabaram caindo no colo de líderes populistas de extrema direita que, com isso, procuram capitalizar a preferência eleitoral das populações marginalizadas, tal como faz o milionário Donald Trump que não se cansa de dizer : – ‘Amo os sem educação’. Pura canalhice…Hora de se prestar atenção aos conselhos do Professor Sandel. Por que não temos tantas sedes de Partido nas periferias como existem lá Igrejas? Por que os políticos não providenciam levar ao povo  a pregação de suas agremiações de forma a que, à cabeceira de cada leito familiar haja, ao lado do Livro Sagrado, uma Constituição? Depois não adiantará  reclamar que há  excesso de “analfabetos políticos”…




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