Uma semana especial para o espírito comunitário, celebramos os espaços de memórias, os museus, a semana municipal da Cultura e os 145 anos de emancipação política e administrativa do município de Torres/RS. Refletir sobre as mudanças e permanências da História, prestigiar paisagens e lugares públicos , reconhecer a vivacidade do tempo em cada canto, nas ruas, nas esquinas, nos monumentos e nos elementos do patrimônio histórico. A Cultura de uma sociedade é dinâmica, carrega em seu âmago as pluralidades, as contradições e um teor político que é produzido de acordo com cada contexto. As datas comemorativas, para além de referências no calendário, são acima de tudo, momentos de reflexão. Neste sentido, me peguei pensando sobre quando iniciou minha paixão pela História e na minha formação como Historiador, lembrei do meu fascínio pelos filmes de Indiana Jones, minha experiência na área da Arqueologia, quando me enxerguei como um educador e na formação humana que me permitiu o movimento estudantil. Nos idos de 2003 e 2004, dou meus primeiros passos na Casa da Terra, um antigo casario localizado na Rua de Baixo, atual Júlio de Castilhos. Era a Casa de Cultura, tinha uma exposição permanente de objetos e artefatos históricos e uma grande circulação de artistas, pesquisadores e visitantes em geral. Quanto aprendizado! Recordo de um grande armário que estava cheio de “papel velho” e minha missão era higienizar, catalogar e organizar aquele acervo. Descobri que era nosso arquivo municipal com documentos oficiais, leis orgânicas, atas, dentre tantas outras preciosidades que datavam do século XIX e século XX. Ali, naquele momento, como se me olhasse no espelho, enxerguei muito mais que uma paixão, mas o surgimento de um Historiador. Um profissional que exigia uma formação adequada e permanente, ética e que carregava consigo uma função social fundamental. Num ambiente pequeno, localizado no Centro Histórico, entre livros, acervos e documentos, um misto de biblioteca, arquivo e museu, minha vida tomou um outro sentido.
Para celebrar esta conexão entre a história privada e a história local e regional é que recorro aos meus ambientes de formação, e pergunto aos meus concidadãos: Onde está nossa Biblioteca Pública e nosso Arquivo Histórico? Por que o Museu Arqueológico, Antropológico e Histórico está fechado há um ano? Quais são as justificativas para tamanho abandono dos espaços públicos? E o que ainda torna um escárnio é que o discurso oficial é que Torres é “um exemplo de desenvolvimento sustentável, de preservação do meio ambiente e de valorização do patrimônio histórico.” (fragmento extraído do texto comemorativo nas redes sociais da Prefeitura municipal) O equívoco dessa afirmação, além de ferir os direitos culturais constitucionais, as prerrogativas das leis estaduais e municipais, está contrariando as premissas básicas do Consórcio Geoparque Caminho dos Cânions do Sul, que procura aliar os atrativos naturais, históricos e culturais do território. Na minha opinião, a escassez de uma gestão cultural eficiente impossibilita que as expressões e manifestações artísticas, intelectuais e de fomento às atividades educacionais tornem-se protagonistas no desenvolvimento em um território de grande representatividade histórica, científica e ambiental. Enquanto professor e atuando na área da educação patrimonial há mais de uma década, os museus, centros históricos, arquivos públicos e bibliotecas são fundamentais para as atividades didático-pedagógicas. A função social destes espaços estão intimamente imbricados no desenvolvimento cognitivo, no exercício da cidadania, pesquisas científicas e, principalmente, no fomento às memórias afetivas e sociais. Uma grande parcela dos meus alunos desconhecem o que é um museu e que nossa cidade possui um. Muitas pesquisas de cunho bibliográficas são realizadas nas bibliotecas escolares e o incentivo ao hábito da leitura, conduzo-os a fazerem sua carteirinha na biblioteca pública. O arquivo histórico como fonte primária da produção historiográfica local é imprescindível. Um rico acervo iconográfico e documentos que trazem, por meio do saber histórico, elementos para se conhecer sobre as identidades locais, suas relações de poder, entre outras contribuições.
Espaços públicos de fruição intelectual, de mobilidade, de encontros e reencontros que sumiram do mapa, como se viesse a tona um grande projeto de desmonte da Cultura, pois muito bem sabemos, um povo sem memória, sem história, constitui-se como um sujeito passivo e omisso em relação aos bens comuns. Assim como minha experiência transita pelo museu, pela biblioteca e pelo arquivo, quantas pessoas, jovens, adultos, crianças e idosos estão suprimidos do seu direito ao acesso democrático e universal nestes ambientes de formação e emancipação humana?
Torres e seu povo, parabéns pelos 145 anos, resistindo no ensejo de anti-memória e a violência simbólica a qual estamos sendo submetidos! Viva a Resistência Cultural!