Nem bem absorvemos as 14 mortes da Operação da PM na Baixada Santista no último fim de semana e já somos surpreendidos com outra chacina no Rio de Janeiro, com salto de dez mortos. A de São Paulo se justificou para prender suspeito de execução de um policial da Rota , mobilizando 600 policiais. Moradores da região, porém, relataram que torturaram e mataram um homem a sangue frio. . O suspeito de matar o agente da Rota foi, enfim, preso no domingo (30), alegando inocência, não sem antes deixar uma mensagem ao Governador Tarcísio: -“Parem a matança”. E enquanto autoridades políticas do Estado justificam o ato, a Ouvidoria da Secretaria de Segurança admite que há dúvidas sobre a ação. O Ministro Flavio Dino, preocupado, afirma que tudo indica ter sido ela desproporcional ao crime. No Rio de Janeiro, não foi diferente. Na Bahia, governada pelo PT , é a mesma coisa: Este Estado é o campeão da violência segundo o Observatório da Violência para o ano 2022 com 28% destas mortes violentes como resultado da ação policial.
Diante disso, meu amigo Dr. Frank Cunha, 91 anos de lucidez, sempre atento ao mundo e escrevendo com talento e erudição, me manda este grafite, colhido em Buenos Aires: “CUIDADO, POLCIALES SUELTOS!!!” . A advertência poderia ser tomada como toque de humor, mas não é. É um registro da visão da sociedade – ou parte dela – sobre a imagem da Polícia em nosso tempo, pleno século XXI, no continente inteiro. Século que se prometia consagrado aos Direitos Humanos.”
A ação policial sobre o crime, no Brasil, independentemente de ideologia ou Partido no Governo é a mesma: confronto armado. Qual o problema, porém, desta Política de Confronto Armado com o crime? É que ele não diminui a criminalidade, nem a violência. Ela se reproduz no calor do confronto e acaba se espalhando pela sociedade que acaba se armando por conta própria na tentativa de se defender. O resultado é mais violência. Onde vamos parar?
O crime existe e se organizou de forma inusitada com o narcotráfico depois da década de 80. O tráfico criou uma era jamais vista de poder econômico nas mãos das redes do crime. Com ramificações internacionais. A tal ponto que já há uma discussão, também internacional, sobre a conveniência da manutenção da repressão ao uso de entorpecentes, vez que os recursos públicos aí envolvidos são cada vez maiores e infrutíferos. Aliás, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nestes dias, se debruça sobre esta difícil matéria no Brasil Não se trata de liberar o tráfico mas de autorizar o porte limitado da canabis para uso pessoal. A questão, entretanto, é que se esta liberação evita a prisão de supostos usuários de droga, mas continuará penalizando o microtraficante, geralmente pobre, negro e morador nas periferias . É ele quem alimenta o usuário. Continuaremos, pois, com centenas (!) de milhares de jovens encarcerados que acabam sendo engajados nas organizações do crime, as quais lhes oferecem apoio financeiro e advogados. E continuarão os confrontos entre traficantes e policiais, com balas perdidas alcançando crianças inocentes.
Que fazer diante disso?
Reconhecer, primeiro, a complexidade do problema que exige esforço interdisciplinar no seu enfrentamento. Segundo, submeter a ação policial às determinações da Lei que não autoriza enfrentamentos letais com número considerável de vítimas. Isso exige parar a mudança da Política de Confronto substituindo-a pela Política de Investigação, capaz de prevenir danos colaterais. Isso é mais difícil? Talvez. Mas é o método democrático de enfrentar a violência do crime. Não com a violência do Estado, mas sua firmeza no cumprimento da Lei: Avaliar, Investigar, Prender e Processar. É compreensível que o crime atue sem critérios, mas não é aceitável que o Estado o faça, assimilando-se aos métodos criminosos. No Estado de Direito Democrático, regido, como nós, por uma Constituição, ninguém está autorizado a matar por vingança ou impulso. Defesa da honra, pessoal e institucional não tem cabida . Claro que esta Política exige também revisão da Legislação sobre certos crimes, praticados ao amparo de organizações. Reincidentes jamais poderiam se beneficiar das progressões. Mais isso é competência do Congresso Nacional..
A dicção de bandido bom é bandido morto, mínima em bom senso, se disseminada, acaba se alastrando como consigna num universo carregado de conflitos e vai para as paredes, como em Buenos Aires: “Cuidado, policiais soltos! . Perigo ´pra todo mundo, pois atrás de bandido bom é bandido morto, vem “índio bom é índio morto”, negro bom é negro morto, gay bom é gay morto, “vagabunda” boa é vagabunda morta, invasor do MST bom é invasor morto, sindicalista bom é sindicalista morto…e assim por diante, como naquele conhecido poema:
Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso /u não era negro. / Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário. /Depois prenderam os miseráveis / Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável. / Depois agarraram uns desempregados / Mas como tenho meu emprego / Também não me importei. / Agora estão me levando. / Mas já é tarde. / Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo.