OPINIÃO – AI DOS VENCIDOS! Réquiem para o Ocidente

"No Vietnã, Estados Unidos perdeu um membro do seu vasto corpo. Agora dá a impressão de ter perdido  a alma no Afeganistão - que aliás, não está numa periferia remota do mundo, mas no coração da Eurásia (onde pulsa emergente a energia garantidora do gigante chinês)" - texto por Paulo Timm

20 de agosto de 2021

É difícil definir o “Ocidente”, embora suas raízes mais próximas estejam no legado helênico transmitido pelo Império Romano sobre toda  a Europa – e daí para o mundo – somado à fé cristã , mas o seu grande marco foram as Grandes Navegações. Elas transformaram o Atlântico no centro do mundo. Com a tomada de Cabul, no Afeganistão, pelo Talibã, apoiados de perto pela China e mais ao longe pela Rússia e Irã, inicia-se o século que dará origem à uma nova era civilizacional com eixo mediterrâneo, tendo como epicentro a velha Rota da Seda. Trata-se de algo simbolicamente similar à Queda de Constantinopla, em 1493, cujo primeiro ato aconteceu em Saigon, em 1975.  Não acontecerá de uma hora para outra, como muitos catastrofistas vaticinam. Grandes impérios, como o americano, não desabam. Sofrem espasmos. Assim foi com o Egito e Roma. No Egito, ano 1274 AC , o faraó Ramsés retirava-se, empatado em forças, da Batalha de Kadesh, contra os hititas, para cantar vantagem em seus murais, Teria sido um sinal de fraqueza dos egípcios? Mas só no século IV AC o seu império cairia, sob o peso da espada de Ptolomeu, a serviço de Alexandre, cuja última descendente foi Cleópatra, no século I AC.  A ascensão de Cesar, que derruba a República Romana e inaugura o Grande Império, se dá no ano 64 A.C. , já num claro sintoma das fortes tensões internas daquele Reino, que perdurará, com altos e baixos, até o ano 473 DC. Tudo indica que os Estados Unidos sobreviverá muito tempo antes de perder sua dominância estratégica e terá que se acomodar à moldagem geopolítica multipolar ao longo deste século.

Ambas, Saigon e Cabul, foram  derrotas. Mas no Vietname Estados Unidos perdeu um membro do seu vasto corpo. Agora dá a impressão de ter perdido  a alma. O Afeganistão, aliás, não está numa periferia remota do mundo, mas no coração da Eurásia onde pulsa emergente a energia garantidora do gigante chinês. Um poeta poderia dizer: Metade de mim se foi…E não adianta espernear, muito menos cantar bravatas. O Talibã, saboreando a vitória, deve estar reeditando a máxima de Breno, Chefe dos Celtas que precocemente ocupou Roma, exigindo alto preço em ouro para se retirar, quando proclamou :-“ Ai dos vencidos!”

Por que entram em declínio os Impérios? Muitos se perguntam, em meio à intrincadas pesquisas históricas, mas ainda não há uma resposta definitiva. Na física há um  nome: entropia. Em humanidades, tateiam-se explicações. Uma delas é da historiadora Barbara Tuchman que escreveu o clássico “A Marcha da Insensatez”, no qual descreve três crises: a agonia do Papado no século XVI, depois de longos anos de discussões sobre as “Investiduras” e que se consagraria ao final da Guerra dos 30 anos, em 1648, no Congresso da Westphalia; a perda da colônia americana pela Inglaterra no século XVIII; e o caso do Vietname…Tudo se explica, provavelmente, pela dificuldade, alimentada pela soberba dos Impérios, em contrariar a lógica de interesses dominantes internos.

Estados Unidos tem errado muito em sua Política Externa, dominado pelo anticomunismo visceral. Errou no Vietname, nutrido pela guerra fria (1947-91) , segundo o próprio Secretário de Estado, Robert Mac Namara em longo documentário, por não perceber o caráter daquela guerra como luta pela autodeterminação. No Afeganistão, a este ponto soma-se um forte componente cultural: a religião tradicional, de forte apelo popular, hoje em franco antagonismo com os valores ocidentais. E erra, sobretudo, quando confunde ideais sociais e ideologias com totalitarismo. Querer impor, a ferro e fogo,  um estilo de vida e de produção nos quatro cantos do mundo, acaba dando errado.

No rastro do fiasco americano ficam expostos à sanha dos vencedores não só as mulheres, submetidas à rigorosa Xaria, também os 20 mil colaboradores com o governo fantoche, aliado ocidental,   – e suas numerosas famílias -; além de milhares de profissionais das mais diversas nacionalidades que lá estavam a serviço de ONGs de defesa dos direitos humanos. Somam-se a eles, boa porcentagem da população local, afinada com o banimento dos pashtuns sunitas do comando do país em 2002, ano da invasão americana, dentre eles as lideranças tajiks e uzbeqz ao norte/noroeste. Somam todos de 500 mil a 1 milhão de pessoas sob a espada da vingança de milícias talibãs autônomas, desarticuladas de uma autoridade central, seja religiosa, seja política, seja militar.

E daí vem o Presidente Biden e culpa o povo e  um exército mercenário infiltrado  por não terem resistido à ofensiva Talibã. Nonada…




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