Folha em branco, à espera da minha coluna semanal e eu não sei por onde começar, por onde terminar. Vivo aquele momento de um homem atordoado, diante de uma avalanche de terra e entulhos que se aproxima, e ele, celular na mão, tentando dizer em minutos o que exigiria horas de papo. Tanta coisa. Bem dizem que há dias que parecem anos e anos que se sintetizam num só dia. Ou momentos. Fatos que se encavalam, mais sujeitos, à interpretação sociológica do que explicações fundadas em documentos, para desespero de quantos os consideram os monumentos da História e do Jornalismo.
Começo por aqui: a pandemia. Mas a pandemia não é apenas uma crise epidemiológica, que colheu o mundo ocidental despreparado para emergências sanitárias. Tanta riqueza nas Bolsas, nos iates de luxo, nas celebridades desportivas e artística e tão poucos respiradores em tão poucos leitos hospitalares. O corona vírus nem é tão letal. Mas seu contágio é veloz e coloca o sistema hospitalar em cheque. Não há leitos suficientes, não há material , não há pessoal de saúde suficiente, não há segurança para os profissionais que tratam da doença. Na Itália, onde corpos se amontoam inertes, 70 médicos já morreram contaminados. Uma lição desta crise, segundo o Ministro da Saúde do Brasil, Mandetta: “Nunca mais poderemos depender de um só fornecedor de produtos hospitalares e medicamentos. Hoje importamos tudo. E quando vamos pegar o que já foi contratado, por exemplo, na China, eles cancelam o contrato e entregam a mercadoria a outro melhor comprador”, Esqueceu de dizer que não podemos prescindir jamais da estrutura de saúde das pessoas. Nem do sagrado princípio da soberania em seus desdobramentos: energético, alimentar, sanitário, cultural.
O COVID 19 é, contudo, uma crise de consciência, uma grave crise sócio-econômica, uma crise ideológica e uma crise, para nós, sobretudo, política. O secretário-geral da ONU declara que o novo coronavírus detonou a maior crise internacional desde a II Guerra Mundial. A estimativa de mortes por COVID-19 nos EUA aumentou e pode chegar a 240.000, mais vítimas que no Vietname e Oriente Médio juntas. Vários líderes que desdenharam da doença, começando pelo Presidente Trump, tiveram que voltar atrás. Só Bolsonaro insiste em que ela é uma gripezinha…
Começo por ele, que engendrou a crise política. O sistema de freios e contrapesos da República esgarçou-se diante da tensão entre o Presidente da República, chegado ao “Não tô nem aí” (título de uma destas colunas tempos atrás) , e os Poderes Legislativo e Judiciário, que preferiram, com os Governadores, seguir a linha da Organização Mundial da Saúde a favor do distanciamento social. A paralisação., Bolsonaro provocou. Saiu às ruas, de quarentena, em franca oposição ao que seu próprio Governo preconizava. Detratou os governadores, acusou a ‘Big Midia’ de semear o pânico , deu voz dissonante ao Tiozinho Churrasqueiro e Dona Mariazinha quanto aos caminhos para enfrentar a epidemia que se já se avizinha do seu pico fúnebre.
No Rio Grande do Sul temos apenas 1.630 UTIs. Em Porto Alegre, 610 UTIs adulto. Quase todos ocupados. Onde colocar os que precisarem de respiradores? Tensão a semana inteira, entre os últimos dias de março e primeiros de abril. Panelaços por todas as capitais. Chegam à Câmara os pedidos de impeachment, o Supremo recebe queixa – crime e encaminha à Procuradora Geral da República, simpatizantes do Presidente, comandados por empresários, saem às ruas em carreatas, dissemina-se o desgoverno. O epílogo moderador vem, sibilino, das eternas Forças Armadas, num movimento que só as décadas comprovarão, mas que levam Bolsonaro e os filhos ao desespero temperado com lágrimas: O general Braga Neto é o Presidente Operacional do Brasil. Carlucho 03 lamenta: “Voltamos ao socialismo”…Tempo ao tempo. Jeitinho brasileiro. Mas nada mais será como antes. O Presidente, que não queria ser a Rainha da Inglaterra, transformou-se no Príncipe Philip, seu consorte. Reina mas não governa.
O Governo de fato situa-se, então, próativo frente à crise socioeconômica. Arranha aqui, costura acolá, mas, acossado por Rodrigo Maia (Presidente da Câmara), pelas panelas, pela Mídia e por uma inimaginável reviravolta dos pensadores da Economia, até aqui aferrados ao denominado neoliberalismo mas que agora proclamam a urgência da vida sobre as contas públicas, abre-se o maior programa de apoio do Estado jamais visto. O elenco de medidas não caberia nesta coluna – mas vai segurar um pouco o tranco.
Acabou-se, com isso, a Era do Estado Mínimo e das ditas Reformas Estruturantes com vistas ao equilíbrio das contas do Governo. A recessão mundial e nacional será inevitável, com provável repique inflacionário, com o agravante da crise sanitária. Ninguém sabe como se dará a reconstrução da Política, do Estado e da Economia no futuro. Agora é a guerra. Guerra: rebaixar a curva de ocorrência do COVID 19 e reduzir o sofrimento que, não obstante, será grande. Mas a lição que ficará é a seguinte: O Estado e o Mercado são as duas instituições fundamentais do mundo moderno que não admitem divórcio, amigável ou litigioso, entre elas, sempre, enfim, guiadas pelos dois princípios que os regulam: Razão e Liberdade. A razão pressupõe a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que lhe imponha limites. E a liberdade pressupõe a razão, pois ser livre é poder agir de acordo com o conhecimento da verdade.