As ditas Emendas Parlamentares, que conferem a parlamentares o direito de fazerem alocação de recursos orçamentários para obras de seu interesse tem se convertido num fator de tensão e crise entre os Poderes da República. Trata-se de uma invenção tipicamente brasileira, nos moldes do denunciado Patrimonialismo dominantes na nossa vida pública, inserida na Constituição, no vértice da redemocratização do país. Elas, na verdade, embora “constitucionais”, porque assim inscritas, se constituem em ação incompatível com as competências exclusivas do Poder Legislativo – representação, legislação e fiscalização – sem correspondência em nenhum lugar do mundo. Mas foram ganhando corpo e se convertendo em fator de crise de governabilidade, ao subtrair do Executivo controle sobre seu Plano de Governo, com manobras de transferência de recursos cada vez mais obscuras, senão ilegais, além de comprometerem o processo de renovação política, indispensável ao funcionamento da ‘democracia entre nós’.
“Em 2015, sob o clima de embate entre o governo de Dilma Rousseff e a Câmara comandada por Eduardo Cunha, nascia o Orçamento Impositivo – mecanismo que obriga o governo federal a pagar as emendas de cada um dos 513 deputados e 81 senadores. Na sequência, durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, o Legislativo, sob o comando do Centrão, ganhou cada vez mais poder – e mais dinheiro de emendas, neste ano na casa dos R$ 44,6 bilhões. Semana passada, STF entrou nesta questão impedindo a continuidade da FARRA DAS EMENDAS. Gerou uma crise institucional, ontem atenuada numa reunião entre o Presidente da Corte, representante do Governo Federal e líderes da Câmara e Senado.” As Emendas Parlamentares já haviam sido questionadas no Supremo pela Ministra Rosa Weber, exigindo maior transparência na sua aplicação. Agora, foram proibidas por outro Ministro, em decisão monocrática aprovada pela maioria do Pleno da Suprema Corte, gerando imediato repúdio do Congresso Nacional. À crise, sobreveio, entretanto, no início desta semana um entendimento no sentido da sua liberação desde cumpridos requisitos de transparência pública e rastreabilidade por órgãos federais. Deverão ser plenamente identificadas e submetidas à fiscalização do Tribunal de Contas da União. Na verdade, nem o Supremo as pode questionar como instituto válido eis que inscritas na Constituição. Longe estão, entretanto, do que seria uma saudável prática republicana.
Pouco se tem discutido, aliás, sobre as implicações das Emendas Parlamentares, que descem do Congresso Nacional para as instâncias inferiores de Estados e Municípios como entrave à indispensável renovação das Casas Legislativas, eis que acabam se constituindo em estratégico poder aos detentores de mandato, dificultando a oxigenação no interior das respectivas agremiações partidárias. O resultado, apontado pelo INESC, é o estreitamento das oportunidades de escolha nos pleitos eleitorais, com a consequente eternização dos mesmos políticos ao longo de décadas, não raro se estendendo sobre a familiarização destes mandatos. No Senado, chega-se ao cúmulo de ter como suplente de Senador, esposa ou filhos de titulares. Nas próximas eleições de outubro, a maioria das cidades brasileiras terá um ou apenas dois candidatos, apesar dos mais de 34 Partidos registrados à concorrência no pleito no Tribunal Superior Eleitoral.
O cenário cria o que Marcos Nobre, Filósofo e Cientista Político da UNICAMP/SP e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), chama de “presidencialismo flex”, ou de conveniência: um governo sem maioria às voltas com parlamentares que votam de acordo com os próprios interesses. Relatório do INSPER, instituição de ensino e pesquisa de São Paulo, de outra parte, comprova não haver este tipo de EMENDAS PARLAMENTARES sequer em países com regime parlamentarista.
Hora, portanto, não só de questionar a legalidade financeira das EMENDAS PARLAMENTARES, mas suas implicações para o aprofundamento da democracia brasileira.