OPINIÃO – MAS AFINAL, O QUE É O MAL?

"Ainda há pouca certeza sobre o que leva alguém a ser mau e praticar maldades. O grande paradoxo da sociologia da maldade humana está, aliás, na ideologia, seja da fé, através das Igrejas, seja da política, através do Estado. Os piores  serial killers, por exemplo, chegam a assassinar numa vida até 100 pessoas -, número irrisório quando comparado às vítimas da Inquisição Católica,  da Guerra dos 30 anos (1618/48),do holocausto africano e judeu na modernidade" (por Paulo Timm)

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12 de fevereiro de 2021

Muita gente confunde o “mal” com o “mau”. Soam do mesmo jeito: um “u” meio curto. Mas o mal é um substantivo, enquanto o mau é adjetivo. Digo: Um homem mau, um Rei mau; uma mulher má, uma Raínha má. Corresponde a uma “qualidade” indivíduo humano, dificilmente atribuível à outra espécie. Já o mal anda por aí, sempre à solta, podendo ser produzido como um incidente aleatório da natureza ou um produto da maldade de alguém, alguém mau ou maula. No primeiro caso diz-se que é uma fatalidade – aconteceu! – , no segundo, um ato voluntário de quem o produziu. Os advogados até dividem este ato entre culposo e doloso, quando houve a intenção de levá-lo a efeito. Um Rei, por exemplo, pode ser mau, tanto voluntária, como involuntariamente, quando suas decisões resultam em ruindades. Ouve-se dizer, também, frequentemente, quando a eterna viagem colhe um facínora que  “foi-se a maldade mas o mal sempre permanece à espreita”. Mas qual a origem do mal, do mau e da maldade? Filósofos, juristas, psicólogos, escritores e agora neurocientistas debruçam-se sobre esta indagação: Natureza humana, meio ambiente, DNA, necessidade ou mera possibilidade do ser? Final do século XIX, o italiano Lombroso chegou até a fazer uma caracterização física do criminoso – tudo preconceito – , enquanto outro compatriota dele, Beccaria,  mais profundo, procurava evidenciar  o crime como resultado do processo civilizatório: Quanto mais leis e regulamentos, mais delitos. A repressão gera seus descontentes…Tenho em minha biblioteca, a propósito, um livro curioso que trata dos nove tipos de personalidade humana. Outros recorrem aos astros para se reconhecerem melhor. Tudo hipóteses ou crendices.

Ainda há pouca certeza sobre o que leva alguém a ser mau e praticar maldades. O grande paradoxo da sociologia da maldade humana está, aliás, na ideologia, seja da fé, através das Igrejas, seja da política, através do Estado. Os piores  serial killers, por exemplo, chegam a assassinar numa vida até 100 pessoas -, número irrisório quando comparado às vítimas da Inquisição Católica,  da Guerra dos 30 anos (1618/48),do holocausto africano e judeu na modernidade e do genocídio de populações indígenas na América do Sul que se estende até nossos dias.  Mas nesses casos, encharcados de História, tudo fica envolto nas armadilhas  narrativas que acabam naturalizando a barbárie em nome de um suposto “bem” maior, intangível. Um velho historiador russo costumava, aliás, dizer que os historiadores falsificavam o passado enquanto os ideólogos se especializam em falsificar o futuro, oferecendo-o como promessa, em troca de um presente sacrificial. Difícil sair da clausura dos ídolos da geografia e do tempo para pensar com liberdade. Não obstante, imperioso. Mas exige uma escavação da realidade de forma a quebrar suas cadeias de fatos e chegar à raiz das coisas e processos. Esse tem sido, aliás, desde Sócrates, o caminho da ciência, trilhado sobre os princípios da razão e da liberdade. Ela nos retira do mundo obscuro do senso comum e nos mergulha no âmago das coisas e seus processos, com vistas a revelar a verdade ali contida. Uma verdade sempre provisória, experimental, mas suficiente para nos levar à lua. Ou Marte. Aos astros…

Por que digo tudo isso?

Porque estamos vivendo um momento paradoxal no mundo e no Brasil: A pandemia. Ela já matou quase 240 mil brasileiros no último ano e retirou, a cada santo dia,  do seio de suas famílias, mais de mil pessoas nos últimos 20 dias. Uma maldade, não fatalidade. Só uma rápida imunização de rebanho realizada pela vacinação em massa poderá estancar este processo e evitar que cheguemos, dentro de seis meses, a 400 mil óbitos. Para muitos, que negam a letalidade do COVID 19, trata-se de um mal do  qual não podemos fugir. No passado, quando a peste negra matou metade da população europeia, acreditava-se que ela era um castigo de Deus pelos pecados da humanidade. Os negacionistas pensam do mesmo jeito: medieval. – Guerra é guerra, dizem. Vai morrer gente. Esquecem de dizer que a medicina evoluiu no século XX propiciando, justamente, graças aos antibióticos e medidas de higienização da vida , uma evolução da população jamais vista na história e erradicou, sim, tormentos horríveis como varíola e paralisia infantil.

A infestação do COVID 19 no Brasil não está nem controlada, nem no “finzinho”, como proclamou, há semanas o Presidente Bolsonaro. Estamos na iminência de viver um terceiro surto da enfermidade no Amazonas com risco de se propagar a todo o país, com o perigo de , nestas duplicações, produzir um variante resistente às vacinas disponíveis e aplicadas num ritmo tão lento que levaremos 4 anos para chegar à imunização total. Ora, isso não é fatalidade. Fatalidade, em certa medida, foi o vírus. Sua disseminação obedeceu , no mundo inteiro, à maior ou menor capacidade dos governos em manejá-lo responsavelmente. O Brasil está sendo apontado como o pior governo na administração da pandemia, começando pela sistemática negação do Presidente da República quanto sua gravidade, senão acompanhada de chistosos comentários sobre a falta de coragem dos brasileiros. Triste. Mais recentemente, um grande periódico divulgou resultados de uma pesquisa demonstrando que o Governo produziu os resultados que estamos a assistir. Será?Tudo isso aponta para responsabilidades. Mais dia, menos dia, sairemos dos sombras do tempo e os males e maldades serão revelados na sua crueza exigindo dos maus administradores do Brasil uma explicação. Aí todos verão o Rei Nu…




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