Dá orgulho para quem é brasileiro, gaúcho e torrense ver se espalhar pelo estado, pelo país e para o mundo as várias e bonitas atitudes de solidariedade dos civis do RS – por conta do atendimento aos afetados pela enchente. Mexe com todos, gaúchos e habitantes de todo o mundo, ver pessoas optarem por arregaçar as mangas e ir ajudar o irmão que está passando por uma ameaça de vida, uma ameaça de destruição, enfim uma situação de alto risco. Serve para que todos, sem exceção, esta espécie de chama que nasce nas consciências das pessoas, repetindo várias outras chamas que já nasceram em vários lugares do mundo perante guerras, terremotos, maremotos e enchentes de outras características. Mas o mundo não pode parar. As autoridades e a imprensa têm de fazer a sua parte, não somente cobrindo a tragédia e servindo ao povo dando informações úteis para quem precisa agir e para quem está ajudando em meio as consequências da enchente no estado gaúcho. Mas têm que também mostrar o lado real e pragmático da situação, destacando o fato da engrenagem da organização das comunidades da civilização não poder parar, sob pena de piorar ainda mais a situação dos assolados pelas enchentes como a nossa.
O BRASIL NÃO PODE PARAR
Penso que é errado a reclamação de adversários do governo Lula, que criticaram o presidente e sua primeira dama por estarem viajando para o exterior quando o estado BRASILEIRO do RS está em situação de calamidade. É que, mesmo quando em calamidades, a vida dos outros continua (ainda mais num país de dimensão continental, como o Brasil). A reunião que irá definir se irá haver aumento de impostos para importação de produtos do Brasil na Europa vai existir de qualquer forma, porque os produtores de alimentos de lá estão com seus negócios inviabilizados, por exemplo. Isto de certa forma é uma espécie de calamidade também… E muita gente de lá nem sabe que o RS está com enchentes, assim como não sabe se na Oceania não tem outro lugar afetado por calamidades causadas por manifestações naturais, como a nossa enchente.
Criticar Lula e a 1ª dama Janja pode ser feito por outras motivações, como por priorizar a presença em negócios internacionais ao invés de estar presente em negociações nacionais mais importantes como a reforma tributária, a mudança no código penal, etc.; ou criticar o casal por aparentar estar fazendo Lua de Mel com o dinheiro público, também ok… Mas alegar que ter um estado como o RS em situação de calamidade é motivo para um presidente de nação não fazer nada além de se ocupar da situação calamitosa daquele povo que sofre, na minha opinião é pensar muito pequeno… é deixar de pensar na floresta toda em troca do combate a um formigueiro, que come as plantas de em um jardim da nação… ou não?
O RS TAMBÉM NÃO PODE PARAR
O Estado do Rio Grande do Sul também não pode parar, sob pena de desligar a engrenagem que dá sobrevida a todos os habitantes locais e que obedecem e respeitam as leis e suas fronteiras jurídicas. Portanto, não é responsável o povo (principalmente os formadores de opinião de meios de comunicação confiáveis do estado gaúcho), colocarem no ar sentimento de culpa para àqueles que se mantêm fazendo o que fazem no dia a dia e, consequentemente, não se apresentaram como voluntários para ajudar no atendimento dos desabrigados ou ajudar na captação e distribuição de donativos nos lindos (e necessários) movimentos que estão acontecendo por aqui, por iniciativa profissional tanto dos poderes públicos da segurança e da saúde quanto da própria iniciativa privada, feitas no caso por heróis que doam seu tempo para ajudar o irmão que sofre. Manter o dia a dia, tanto de trabalho quanto de consumo, faz parte do atendimento à engrenagem que gera produção, emprego, renda e sobrevivência aos que vivem na aldeia gaúcha. Se a população parar de consumir, parar de consumir para poder trabalhar e parar de trabalhar em seus pontos quando este simples trabalho exige consumo para acontecer, vai acabar colocando mais gente em estado de calamidade econômica, o que pode gerar um colapso ainda maior do sistema.
Não podemos alegar que o governador Eduardo Leite fica no escritório com ar condicionado e com roupas de grife quando colegas nossos estão passando frio ao se colocar à disposição para salvar pessoas e até animais afetados pela enchente, ou para participar mutirão para captação e distribuição de colchões e cobertas para que desabrigados possam dormir em abrigos sem ter de ser no chão, por exemplo. O governador tem que continuar trabalhando em sua função de dirigir as forças de trabalho nas políticas públicas, tanto as extraordinárias, como a defesa civil, quando as ordinárias como o sistema de atendimento aos doentes, aos desabrigados por outros motivos, aos empresários que estão sofrendo por falta de competitividade decorrente dos altos impostos e etc. A vida continua, a engrenagem tem que andar…
Criticar o governo Leite por manter projetos de aumento de impostos no RS, para ajudar na arrecadação que está abaixo da demanda dos cofres, se trata de crítica construtiva e deve continuar, na minha opinião. Mas criticar o governador porque está no escritório ao invés de estar de colete e salvando gente é pensar pequeno, também. É achar que o mundo para e gira em torno dos que sofrem atrocidades geográficas, o que não é inteligente, porque existem sempre locais que estão passando por problemas críticos até maiores do que o nosso e ninguém destaca, justamente pela dedução que isto é a existência: acontece com todos, independente de geografia.
TORRES TAMBÉM NÃO PODE PARAR
As várias iniciativas de mutirões aqui no Litoral Norte, como em Torres e Arroio do Sal, por exemplo, que foram criadas para ajudar os irmãos gaúchos são altamente elogiáveis e devem ficar crivadas nas biografias de todos os que participaram de forma extraordinária, ou seja, que saíram de suas rotinas para ajudar pessoas, mesmo que estas pessoas gaúchas de sua tribo que sofrem estejam no centro do Estado, principalmente. Mas a cidade não pode parar. O próprio Festival do Balonismo, se fosse possível, poderia no futuro ser retomado, mesmo que agora os irmãos gaúchos estejam passando por apertos das enchentes. Somente o diagnóstico de insegurança de movimentação – tanto dos participantes quanto visitantes – fez com que o principal evento torrense fosse cancelado, como foi o caso, responsavelmente feito.
Não podemos fazer com que pessoas que não estão participando de mutirões de ajuda aos desabrigados fiquem envergonhadas de não estarem incluídas no bonito processo de ajuda. Não é justo criticar alguém que mantém uma festa de aniversário aqui em Torres, por exemplo, só porque nossos irmãos estão sofrendo no centro do RS. Se uma empresa de festas que possui um evento contratado para fazer aqui em Torres recebe um aviso de cancelamento do programa, esta terá uma reação em cadeia de problemas econômicos de pessoas que nada têm a ver com as enchentes, muito menos têm culpa porque choveu demais em parte do estado gaúcho. Nem por isso, essa pessoa não é empática com a dor do outro. O produtor de doces terá seu pedido cancelado e consequentemente seu dinheiro cancelado de sua conta. Ele não terá dinheiro para pagar os ingredientes da preparação dos milheiros de doces; o dono do mercado não terá mais a receita da venda destes ingredientes (muitas vezes em eventos grandes já fazendo parte do faturamento do estabelecimento no caso de festas grandes); o vendedor do mercado não receberá a comissão desta venda cancelada e consequentemente não terá tanto dinheiro para comprar seu rancho no mercado para sustentar sua família. E assim por diante…
Comemorar o aniversário de Torres, por exemplo, não precisa sair do calendário de eventos coletivos do município. Talvez pudesse, ainda, até aproveitar o aniversário e comemorar o fato de a cidade ter em seu seio social pessoas que pararam o que fazem (porque puderam) e foram ajudar irmãos do estado, de nossa tribo, que estão passando dificuldades pontuais…. um festejo a mais, por tempos de mais esperança.