Volto às manifestações programadas para o 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil. O Presidente Bolsonaro conclama seus seguidores a tomarem Brasília e algumas capitais, numa demonstração de apoio a seu Governo – e eventual reeleição no ano que vem. Nada mais natural. Mas alguns segmentos da Oposição, dentre eles a MARCHA DOS EXCLUÍDOS, também prometem ocupar as ruas. Teme-se o confronto. Mas teme-se, sobretudo, – e daí nosso retorno ao tema – as justificativas que sustentam a convocação governista e que ecoam através de pronunciamentos parlamentares, notas e do próprio Presidente: “O povo deve dar uma demonstração de que é fonte do Poder e que está acima das instituições”.. Um equívoco autoritário, sob o aparente clamor libertário da ocupação das praças.
É verdade que a democracia nasceu na Ágora (praça) de Atenas, uma cidade minúscula comparada às multitudinárias metrópoles brasileiras, num processo de consulta direta aos cidadãos sobre os destinos da cidade. Isso era tão importante que Platão nos dá conta de um certo Alcebíades, belo e rico, a quem Sócrates recomenda que se aperfeiçoe nos “cuidados de si” para melhor servir à Polis, numa veneração quase religiosa ao procedimento cívico. Da palavra polis, aliás, deriva a Política como a Arte de Governar. A República romana seguiu-lhe os passos, até que a crise, ainda interna, a soterrasse sob o exército de César e posterior séquito de Imperadores que lhe seguiram.Quando os Estados Modernos nasceram na Europa, mil anos depois da queda de Roma (476 DC), os soberanos emergentes herdaram daquele Império a mesma pompa pontifical, no que ficou conhecido como Monarquias Absolutistas, fundadas, agora, não só no sangue real, mas na Teoria do Direito Divino dos Reis. A Filosofia Política, mais avançada, assim o impunha, ao tempo em que substituiria os “cuidados de si” para a Polis, pelos “cuidados de si para si mesmo”, no estilo burguês típico do flâneur e do dândi da era vitoriana. O Absolutismo, porém, teve curta duração, ainda que coroado de glórias oceânicas e profundas mudanças que marcaram a passagem do medievo espiritual para a turbulenta modernidade. Mas abriu caminho para uma nova Teoria do Estado, que substituía a sagrada unção sanguínea das Famílias Reais pela transcendentalidade do Pacto Constitucional como Lei Magna e fonte do poder: a soberania popular, cuja afirmação se dá por meio de um complexo sistema que impede a mera “eleição” de um novo Rei.. Poucos anos antes da Revolução Francesa, em 1789, já em 1776, 13 colônias inglesas já advertiam o que viria a ser o modelo republicano, montado sob a égide da partição dos Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual com caráter autônomo e independente, sendo os dois primeiros providos pelo voto secreto e direto da cidadania num sistema de representação indireta. O ancestral mandato dito imperativo, das praças, já não tinha como ser o substrato da democracia; impôs-se como seu critério o mandato representativo, através do qual os cidadãos, devidamente credenciados para votar, num processo que foi se aprofundando às mulheres, aos trabalhadores e até analfabetos durante o século passado, foram construindo um sistema político. A esta institucionalização do Poder há, certamente, reações, tanto à esquerda, como à direita. O recurso é sempre o apelo, geralmente populista, às vezes revolucionário, direto às massas, como critério de legitimidade, acusando as instituições como entraves históricos. Querem o “eterno retorno” mítico ao povo. Mussolini, fundador do fascismo, na Itália, e Adolf Hitler, no vértice do nazismo, na Alemanha, são os melhores exemplos da contestação pela extrema direita à institucionalização da vida pública como meio de aprofundamento da democracia.
Karl Schmitt, jurisconsulto de Hitler usava os mesmos argumentos que hoje defensores de Bolsonaro usam, para afirmar o III Reich. Clamava pela destruição de toda e qualquer instituição que impedisse, no fundo, a soberania absoluta da propriedade (entenda-se Capital), sobre os destinos da humanidade, pois assim se assegurava maior eficiência ao progresso. Tais ideias, soterradas pela vitória aliada em 1945, já haviam, entretanto, migrado para a Áustria e aí germinaram os fundamentos da ESCOLA LIBERAL que desembocaria no que denominamos, hoje, NEOLIBERALISMO. Seus objetivos, assumidos por Margareth Thatcher, cujo lema era “There Is No Alternative”, claramente totalitário, pois não admite alternativas concorrentes, secundado pelo Presidente Ronald Reagan com seu bordão de que o “O Estado é problema, não solução”, acabaram sintetizando-se na Era Pinochet, no Chile, consistem na liquidação toda e qualquer resistência ao livre funcionamento do Mercado. Seus herdeiros são os chamados ultradireitistas “Libertarians” americanos. Trata-se, enfim, de uma ideologia anti-democrática a serviço dos interesses dos mais fortes na sociedade, sob o apanágio retórico da defesa da Liberdade. Cuidado!