Crescem as preocupações quanto à possibilidade do mundo ocidental, com sérias consequências à economia mundial, mergulhe numa grave recessão nos próximos meses. E da recessão saltar para o incerto.
Não será uma recessão clássica, por insuficiência do consumo, mas o resultado de uma ação corretiva dos seus Bancos Centrais para conter a inflação, num processo de contaminação incontrolável de expectativas de preços altos. Rescaldo da pandemia sobre as cadeias produtivas e da guerra na Ucrânia, que elevou os preços dos combustíveis e alimentos. No caso americano os analistas coincidem que sobre estes fatores somou-se o saco de bondades do Presidente Biden no início do seu mandato, em 2021. Todos sabem que o Tio Sam abusa do seu poder de emissão do dólar como moeda universal. Gasta o que quer, sem preocupação com déficits fiscais. Mas desta vez o bicho pegou. Estão com uma inflação como não viam há mais de 40 anos. Na verdade o nível de emprego dos Estados Unidos está bom, mas o poder de compra dos assalariados continua baixando. Foi-se o tempo da prosperidade da classe média formada sobre altos salários. E agora, pesquisas indicam que a maioria (58%) está pior do que há um ano. O baixo Índice de Disposição ao Consumo da Universidade de Michigan aponta, também, para uma congestão interna do mercado americano. Não compram. Vivem, eles, a primeira geração, depois de décadas, na qual as novas gerações estarão em condições sócio econômicas mais difíceis e incertas do que seus pais. Vladimir Putin, a propósito, em seu pronunciamento no recente Davos da Europa Oriental , em São Petersburgo, depois de apresentar dados positivos de reação da Rússia às sanções, indicou uma perda de US$ 400 bilhões da Europa Ocidental em decorrência do aumento dos preços do petróleo só neste ano. O tiro das sanções está saindo pela culatra. Ao defenderem , pois, agora, os americanos, uma recessão programada, através da elevação da taxa de juros, dizem que é melhor piorar o emprego, que afetará apenas uma parte da população, do que continuar com o processo inflacionário, que pode ser explosivo e que afeta a todos. Podemos nos preparar, então, para uma nova onda recessiva nas economias ocidentais que inevitavelmente nos alcançará. Como numa guerra, nunca se sabe onde isso irá parar. Quem garante que, como aquele “furinho” na represa, isso não acabará num tsunami financeiro com quebra das Bolsas e colapso bancário?
E de nada adianta satanizar a China como “inimiga sistêmica”, tal como ocorreu nos últimos grandes encontros de lideranças do dito Ocidente – G7 , na Alemanha e OTAN na Espanha -, ou culpar o Putin por “sua guerra”. Melhor teria sido se tudo fosse encaminhado diplomaticamente..A China é uma concorrente poderosa do Ocidente, não inimiga. Já domina o comércio mundial e se prepara para ser, dentro de uma década, a maior potência mundial, com sólidos laços com Rússia, além do Irã, Síria e alguns países da Ásia, África e mesmo América Latina. Com a retórica belicista e transferência do Poder do Mundo para os generais da OTAN, braço militar americano que já estende seu hálito, além da Europa para a Ásia, isso pode acabar mal, começando pelo o risco do Ocidente, em crise, diminuir ainda mais de tamanho. Era maior quando era universalmente cristão. Diminuiu quando se transformou em Metrópole Colonial e acabou se estreitando na Guerra Fria. Um dos cenários que enfrentará poderá ser a reedição do “Movimento de Não Alinhados”, dos anos 1960, na forma do BRICS, sob cujo manto poderão abrigar-se toda a América Latina e partes da Àsia e África. Irã e Argentina já pediram ingresso. São aqueles 143 países que votaram na ONU contra as sanções à Rússia (ou se abstiveram). Sentem-se órfãos para seu desenvolvimento e buscam alternativas concretas em financiamento e investimentos. Não acreditam mais em palavras ao vento. Nem Trump nem Biden ofereceram nada de concreto. A atual Vice, Senadora Kamala Harris, encarregada da questão migratória com o mexicanos e que era uma esperança de diálogo Norte-Sul, simplesmente desapareceu da cena . Tudo indica, pois, que, seguindo o que já dissera um dos grandes teóricos da contemporaneidade, S. Huntington, em seu livro A GUERRA DAS CIVILIZAÇÕES, nosso continente sul americano tem, não apenas uma geografia comum, mas uma Poesia própria que não coincide muito com a Razão Ocidental.
Contrariamente, enfim, ao que outro dia falou o Presidente Fernandes, da Argentina, dizendo que mexicanos vieram dos índios, brasileiros da floresta e só os argentinas do mar, na verdade, a imensa maioria dos povos latino-americanos proveio do canto triste do urutau, solitário na noite. Ou como dizemos aqui no Rio Grande:
“O canto do quero-quero, mais do que aviso é uma ponte”.