A decisão feita dia 24 de maio/23, do Relator da Medida Provisória que reorganizou o Governo Federal para o exercício do mandato Lula III, aprovada pela Câmara dos Deputados, fere uma tradição de deixar o Governo organizar a estrutura administrativa com vistas à melhor cumprimento de sua Agenda. Tudo indica que, na iminência de caducar dita MP , a articulação política do Planalto engoliu em seco as modificações que retiraram poder estratégico de Marina Silva e Sonia Guajajara. A confirmar. Mas preocupante, pois já não basta a tensão com Marina com relação aos poços da Petrobrás na Foz do Amazonas, agora lhe retiram mais atribuições. Veremos como ela reagirá. Sonia Guajajara já chiou dizendo que lhe arrancaram o coração do novo Ministério: a demarcação das terras indígenas. Nas entrelinhas de tudo isso, uma tensão não resolvida na própria esquerda, reverberada, mais uma vez por Aldo Rebelo: até que ponto as restrições ambientais podem frear o produtivismo? Além disso, a decisão do Congresso, repercutida em toda a imprensa, traz à tona a questão da concertação dos Poderes no interior da República. No Governo passado, o confronto do Executivo com o Judiciário foi uma constante. E, com relação ao Legislativo, sobretudo Câmara dos Deputados, cujo Presidente sentava-se em cima de uma centena de pedidos de Impeachment de Bolsonaro, a fórmula foi mais simples: Orçamento Secreto. Com este instrumento o Governo entregou a grana federal para os deputados federais que passaram a consubstanciar um novo regime no Brasil: O parlamentarismo de coalizão. Uma inversão do Presidencialismo de coalizão, feliz expressão de Fernando Abrucio, cientista político da FGV, para caracterizar o regime de gestão da União advindo da Constituição de 88. O Presidente passou a ser, rigorosamente, uma Rainha Vitória, com o que, aliás, ajustou-se Bolsonaro, pouco afeito ao duro trabalho da administração diuturna do Governo. Sempre preferiu o palanque e acabou transformando o cargo numa plataforma eleitoral. Agora, com a eleição de Lula, este parlamentarismo de coalizão, sob a égide de Artur Lira, o Imperador, resiste ao retorno do Presidencialismo. Não é que Lula não compreenda as transformações ocorridas no país nos últimos 20 anos. Ele compreende, mas não aceita. Quer de volta, na forma de Lei, o Presidencialismo. O Congresso reage. Ontem, modificando a MP da reestruturação do Governo, agora procrastinando, no Senado a aprovação do Arcabouço Fiscal. Lira, inclusive, não brinca e manda recados ao Governo, indica o Presidente da CPI do jan/8 e segue garroteando o Governo.
É preciso, portanto, refletir sobre este processo. Afinal, queremos Presidencialismo ou Parlamentarismo?
O parlamentarismo é um sistema de governo de caráter representativo, no qual a direção dos assuntos de interesse público é atribuída a um gabinete ministerial que é formado no parlamento, a quem o voto de confiança ou desconfiança é submetido. Atribui o Governo a um representante do Congresso de fácil remoção e a Chefia do Estado a um Presidente, eleito, seja indiretamente pelo Congresso, seja por voto direto. O Brasil já se pronunciou através de plebiscito duas vezes reafirmando a vontade dos eleitores de permanecerem no Presidencialismo. Mas, lentamente, o Congresso foi ganhando força e hoje, simplesmente, confronta-se com o Poder Executivo. E se confronta com inequívoca capacidade representativa eis que expressa com maior fidelidade e diversidade conservadora as características de distintos segmentos da população, hoje aglutinada em torno de uma infinidade de interesses. Daí dizer-se que o Congresso tenha se transformado numa imensa Câmara de Vereadores, sem qualquer viés e afinidade com as estratégias nacionais de desenvolvimento. O próprio Artur Lira defende isso, dizendo que, assim, os parlamentares se aproximam das aspirações locais e regionais. Mas, com isso, também, vão pelo ralo as concertações que fizeram a grandeza de mandatos como o de Vargas e JK, talvez Ernesto Geisel, todos ancorados na ideologia desenvolvimentista transformadora do país. No modelo do parlamentarismo de coalização de Lira, o Congresso vira um puxadinho dos Municípios.
Há, pois, que se trazer esta questão do regime do governo à tona. Ou reafirmamos a vontade do povo pelo presidencialismo ou capitulamos a este modelo que reproduzirá o país como a democracia do II Império o fez no Século XIX: Um modelo liberal de manutenção do status