Há oito bilhões de anos, formou-se o sol, no bojo da violência cósmica, dando origem ao seu sistema gravitacional do qual a Terra faz parte há quatro bilhões de anos. Chegamos ao universo na meia vida de nosso astro rei. . Longa espera até aparecer a vida por aqui, multiplicando-se, a partir de organismos unicelulares que, por defesa ou sabe-se lá o quê, se aglutinaram e se multiplicaram até parirem espécies grotescas e imensas. Violência biológica. Por um tempo, reinaram os dinossauros, mas desapareceram há 60 milhões de anos, por força de uma conjugação de fenômenos siderais e telúricos. Seu sumiço permitiu a proliferação dos mamíferos que resultou no mais acabado da série, o homo sapiens, nossa espécie, cujos primeiros rastros são encontrados na África, há quase 1 milhão de anos. Na franja deste tempo, há 10 mil anos, percebemos as primeiras civilizações, todas guerreiras, numa demonstração clara das nossas origens animalescas. Violência humana. Coube a um dos Pais da Filosofia, aliás, Aristóteles, nos definiu como animais sociais, logo políticos. Inventamos a violência política. Gostamos da família, do vizinho, da comunidade, na nação, até da humanidade, mas temos uma espécie de sistema imunológico cultural que nos impele a rechaçar todo aquele que nos é estranho. Talvez o façamos como herdeiros do ‘gen egóico’ primordial, mas é possível, também, que o façamos por razões desconhecidas. Afinal, hoje sabemos que somos reféns de uma razão que nossa própria razão desconhece. Sempre reagimos: reptilínea, fria, ou perfidamente, ao desconhecido. Cientistas, Filósofos e Religiosos, porém, não se cansam de procurar alternativas à violência humana, na tentativa de criar um mínimo de paz entre os homens.
Platão já nos identificava como “homo pugnat”, guerreiro implacável, sempre disposto à luta. Freud, mais de dois mil anos depois, seguindo suas pegadas, também percebeu na violência humana as raízes do mal estar da civilização. Nenhum dos estudiosos, entretanto, tem a fórmula mágica capaz de eliminar nossa fúria. Trata-se, pois, de submetê-la a controles, mediados por manobras diversionistas como a sublimação da violência pela cultura, capaz de decodificar melhor a adversidade ou pela competição regrada, algo que os liberais repudiam com veemência no mundo moderno, por considerá-las atentatórias à liberdade. Outros, mais realistas, desde os moralistas das várias confissões até filósofos políticos como Hobbes, autor do famoso “Leviatã” , século XVII, pilar da da Moderna Teoria do Estado, sacrificam a liberdade em nome da necessidade. Deslocam a liberdade absoluta para ceder lugar à defesa da dignidade humana a ser concertada pela obediência à Lei. Para tanto, colocam a liberdade a serviço da razão, como um imperativo prévio à descoberta dos processos que movem os homens e o mundo. Com isso, acabamos divididos quanto à forma de organizar nossas sociedades.
Os americanos, por exemplo, cultuam a liberdade como valor absoluto, levando-a às últimas consequências no campo individual e da economia. Odeiam restrições e com isso se rebelam contra o Estado. Como resultado gestaram uma sociedade violenta na qual cada um se arma até os dentes para salvar o que são supostamente seus interesses. Vários autores já trataram dessa questão por lá e evidenciam uma necessidade de controles, sensibilizando algumas lideranças do Partido Democrata que, por isso, são vilipendiados. Contra eles erguem-se membros do Partido Repúblicano, associados à extrema direita, que assumem frontalmente a defesa ‘wasp’, ou seja, da supremacia do homem ocidental, branco e cristão. Há sinais, aliás, de que este radicalismo conservador, alimentado pelos pronunciamentos sobre a “grande substituição” do ex Presidente Trump – e reverberados pela Rede Fox News -, estão estimulando a violência doméstica que alimenta os recorrentes atentados terroristas. Paulo Krugman, democrata, vai mais longe e em recente artigo no ‘Estado de São Paulo’, Os perigos da sordidez plutocrática, afirma que os bilionários sultões do Vale do Silício , como Elon Musk, Jeff Bezzos, Larry Ellison, da Oracle, estão se incorporando a essa linha por puros ‘interesses econômicos e egos frágeis”. Eles teriam chegado a participar de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham, republicanos caudatários de Trump, sobre reverter a eleição de 2020 e não se cansam de dizer, nas suas bolhas, com apoio na metade das bancadas republicanas, que são os “democratas” que semeiam o ódio e a divisão no país, fomentando a vinda de imigrantes para substituir eleitores brancos. Oressa!
No Brasil, lamentavelmente, começamos a perceber esta mesma influência a partir de 2018, embora com a peroração justificativa de que se faz necessária contra o crime. Sua versão tropical é “bandido bom é bandido morto”, que acaba escorregando para índio morto, negro morto, civil morto por bala perdida, quando não milhares de miseráveis mortos de fome. Mais um pouco e juntarão ao seu clamor “Morte aos intelectuais, aos socialistas, aos comunistas, aos verdes, aos vermelhos. MORTE!” Assim foi com Hitler…
Tentar compreender essas questões, hoje, não é tarefa fácil. São assuntos que estão no cerne da alma humana, sempre exposta às ilusões da sociedade-espetáculo dos objetos e de líderes de fancaria, na qual a cultura virou divertimento e a consciência da liberdade como necessidade, um artigo de luxo.