A Europa vive momentos dramáticos neste verão de 2022: Inflação anual perto de 10%, a maior seca em 500 anos e nova onda de greves. É o resultado simultâneo da crise do clima e da crise socioeconômica. Diz o jorn. Flavio Aguiar, velho amigo dos tempos da UFRGS, da Alemanha;
“Turbinada pelos aumentos dos custos da energia em consequência da guerra na Ucrânia, as altas taxas elevam o preço dos transportes e dos fertilizantes no setor agrícola, impactando no custo dos alimentos. Estimada em média em 9% no continente europeu, o índice chega a 10,1% na Inglaterra, podendo ir para 13% anuais a partir de outubro. Mas há quem fale também na falta de pessoal, o que piora as condições.”
Os europeus, anestesiados pelas férias de verão, voltam pra casa alarmados. Tudo está mais caro e deve ficar mais caro ainda, diante da incerteza na oferta de combustíveis no inverno que se aproxima. Os líderes europeus dizem que este é o preço da Liberdade, consequência do envolvimento europeu, caudatário dos Estados Unidos, na condenação à Rússia pela ocupação da Ucrânia. Para piorar, vai faltar, além da energia mais cara, também a água.
O Podcast da Globo , “O Assunto” , de 25 de agosto tratou da seca e diz que eventos mais extremos ocorrerão no futuro: “O quadro preocupa desde o início de 2022, mas se agravou muito no verão e sobretudo em agosto, com os termômetros nas alturas. Segundo a Comissão Europeia, a seca deste ano pode superar a de 2018, tornando-se a pior no continente em 500 anos”. O correspondente da TV Globo Leonardo Monteiro descreve as imagens apocalípticas de rios como Elba, Reno, Danúbio e Loire, reduzidos a porção ínfima do volume habitual de água. E conta das surpresas descobertas em seus leitos, como restos de navios da 2ª Guerra. Baseado em Lisboa, o jornalista trata ainda do racionamento enfrentado por milhões de europeus e de perdas que vão da safra de diversos grãos à geração de energia.
Diante disso, os movimentos sociais começam a se agitar. Uma nova onda de mobilizações e greves, conta Flavio, deverá varrer o continente. É o recrudescimento, diz ele, do sindicalismo adormecido desde os tempos da Sra. Tatcher. Às mobilizações, deverão suceder mudanças políticas significativas. “Esta retomada da atividade sindical é também a mais vigorosa desde que, entre 1984 e 1985, a então primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher, a “Dama de Ferro”, literalmente sufocou o sindicato dos mineiros com uma feroz política repressiva que inibiu o movimento sindical inglês durante décadas. Tanto na Inglaterra quanto na Europa Continental, os movimentos sindicais desde o começo de 2022 parecem ser apenas o prelúdio do que pode acontecer no futuro, modificando completamente a paisagem social europeia”, ressaltou Flavio Aguiar
Não se sabe que ventos, entretanto , soprarão neste outono. Voltarão os movimentos sociais ao leito da esquerda, hoje enfraquecida ou desmaiada na recaída no colo da política externa dos Estados Unidos, ou se inclinarão à extrema direita, como já vem ocorrendo em alguns países?
Esta a pergunta de um milhão de euros que o sociólogo português, sempre cauteloso, Boaventura de Souza Santos, procura responder: “Perante isto, o que fazer? A curto prazo (isto é, em período pré-eleitoral), as forças de esquerda têm de seguir firmes na defesa da democracia, mas têm de pensar que tal defesa será cada vez mais complexa quanto aos campos e quanto aos instrumentos. Quanto aos campos, a defesa tem de incluir a vigilância democrática da imprensa, a normalidade da campanha eleitoral, a defesa das instituições que divulgam os resultados eleitorais, o reconhecimento popular deles quaisquer que sejam, a regular tomada de posse de quem ganhe as eleições e a entrada pacífica em funções do novo governo. Quanto aos instrumentos, é fundamental entender que não bastam as instituições para defender a democracia. Ela tem de ser defendida na rua com a mobilização popular pacífica e criativa em todos esses momentos.”
Quanto ao médio prazo, as tarefas não são menos exigentes, mas exigem reflexão de outro tipo. Eis algumas das questões mais importantes. Dados os sinais de esgotamento final da democracia liberal, é possível imaginar outros regimes de convivência mais pacífica e mais democrática? É possível responder à pergunta anterior sem ter alternativas credíveis anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais?
Um novo horizonte se desenha e não necessariamente para melhor. Pode ser para bem pior, se as forças de esquerda continuarem a desarmar-se de pensamento estratégico. Concluo, temeroso, em “Disparada”: “A morte e o destino tudo…”. Que será de nós…?