Nossa cidade celebra, nestes dias, mais um ano em sua já provecta idade: 144 anos. Temos tido sorte. Nenhuma catástrofe ambiental, nenhum bombardeio, e até na recente pandemia, perdas inaceitáveis mas dentro das médias. Sua origem está no longo caminho entre o escasso povoamento vicentino e a cobiça portuguesa na garganta do Rio da Prata, onde Manuel Lobo, então Governador da Capitania Real do Rio de Janeiro, fundou a Colônia do Sacramento, em 1680, por ordem do Rei de Portugal. Tal cidade seria disputada, numa época em que a prata, a maior riqueza mineral da época por ali transitava, por Espanha e Portugal, até que o Tratado de Madri de 1750 a entregasse definitivamente aos espanhóis. Nesse ínterim, um dos primeiros contratadores para a exploração comercial de Colônia, Cristovam Pereira de Abreu, fidalgo lusitano letrado, desalojado de suas ambições naquela cidade, num período de ocupação castelhana, reflui para o negócio das tropeadas de gado para Sorocaba, vindo a abrir o Caminho dos Conventos, por onde teria subido pela primeira vez com mais de duas mil cabeças no ano de 1735. Pouco depois, ser-lhe-ia confiada a missão de oferecer o apoio terrestre à fundação, por mar, do Presídio de Rio Grande, vez que conhecia o terreno e as lideranças indígenas que a povoavam. Lá está enterrado, tendo, até recebido um romance histórico sobre sua saga, “O Cavaleiro da Terra de Ninguém”, de Sinval Medina, a quem protestei não ter citado Torres nenhuma vez… Este personagem, pouco conhecido em Torres, é importante, porque faz da nossa cidade um ponto estratégico da interligação econômica do sul do que é hoje o Brasil, ao seu coração colonial. Não fora isso, e dificilmente teríamos sido “lusitanizados”…Arreadas anteriores, de catequistas, deixaram poucos vestígios e não teriam logrado o povoamento.
É certo que, antes das caravanas portuguesas, nosso território há milênios já era ocupado, embora escassamente, por povos originários que, descendo dos Andes, pelo Caminho do Peabiru, foram ocupando a região. Os índios, aliás, foram os primeiros a se estabelecerem sedentariamente ao oeste do planalto rio-grandense, à margem esquerda do Rio UruguaI, na Colônia de São Nicolau, em 3 de maio de 1626, sob a égide de Felipe II, Rei de Portugal e Espanha (1580-1640). Ali, aldeados em núcleos de até 5000 índios, eles recebiam um boi e uma vaca para seu sustento e pastoreio, junto com outras instruções dos jesuítas. Mas ficaram expostos à sanha predadora dos “intrépidos” bandeirantes que acabaram destruindo estas primitivas colônias, levando os ocupantes – que não escapavam- como escravos para São Vicente. Nestas incursões, estes bandeirantes também passaram pela região litorânea do sul, carreando no seu botim perto de 500 mil indígenas, como registrou, numa de suas crônicas Ruy Ruben Ruschel. Aqueles “empreendedores” despovoaram os campos e serras do Rio Grande a ponto de nossa cidade se transformar numa espécie de Portal das Solidões entre o Rio da Prata e a capitania de Santa Catarina. Pouco tempo depois, entretanto, os jesuítas voltaram à Região das Missões e construíram os Sete Povos cujas ruínas ainda podemos visitar. Ali, estendendo-se para o sudeste, estas Missões se multiplicariam e se consolidariam numa espécie de Teocracia Comunal de portas abertas, numa experiência registrada pelo historiador Décio Freitas em dois livros “Socialismo Missioneiro” e “Missões, Crônico de um genocídio”. Sucumbiram, enfim, nas Guerras Guaraníticas de 1754/7, sob as patas das tropas conjuntas de Portugal e Espanha encarregadas de executar as diretrizes do Tratado de Madrid, deixando-nos o lema “Esta terra tem dono”. Desta dispersão de gentes e seus gados formou-se o gaúcho, símbolo mítico do homem rio-grandense, tão bem descrito na épica de Érico Veríssimo, nas gravuras dos “4 grandes pintores de Bagé” e no filme histórico “Anahy de las Misiones”.
Mas o que isso tem a ver com a História de Torres? Primeiro, compreender a importância de Torres no roteiro das tropeadas, no século XVIII, como marco histórico riograndense; depois, articular tal entendimento com o próprio processo da ocupação do Rio Grande do Sul, onde mercê da procriação livre de grandes manadas orelhanas pelas vacarias do pampa, depois da destruição das Missões, criavam-se grandes invernadas disponíveis para o tráfico do gado. Já ao final do século XVIII, porém, o próprio Cristovam Pereira, abriria o caminho serrano, deixando os difíceis acessos pelo litoral cada vez mais abandonados. Torres deve ter sofrido muito com isso no século XIX, daí derivando, talvez, o cenário de pobreza aqui reinante e registrado por muitos viajantes.
Salvou-nos, entretanto, a abertura do século XX quando o Rio Grande já estava ricamente povoado de Porto Alegre até os campos de cima de serra, ultrapassando o Vale do Rio dos Sinos. Neste processo, beneficiou-nos a ‘invenção’ dos banhos de mar, com seus sete pulinhos garantidores da boa saúde, que abririam nossa cidade aos veranistas das primeiras e históricas Pousadas. A natureza pródiga impulsionou rapidamente esta vocação que faria neste ponto mais distante da capital, um seleto remanso das famílias mais ricas. Imagine-se que já na década de 1920 assistia-se, aqui, ainda segundo Ruschel, a talentosas tertúlias musicais. Em meados do século a cidade já estava estruturada, com bons hotéis, moradias confortáveis, serviços básicos e uma laboriosa população local que lhes servia marcando, com isso, a própria cultura urbana, traduzida no livro “Torres em Transe”, de Fernanda Carlos Borges. Nas duas últimas décadas daquele século, quando outras paragens redefiniam os veraneios da aristocracia portoalegrina, torrentes de “Hermanos” e “gringos” continuariam alimentando, com menos elegância mas igual peso econômico, nossa vocação turística. O conclusão da BR-101 em 2010 e o asfaltamento da Rota do Sol pouco antes, foram outros fatores de manutenção no ritmo de nossa vida econômica, sempre marcada pelos “veraneios”,
Daqui em diante, entretanto, o dedo de Deus deverá ceder à inteligência do Homem na procura de novos caminhos para nosso destino, já não tão manifesto. Um deles é integrá-la mais ativamente no Projeto VALE SAGRADO DO MAMPITUBA, considerado o maior polo de turismo doméstico do país e que envolve 18 municípios de um e outro lado do Rio. Na última reunião da AMESC, em Santa Catarina, esta ideia, cevada no Conselho de Cultura do Passo de Torres ganhou grande repercussão, inclusive pela proposição de criação de uma Universidade Tecnológica Regional, logo percebida pela Prefeita de Sombrio como um belo projeto para sua administração. Outros projetos, contudo, como disseminação de Parques Temáticos, Polos de Economia Criativa, Cidades Inteligentes, Roteiros Turísticos, Centros de Logística, Festivais de Artes e Gastronomia complementam o Projeto. Novos tempos.