Estou em Brasília, onde, a par de vir passar a virada do ano com minhas filhas, aproveitei para acompanhar a posse de Lula em seu terceiro mandato. Aliás, de Lula e Geraldo Alkmin, seu vice, com suas respectivas esposas, Jânja e Lu, aquela em deslumbrante performance. Vai longe…A festa foi grande. Cerca de 300 mil pessoas, vindas de várias partes do país, lotaram os gramados da escala monumental da cidade, onde se erguem os Ministérios. A subida na rampa, com a entrega da faixa presidencial por representantes paradigmáticos do povo brasileiro, os mais sacrificados desde o período colonial – negros, mulheres, índios, portadores de deficiência, idosos – foi o vértice do dia. Dentro do Palácio do Planalto, acotovelam-se mais de 170 representantes estrangeiros, um dos fortes apoios de Lula. À noite, dois palcos, homenageando Elza Soares e Gal Costa, animaram a cantoria popular até o amanhecer. Entrementes, nada de anormal. A democracia atravessou com sobressaltos a campanha eleitoral, afirmou-se nas urnas (eletrônicas) e se consagrou neste dia. Não por acaso, Lula encerrou seu pronunciamento da tribuna com estas palavras: -“Democracia sempre!” Nos dias seguintes, salões aglomerados nas posses dos Ministros. Impossível chegar perto de algum deles nestas ocasiões. Verdadeiras multidões, sobretudo, naquelas posses de maior relevo político: Alkmin, na Indústria e Comércio, Marina Silva, no Meio Ambiente, Sílvio Almeida, no Direitos Humanos e Paulo Pimenta, na Secretaria de Comunicação Social, as duas últimas, tal o número de pessoas, levadas a efeito no amplo átrio do próprio Palácio do Planalto. Não sem dificuldade consegui cumprimentar pessoalmente, em nome da Cultural FM de Torres, o Ministro Paulo Pimenta, que nos prometeu, para breve, uma entrevista exclusiva.
Feito o balanço da posse, resta refletir sobre seus desdobramentos. O que será o Lula III?
Tudo indica que será um Governo mais centralizado por Lula que, em 2003, quando, pela própria inexperiência, terceirou as funções, econômicas, para o Palocci, e políticas, para o Zé Dirceu, quem, desta vez, acompanhou tudo anonimamente dos gramados. Agora há outra questão: o arco de alianças é mais amplo e exigirá um permanente recurso à última palavra do Presidente, a ser filtrada por seu Chefe da Casa Civil, ex-governador da Bahia. Prova disso foi a primeira reunião ministerial de “enquadramento”, convocada por Lula já para o dia 5 (jan/23). Consequência deste “arco”, o grande desafio para o Presidente: Qual a linha geral do Governo? Acreditando-se nas primeiras palavras de Lula, ainda no ato de posse diante do Congresso Nacional, teremos um governo à esquerda, no sentido de um papel mais ativo do Estado na promoção do desenvolvimento e da cidadania, nos marcos das responsabilidades fiscais e sociais. O Teto de Gastos, aliás, já caiu e o Ministro de Fazenda se apressa para enviar um novo marco no processo de gestão das contas públicas, não sem antes advertir que o rombo deixado por Bolsonaro, em seu afã de ganhar a qualquer preço as eleições com recursos públicos, é da ordem de R$ 400 bilhões. O Relatório do Governo de Transição é pródigo neste diagnóstico do Governo da União e deverá se constituir em documento histórico desta conjuntura. A Mídia Corporativa já reclama. Custa a compreender que se a vitória se deu graças à “Frente”, foram liberal-democratas que aderiram ao único nome, à esquerda, que tinha condições de derrotar a extrema direita e não o contrário. Nem chorar, nem sorrir, portanto. Apenas compreender…
Quanto à viabilidade do Governo Lula III alguns analistas destacam a gama muito ampla de promessas que acabam diluindo a concentração num ponto focal capaz de galvanizar o conjunto. Vargas, entre 1951/4 tinha as grandes estatais – BNDE/ Eletrobrás/Petrobrás; JK tinha a indústria automobilística e Brasília; Jango, entre 1961/4 tinha as Reformas de Base; o próprio Lula I e II, entre 2003/10 teve o Bolsa Família. Dilma, os campeões da indústria. E Lula III, qual o foco? Fica como modesta sugestão o sucateamento da velha indústria automobilística a ser substituída pelo automóvel elétrico, o que, além do salto tecnológico, nos poderia livrar da questão do preço da gasolina.
Finalmente, a pergunta: E o bolsonarismo? Agora, sem Bolsonaro, já estigmatizado até pelo seu ex-vice, hoje Senador Mourão. Muitas respostas, maior parte delas apontando para o erro da fuga e que deixou correligionários ao relento. Tudo dependerá, enfim, da capacidade de Lula para dissolver o movimento num conjunto de linhas de atuação que podem passar, até, pela cooptação de segmentos até aqui alinhados com Bolsonaro. Vide o fato de dar 3 Ministérios ao Partido União Brasil, onde aninharam-se o DEM e o PSL. A conferir, enquanto no Piratini, Eduardo Leite II, que deve sua vitória à esquerda, um pouco mais humilde e amoroso, ao lado do namorado, promete um mandato mais humano…Aparentemente, entramos numa nova era de mil flores e renovadas promessas