Todo final de ano paira uma atmosfera mística nas pessoas seguindo o rastro da celebração natalina e da confraternização universal. Um período de regozijo familiar e sentimento de dever cumprido no âmbito profissional, um misto de satisfação e gratidão transbordantes nas conversas com os amigos e parentes ao redor de uma farta mesa. Todos os ritos parecem iguais, a culinária, os desejos e o Papai Noel. Muitas pessoas consideram a renovação do seu ciclo de semeaduras e colheitas, pedidos e oferendas no alvorecer do ano de 2023. Ao longo do tempo, as tradições vão sendo ressignificadas ao sabor dos contextos sociais e culturais. Gosto de refletir sobre o impacto do Natal e do Ano Novo na vida das pessoas. Qual o significado e a importância dessas celebrações? Considero o Natal uma data de cunho religioso com aspirações econômicas em que os bens de consumo são mais valorizados do que o rito ecumênico. Daí seu caráter universalista transcendendo as barreiras impostas pelas religiões e consagrando os valores da sociedade capitalista. Não importa sua condição socioeconômica, você será impelido a comprar algo para alguém! Não vamos depreciar a participação dos Reis Magos no nascimento de Jesus! Pode dar azar… Na tradição cristã a referência central está em Jesus, no capitalismo a figura do Velho Batuta ( referência a música da banda Garotos Podres), o bom velhinho, o Papai Noel ou São Nicolau. Às vezes, tenho a sensação que criamos um novo personagem: “Jesus Noel”.
O Natal é uma invenção histórica e o Ano Novo apenas uma referência no calendário gregoriano, mais utilizado no mundo ocidental. Segundo esta medida de tempo nos situamos nas primeiras décadas do segundo milênio depois de Cristo. Muitas culturas e religiões utilizam outros calendários, assim como no Judaísmo e no Islamismo. Portanto, a curtição está na representação social e na própria história dos múltiplos significados dessas datas. O interessante é perceber as origens pagãs da celebração natalina. Os romanos homenageavam Saturno, deus das lavouras, e no Oriente alguns povos cultuavam o deus- sol Mitra. Em algumas culturas, entidades malignas puniam as crianças transgressoras como difundido pela tradição finlandesa. Diversos deuses eram celebrados entre solstícios e equinócios em observação rigorosa dos astros e fenômenos da natureza e atos de generosidade, solidariedade e a subversão da ordem social eram prática comum. O espírito de Paz e a abundância natalina não atingem todas as pessoas. Por vezes, o altruísmo não alcança os setores marginalizados e miseráveis da população. Multidões transitam desenfreadas na ânsia pelas promoções do comércio enchendo as ruas com suas sacolas de mercadorias maquiando toda desigualdade social com ações assistencialistas.
O espírito natalino depara-se com a árdua realidade da maioria da população que não tem acesso aos “presentinhos do bom velhinho” restando apenas suas preces na ânsia por dias melhores. Em meio às contradições que a Esperança prevaleça em nossos corações.