Visão de túnel é uma expressão muito comum na aviação. Não sou piloto, mas gostaria de ter sido. E como gosto de aviões, embora morra de medo cada vez que neles viaje, vejo muitos documentários e programas sobre o mundo aeronáutico. Um deles, MAY DAY – aviso de socorro -, mostra as investigações feitas por autoridades sobre os grandes acidentes, com o objetivo de evidenciar suas causas e, eventualmente, corrigir procedimentos técnicos da indústria, do tráfego e humanos. Graças a isso, a segurança de voo melhorou muitíssimo nas últimas décadas. A velocidade de curso é praticamente a mesma há 60 anos, mas os acidentes são relativamente raros.. Pois bem, nestas investigações aparece, às vezes, a tal visão de túnel como causa de acidentes até fatais. Ela pode ocorrer na decolagem ou aterrissagem, quando um comandante simplesmente troca de pista ou mecanismo, normalmente porque preocupado com um grave desafio atmosférico, ou outro assunto. A contração num só ponto.. Mas pode-se levar este conceito para outras campos da vida e aí se revelam as seitas.
Platão, tratou do assunto quando descreveu o mito da caverna. Quando se vive num buraco mal iluminado onde as imagens se refletem distorcidas nas paredes esta é a “realidade”. Se ocorre, porém, de um dos moradores sair e vê a luz do sol, este se ilumina com a percepção de novas formas. O famoso Iluminismo, sob o qual se construiu a Modernidade Ocidental, com seu par Razão e Liberdade, não é, senão, uma extensão desta escapadela. Agora, imaginem, se este ente que viu a luz volta para os seus e tenta dizer-lhes que estão errados? Vai pra fogueira…
Mais tarde, já no século XVII, o grande Lord Bacon voltou ao assunto, em busca da verdade, junto com outro, Baruch Spinoza, e mostrou como somos vítimas do que denominou “os ídolos da razão”: Pensamos de acordo com o que aprendemos na tribo, na época, na cultura. Karl Marx e K. Manheim seguiram esta trilha e nos falam em “ideologia”. Na entrada do século XX, o poeta Oscar Wilde levou estas reflexões às últimas consequências: “Nascemos escravos!” Advertiu , porém, que poderíamos, por um grande esforço de desprendimento, morrer livres das “ideologias”, entendidas como sistema fechado de ideias. Apontou aí para o projeto de autonomia (auto-nomos) humana: Regular-se a partir da capacidade reflexiva sobre o que é melhor para si como um animal social, eticamente constituído e capaz de conduzir-se por si mesmo: “Duco non ducor”, lema dos paulistas. Conduza, não seja conduzido. Para tanto, temos que sair à luz, conviver a aceitar o outro, os outros, compreender-lhes em sua origem e valores. Diversificar experiências. Quebrar tabus. Tarefa difícil, contudo indispensável se queremos ser realmente libertos, o que não se confunde com fazer o que se bem entende. A liberdade consiste no conhecimento da necessidade por si mesmo como animal social.
Falo sobre isso a propósito do escândalo da PRESERVE SENIOR, de São Paulo, revelado por Morato na CPI do COVID,. A jovem advogada de um grupo de médicos- inconformados com as exigências insólitas desta corporação – declarou na CPI que deles escutou sobre o uso compulsório do KIT COVID como um “alinhamento ideológico” imperativo da empresa com o Palácio do Planalto, de maneira a manter as pessoas na rua como forma de assegurar o funcionamento da economia.. A isso se dá o nome de cega militância política, que consiste no envolvimento de pessoas, grupos ou partidos submissos a uma corrente, dominante ou não, com vistas a implantar uma ideia, um Projeto, ou um Plano de Governo. Aparece com frequência em regimes autoritários, por falta de acesso a outras fontes que não a oficial. Nestes casos, as ideias se cristalizam, sem ar nem renovação, em seitas que podem ser de inspiração política, religiosa ou até científica. Há, pois, que se ter muito cuidado em jamais fechar-se em si mesmo no cultivo de certezas absolutas. Mede-se a inteligência de alguém não pelo número de convicções arraigadas que tem, mas pelas dúvidas que se faz diuturnamente. Sair à luz, com abertura `a várias interpretações do mundo, conviver com pessoas de origens e pensamentos diferentes, escutar, e compreender, sobretudo, que a há que se encarar o mundo com certo humor.
O grande Amós Oz, escritor israelense, dedicado ao entendimento do fanatismo dizia: – O fanático perdeu o humor. Não há no mundo nem explicações definitivas, nem soluções fáceis. Daí porque um dos grandes intelectuais contemporâneos, Jurgen Habermas, insista tanto no conceito de “razão consensual”, única maneira de se conviver com um mínimo de harmonia nas sociedades democráticas. Respeitar tudo: religiões, ideologias políticas, abordagens científicas. Ou isso, ou a barbárie totalitária em nome da qual “serial killers” se utilizam de Governos, Igrejas e Teorias para matar em massa. Sempre com boas razões…