As feridas emocionais

As feridas emocionais se propagam através dos laços familiares, ou seja, se estendem através dos laços familiares de forma quase implacável.

23 de maio de 2017

As feridas emocionais se propagam através dos laços familiares, ou seja, se estendem através dos laços familiares de forma quase implacável. São como uma sombra que se camufla nas palavras, no modelo educacional, nos silêncios, nos olhares e nos vazios. Até que alguém maduro e consciente detém o processo para dizer basta e fugir dessa teia de aranha.

Todos nós, em algum momento de nossas vidas, já lançamos uma pedra na superfície de um lago ou um rio. Imediatamente, quando esta cai e afunda, é gerada uma perturbação. As partículas de água variam a sua posição inicial e desenha-se na superfície o que se conhece como frentes de ondas. Cada um tem a sua história, cada um sabe quanto lhe doem as suas feridas, seus vazios, seus cantos quebrados…

Se o impacto foi muito forte, serão geradas muitas ondas. São como o eco de um grito silenciado, como a própria metáfora de uma ferida emocional, a mesma que impacta sobre o membro de uma família para depois se estampar no restante das gerações com maior ou menor intensidade.

Foi Oscar Wilde quem uma vez disse que poucas esferas eram mais misteriosas e herméticas do que as famílias. Trancados no isolamento dos próprios lares, quase ninguém sabe com plena ciência o que acontece entre essas quatro paredes onde uma ou duas gerações de pessoas compartilham um espaço em comum e os mesmos códigos. As feridas de uns impactam sobre os outros como ondas invisíveis, como fios que movem fantoches e como ondas carregadas de raiva que corroem as rochas das praias. Então, vamos falar de uma coisa complexa, dolorosa, e às vezes dilacerante.

Quando falamos da origem dessas feridas emocionais que são transmitidas ao longo dos laços familiares é comum pensar em fatos como abusos sexuais, violência física ou a perda traumática de um ser querido. De forma semelhante, também não podemos descuidar dos conflitos bélicos e do impacto que, por exemplo, terão todas as crianças refugiadas que a sociedade está descuidando nos limites de nossas fronteiras.

Ter crescido sob uma criação baseada no apego inseguro ou em um contexto baseado na contenção emocional gera, sem dúvida, diversas feridas e inclusive transtornos emocionais.

Fazer parte de uma família onde a ira sempre está presente é outro responsável. São contextos onde abundam os gritos, as censuras entre os seus membros, a toxicidade emocional, o desprezo e a desvalorização constante.

Outro aspecto que pode ocasionar um grande impacto no seio de uma família é o fato da mãe ou o pai viver mergulhado em uma depressão crônica e não tratada. A impotência, os códigos de comunicação e as dinâmicas estabelecidas entre pais e filhos deixam marcas permanentes.

Sabe-se que quando uma criança está rodeada de um entorno de confusão, caos emocional e vulnerabilidade, experimenta níveis exorbitantes de estresse. Imediatamente, seus mecanismos cerebrais, endócrinos e imunológicos reagirão para encontrar um necessário equilíbrio, mas a longo prazo, ficarão saturados até desenvolver sérios efeitos secundários implacáveis: aumento do cortisol no sangue, taquicardia, enxaquecas, dermatite e até asma.

Sabe-se, por exemplo, que a expressão do genoma, isto é, o fenótipo, mudará segundo as experiências estabelecidas com o ambiente (nutrição, hábitos, estresse, depressão, medos…)

Desta forma, todas estas mudanças epigenéticas irão se refletir também nas novas gerações, a ponto do trauma pontual em uma pessoa afetar até 4 gerações posteriores.

Por outro lado, perdoar é uma opção, mas nunca uma obrigação. A reconciliação mais importante que teremos que realizar é com nós mesmos. Uma ferida emocional nos transforma em uma coisa que não nos agrada: em alguém que sofre, que se enxerga como frágil, pouco habilidoso, em alguém cheio de ira e rancor e que ainda é prisioneiro de quem o prejudicou. Devemos aprender a nos curar, a reconciliar-nos com nosso ser ferido para fortalecê-lo, cuidá-lo e atendê-lo…

Não podemos esquecer que, apesar de nenhum de nós poder escolher nossos pais ou família em que nascemos, todos temos o pleno direito de ser felizes, de levar uma vida digna e com um adequado equilíbrio psicológico e emocional. Devemos lutar por isso.




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