É comum escutar das pessoas que visitam a cidade de Torres pela primeira vez a seguinte expressão: “Como as pessoas andam de bicicleta por aqui!”. A constatação do “olhar do estrangeiro” revela o que para os moradores locais não passa de um hábito comum. O pedalar em Torres, e na maioria das cidades pequenas do interior ou do litoral, é um ato cultural quando a necessidade é o deslocamento entre pontos diversos da localidade. Indo na padaria da esquina ou pagar contas nas lotéricas do centro, o uso da bicicleta é indiscriminado não importando a faixa etária das pessoas. Mães e seus filhos nas cadeirinhas e nas garupeiras, idosos de triciclos com bagageiros, estudantes apressados, trabalhadores e trabalhadoras indo e vindo nas principais avenidas. Em meio ao trânsito truculento e acelerado impostos pelos carros, motos, ônibus e caminhões, a bicicleta resiste e oferece uma alternativa ecológica e prática de mobilidade urbana. O caso da cidade de Torres é emblemático, quando a geografia local oferece vias de bom acesso e pode-se atravessar a cidade no sentido norte/sul e leste/oeste em questão de 20 a 30 minutos de pedalada. Para a garotada a bicicleta não é mais um fetiche infantil ou uma moda imposta pelas propagandas, e sim uma necessidade em que o pedalar significa transcender as fronteiras da sua rua ou do seu bairro. Os ciclistas torrenses saem dos bairros e vão para o centro para trabalhar ou estudar; chegando cedo para deixar seus filhos e filhas nas creches, para abrir a loja onde trabalham ou na hora do “apito da obra” convocando os operários da construção civil.
Depois da tração animal, as bicicletas foram um dos grandes inventos da humanidade e que se torna a cada dia mais atual. Nos grandes centros urbanos existem as bicicletas comunitárias e há movimentos organizados de ciclistas no sentido de divulgar e promover os benefícios do ciclismo, seja para a simples locomoção ou para práticas desportivas. Uma das ações que chamam atenção são os monumentos erigidos em memória dos ciclistas vitimados por acidentes fatais, conhecidos como “Ghost Bike” (bicicleta fantasma). A imprudência e o desrespeito são evidentes no trânsito onde a lei que o maior veículo cuida do menor é negligenciada. A lei do motor mais potente nas vias mais rápidas impõe riscos à integridade física dos ciclistas. As ciclofaixas e ciclovias ainda estão restritas aos pontos turísticos e não atendem as normas de segurança e a demanda da comunidade de ciclistas locais que utilizam as movimentadas vias de acesso. A cidade de Torres oferece uma estrutura singular para o planejamento de ações que visem o reconhecimento e a promoção da atividade ciclística entre seus moradores, uma prática cultural própria que transcendem as condições socioeconômicas. Torres: uma cidade feita para pedalar!
Em relação ao aspecto simbólico das bicicletas, conheço a história de um senhor que nunca teve oportunidade de ter uma bicicleta, pois era um artigo de luxo no passado. Comprou uma monark modelo “barra circular” nos idos de 1990, sua primeira bicicleta aos 50 anos de idade, como um presente pela conquista de sua aposentadoria. Com adereços variados, apara-barro, banco de mola e cor azul metálico, este senhor utilizou sua querida bicicleta para os afazeres cotidianos durante anos à fio. Depois de algumas décadas e algumas reformas, a bicicleta azul está exposta no alto de sua garagem, como um monumento que conta um pouco a sua história de vida e a conquista da tão sonhada bicicleta. Este senhor parou de pedalar porque suas lesões no joelho se agravaram com o passar do tempo, mas a sua parceira inseparável carrega consigo a superação da infância pobre e humilde onde as crianças não costumavam ganhar suas bicicletas do Papai Noel ou de aniversário. Este senhor se presenteou com uma bicicleta quando fixou sua residência em Torres. A singela cidade onde pedalamos nas praias, ruas e avenidas, subindo e descendo os morros apreciando deslumbrantes desenhos e contornos da paisagem. Desde cedo, aprendemos a pedalar nos dias nublados de inverno e nas aprazíveis e ensolaradas manhãs da primavera. Para uns pedalar é uma escolha, uma atividade física, uma ação ambiental e ecologicamente correta, para outros, uma necessidade cotidiana de locomoção em detrimento dos veículos automotores, nos casos das famílias que não tem condições financeiras para ter um carro ou moto. Pensar numa cidade do futuro é pensar numa cidade sem segregações territoriais, construída para todos, povoada por bicicletas e que os ciclistas sejam a prioridade das políticas de mobilidade urbana, exigindo seus direitos e o respeito necessário para trazer à cena o bom senso no trânsito. O importante é pedalar contra o vento, balançando os cabelos, sentindo o pulsar da cidade na dinâmica de seus habitantes, no passarinho que voa, no cão que atravessa a rua e na chuva fina que molha o rosto.