PROJEÇÕES DA REVOLUÇÃO FRANCESA

Nesta última semana o mundo inteiro celebrou o aniversário da Revolução Francesa: 14 de julho de 1789. Naquele dia, o Rei Luiz XVI acordara pressentindo algum alvoroço e perguntou irônico: - Está havendo, por acaso, alguma revolta no Palácio? Resposta: - Não Majestade, trata-se de uma Revolução. E era...Em 1793 ele perdia a cabeça na guilhotina.

Eugène Delacroix-La liberté guidan l peuple
21 de julho de 2020

Nesta última semana o mundo inteiro celebrou o aniversário da Revolução Francesa: 14 de julho de 1789. Naquele dia, o Rei Luiz XVI acordara pressentindo algum alvoroço e perguntou irônico: – Está havendo, por acaso, alguma revolta no Palácio? Resposta: – Não Majestade, trata-se de uma Revolução. E era…Em 1793 ele perdia a cabeça na guilhotina.

Desde então, no bojo de transformações sócio econômicas que vinham se acumulando desde as Grandes Navegações e que se acentuaram com o início da Revolução Industrial , que amontoava multidões nas fétidas capitais europeias, o mundo mudou.

Chegáramos, numa Paris com 1 milhão de almas, no ponto que havíamos deixado, em ruínas, a grande capital do Império Romano quase dois milênios antes.  Com uma diferença: uma grande efervescência provocada pela confluência de ideias libertárias do Iluminismo no século XVIII com a disseminação generalizada entre homens livres de seus  ideais, através de livros impressos, revistas, pequenos jornais e panfletos. (Imagine-se hoje com Redes e Internet!). Incêndio na certa que abriria um “Século de Revoluções”. Em menos de três décadas, o Ancien Régime  caía por terra e abria-se a era dos Pactos Constitucionais com a defesa da consigna de  Igualdade, Liberdade e Fraternidade sob Republicanos ou Monarquistas  nos quais fermentariam as clivagens ideológicas que sacudiriam a humanidade até hoje. As revoluções sociais prosseguiram seu curso e em 1848, já sob o espectro de um comunismo idealizado, sacudiriam muitas cidades europeias. Daí espalharam-se  pelo mundo inteiro: Rússia em 1917, China em 1949,  Cuba em 1959 e a Guerra do Vietname, todas  filhas deste processo. Fatal concorrência entre herdeiros do Terceiro Estado da Revolução Francesa:  girondinos moderados confiantes no Liberalismo, enaltecendo a eficiência do Mercado e radicais jacobinos apostando no Estado como habitat da ética.

 

Numa primeira fase, a polarização mundial cingida à Europa mergulhou nas Guerras Napoleônicas. Eram, ainda, dominadas pelo confronto Absolutismo x Constitucionalismo. Um século depois, sempre enraizadas na Revolução Francesa, ganham contornos próprios, mediatizados, cada vez mais, pela forte presença das classes médias no mundo ocidental, francamente moderadoras da polarização de classes e ideológica.  Não obstante, os ideais de  fraternidade serão reivindicados mundialmente pela esquerda e impulsionam sucessivas ondas de rebeldia. Na sua facção mais radical, durante todos os anos de existência da URSS, identificada como Pátria do Socialismo, até 1991,  recebeu dela integral apoio político e militar, indispondo-se com o stablishment. Nos anos de Guerra Fria, sobretudo, a partir de 1947, este apoio tomava a forma de guerras por procuração, evitando o confronto nuclear direto com Estados Unidos. Depois de1991,com o fim da URSS desfez-se a cadeia deste “ Movimento Comunista Internacional”, deslocando-se a hegemonia ideológica do mundo comunista para a China. Este país, entretanto, evita qualquer apoio a grupos simpatizantes, preferindo o caminho de longo prazo do confronto tecnológico em voo solo. Diante disso, especialistas em segurança dos Estados Unidos passaram a cultivar um novo conceito de enfrentamento com os comunistas: Guerra Híbrida, através da  qual reforçam a ideia de que deve haver uma forte reação ideológica contra o que denominam “marxismo cultural”  cultivado por  inimigos externo e internos nas áreas de educação e cultura. Esta atualização sobrepôs-se à antiga Doutrina de Segurança Nacional e ganhou grande peso nas Forças Armadas  aqui no Brasil, daí ganhando adeptos radicais como Olavo de Carvalho que conseguiu criar um séquito de discípulos, hoje com forte presença no Governo Bolsonaro.

O problema desta visão – que acaba se convertendo numa Teoria da Conspiração- é que ela se sectariza, abandonando princípios da doutrina que supostamente a sustentava  (isso foi o que  ocorreu com os ideólogos do nazi-fascismo) e passa à proposições do século XIX, anteriores à conversão do liberalismo democrático em liberalismo social.  Condena sumariamente a gama de direitos e modernização de costumes que acompanhou o século XX e se fecha no pequeno círculo de seguidores, na expectativa de cimentar uma sociedade de um só credo, um só homem, uma só verdade, um só Poder. Conta , para tanto,  com o endosso de confissões milenaristas, na expectativa de criar um círculo de fogo sobre as manifestações da modernidade, guiadas pela confluência da razão com a liberdade. Não percebe que as “ideias não são metais que se fundem”, mesmo sob a pior repressão.

E dizer que Luiz XVI pensava tratar-se, apenas, de um ligeiro distúrbio das ruas…

 




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