‘REMEMBRANÇAS’ DE TORRES

Aproveitando essa ideia de olhar para o passado e dar a minha modesta contribuição, fico relembrando (enquanto escrevo) como era a cidade de Torres na minha infância, entre os anos 60 e 70.

2 de abril de 2025

Quando se tem mais de sessenta anos, o lado de lá está mais perto do que o de cá. Por isso, uma das frases que mais ouvimos é: aproveite o tempo que resta. Mas aí está o problema! Será mesmo que não aproveitamos o tempo que já passou?

Há uma frase atribuída a John Lennon (ver nota de rodapé no final da coluna) que diz mais ou menos assim: “A vida é o que acontece enquanto fazemos planos para o futuro”. Se for isso mesmo que acontece, cabe a cada um de nós vasculhar o próprio passado e refletir sobre o que viveu até hoje. E, se achar que John Lennon tem razão, pode ser que ainda dê tempo de aproveitar melhor os próximos anos.

Aos mais jovens, digo: vivam o agora. Não esperem para entender isso só quando forem mais velhos. Mas será que alguém já nos dizia isso quando éramos jovens e simplesmente não ouvíamos?

Bom, essa é uma questão para filósofos ou psicólogos.

Nessa ideia de vasculhar o passado, lembrei-me de duas colunas que li há algum tempo nos livros do Ruschel e do Muri, onde eles descreviam a cidade em épocas distintas. Fiz até duas colunas sobre elas. Nessas reminiscências, os dois autores deixaram um legado para nós, mostrando a vida, os costumes e as características da cidade em tempos diferentes.

Vou aproveitar essa ideia de olhar para o passado e dar a minha modesta contribuição, relembrando (enquanto escrevo) como era a cidade de Torres na minha infância, entre os anos 60 e 70.

 

Tudo por aqui era mais devagar. Lembro-me das ruas de paralelepípedo e de outras ainda de chão batido, com muito barro nos dias de chuva. Havia apenas duas escolas: o Grupo Escolar Marcílio Dias (assim mesmo), no Morro do Farol, e o Jorge Lacerda, que já ficava no mesmo local de hoje, mas do outro lado do terreno. O hospital era pequeno e ficava no mesmo lugar onde está até hoje.

As igrejas católicas eram apenas duas: a Matriz São Domingos e a Santa Luzia (que, na época, tinha outro formato). Não existiam igrejas de bairro. Outras religiões tinham seus templos, mas lembro-me apenas de uma, na rua Cel. Pacheco, que hoje nem existe mais.

O comércio se concentrava na parte alta da cidade e ao longo da Barão do Rio Branco, até a altura do Bom Rancho. O supermercado da cidade era o Real (que mais tarde se tornaria o Nacional). Havia poucos mercados pequenos e muitos “armazéns”. Padaria famosa era só uma: a do seu Generino, Vera Cruz, comprada de seu fundador, Alvim Freitas. Eu gostava muito de comprar as rosquinhas de vento quando saía da escola.

Os clubes da época eram o CAPESCA e a SAPT (este último só funcionava no veraneio e não era para os torrenses). Existia também o Clube da Praia da Cal, que só operava na temporada. Esse era ainda mais restrito, um clube apenas para os caxienses que possuíam casas de veraneio nessa praia. Naquele tempo, os clubes tinham uma importância muito maior do que têm hoje.

O cinema era a diversão dos domingos: matinê à tarde com filmes de bangue-bangue italiano, Mazzaropi e outros, no Cine Ronda. O outro cinema, o da SAPT, só funcionava na época do veraneio. Esse trazia para a cidade filmes recém-lançados na capital, o que era muito esperado por quem gostava de cinema.

A estação rodoviária ficava em frente ao Banrisul de hoje (onde antes foi o Supermercado Real). Mais tarde, foi transferida para a rua Borges de Medeiros, onde hoje ficam os fundos do banco Sicredi.

A avenida ao longo da Praia Grande não era uma avenida, mas uma rua que terminava antes da SAPT. Não havia calçadão, apenas uma calçada pequena e estreita. Logo abaixo da descida para a praia, havia alguns trailers (algo como os food trucks de hoje), que faziam o papel dos quiosques atuais. Eram uns três ou quatro, não me lembro muito bem. A faixa de areia até o mar era longa, e nela se espalhavam os famosos (e polêmicos) guarda-sóis da SAPT, que enfeitavam a praia e serviam aos sócios do clube.

 

Relembrar esse passado recente (ou nem tão recente assim) me fez perceber que, sim, a vida aconteceu enquanto eu fazia planos para o futuro. E, enquanto esses planos eram pensados, eu também vivia.

Não sei se lembrei de tudo, mas o que esqueci pode ser base para uma nova coluna de reminiscências — ou remembranças, como dizia o seu Guido Muri.

 

Nota de rodapé:

A frase que todos acham que foi Lennon quem disse foi primeiramente atribuída a Betty Talmage, depois a Thomas La Mance, Margaret Millar, William Gaddis e Lily Tomlin. Mas a primeira vez em que apareceu registrada foi em 1957. O autor é Allen Saunders, um escritor, jornalista e cartunista americano. A frase foi publicada na revista Reader’s Digest e Lennon não mudou quase nada: “A vida é o que acontece com a gente enquanto estamos fazendo outros planos”.

Fonte da nota: Superinteressante

 

 




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