RITA LEE: Foi-se a minha adorável Rainha

Transgressora confessa, ela encontrou no rock a melhor expressão musical para sua atitude libertária.... Uma inspiração para as novas gerações. Como ela própria se definiu: “Não sou um bom exemplo. Mas sou uma boa pessoa.” Na verdade, muito mais do que isso, é um patrimônio cultural imorredouro.

Rita Lee em Aracatuba -by_Marco Senche
12 de maio de 2023

Começo com uma penitência pela imperdoável falha de não ter mencionado Rita Lee em meu último livro de reminiscências do século XX – ALMANAQUE DO SÉCULO XX – , Ed. Mottironi, Torres, que será, aliás, lançado em Porto Alegre neste sábado. Assim é a vida: Há coisas e pessoas que só sentimos quando nos faltam. Aí se transformam em relíquias, não raro mitificadas. Por mim, já morrendo de saudades de Rita Lee, atropelo as transições e já a tenho como totem. Tocou-me muito saber da sua morte  no dia 9 passado (09.05.2023). Sua vitalidade, carregada de cores e sugestiva de seromânticos humores  me parecia imperecível, como imperecíveis foram Clara Nunes, Elza Soares, Gal e a Pimentinha.. Com ela, tudo começou  no tropicalismo quando, muito jovem, ainda nos “Mutantes”, participou do Festival de Música da Record, em 1967.

Como definir Rita Lee, um produto híbrido de descendentes gringos e italianos oriunda de Santa Bárbara do Oeste, em São Paulo, que carregou no nome, sem constrangimento,  o signo de um odioso general confederado da Guerra Civil americana do século XIX. Transgressora confessa, ela encontrou no rock a melhor expressão musical para sua atitude libertária. Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre rock e sociedade, recomendo o livro “Movimentos Culturais e Juventude”, de Antônio Carlos Brandão e Milton F. Duarte, E. Moderna, SP, 1990.  Rita participou dos melhores momentos da resistência no século passado, quando o clima se tornou irrespirável no Brasil: Anos de Chumbo. Amadureceria como talento nas décadas seguintes.  “Naquele tempo”, como digo ao meu neto, anos 60, diante da bestialidade do regime militar ancorado na Boa Sociedade da tradição “Deus, Pátria e Família” (que lhe pariu),  a consciência crítica tinha três alternativas: Conformar-se com um cargo na Universidade, sair atirando ou “desbundar”. A maior parte, eu inclusive, se conformou como professor ou pesquisador. Raros, neste campo, ganharam notoriedade. FHC foi um deles. Era uma alternativa que resguardava um mínimo de dignidade frente ao que acontecia nos porões do regime. Ainda assim, vários foram atingidos pelo famigerado Ato Institucional n. 5.  Os que saíram atirando – e foram muitos e os mais heroicos – se deram mal: prisões, sumiços e exílio. Só no Chile, onde eu vivi entre os anos 1970 e 73, chegaram mais de cinco mil. Todos muito jovens. Meninas e meninos. Esboroaram-se na muralha da repressão. Os demais, como se dizia, “desbundaram”, numa época que era quase impensável, numa boa, ir para o exterior. Estes, atravessaram vários caminhos, muitos deles entrelaçados, mas a música, o teatro e o cinema foram os mais construtivos deles.

Os Festivais de Música da Record, em 67 e 68 – e lá já estava Rita Lee com Os Mutantes” ; há documentários excelentes sobre eles –  representaram um sopro de vida nos campos de Marte: Nascia a  Tropicália. Ali a antropofagia cultural ganhou corpo: A identidade brasileira foi atravessada nas suas raízes tamboris pela guitarra elétrica e a performance dos espetáculos inusitados. Já com os Mutantes Rita Lee tinha algo circense, que incomodou Arnaldo Batista; junto vieram os Novos Baianos, Ney Mato Grosso, Dzi Croquetes etc. .  Curiosamente, esta  vertente do identitariíssimo  o colaria  aos movimentos sociais e Partidos de esquerda, tal como, assinala Maria Hermínia Tavares, Socióloga em artigo recente na Folha de São Paulo – https://gilvanmelo.blogspot.com/2023/05/maria-herminia-tavares-uma-ideia-fora.html?fbclid=IwAR2JpDxd_Tg_m_nNP90vED48eO4J67HtWpoz07cHtT5uYGx9dYXRKm7vsdE . Rita pontificou ao longo de todo este processo, renovando-se sempre. Agora, perdemos a Rainha, não só do rock brasileiro, mas de todo este tempo de rebeldia que tanto nos enriqueceu. Sua obra monumental, 55 milhões de discos vendidos, cerca de 300 composições, mais de 600 interpretações fica como registro – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rita_Lee .

Uma inspiração para as novas gerações. Como ela própria se definiu: “Não sou um bom exemplo. Mas sou uma boa pessoa.” Na verdade, muito mais do que isso, é um patrimônio cultural imorredouro.




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