Juremir Machado, um dos grandes intelectuais rio-grandenses, cuja obra dispensa maiores apresentações, saiu da Rádio (Universal) Guaíba, onde capitaneava um programa ao meio dia, mas continua com sua coluna diária no Correio do Povo. Entre 2014 e 2016, quando, por razões de saúde, fiquei em Porto Alegre, comprava religiosamente o dito jornal para me deliciar lendo-a. Ultimamente não a leio todos os dias. Mas – razões do ofício – assinei uma Newsletter da imprensa da capital com a recomendação de juntarem o Juremir. Hoje cedo (dia 14 de outubro) , sob o título , “O mundo de Lennon pelos olhos de hoje”, ele se coloca na boca do célebre Beatle para reviver o mundo agitado de 1960. Eu vivi lá. Foi fantástico. Um dos momentos mais significativos da História da humanidade, sob a consigna do “É proibido proibir”. Ficava decretado, também, que era proibido envelhecer. A minha foi a primeira geração que assumiu isso às últimas consequências. Muita coisa ajudou, certamente o Viagra, mas não envelhecer foi muito mais do que isso. Era um sentimento de viver com intensidade até o fim. Assim foi. Não envelhecemos. Ás vezes morre um, claro, mas carregamos da década de 60 um certo espírito de rebeldia, um certo senso da História, uma certa paixão pelo rock balada que enveredou, pela guitarra elétrica, depois do Festival Record de1967, na cultura jovem do país: Os Mutantes, Rita Lee, A Jovem Guarda, Dzi Croquetes, Renato Russo, Cazuza e tantos outros doces bárbaros…Mas esqueceu-se Juremir da frase mais importante de John Lennon, em 1970:-“ O sonho acabou”. Ela está lá no documentário sobre sua vida.
Acabou o sonho, o mundo petrificou-se sob os auspícios de Wall Street, ao amparo da Pax Americana, consagrada no Consenso de Washington de 1989 como Destino Manifesto, os jovens resolveram envelhecer mais cedo e alguém até proclamou em seguida “O Fim da História”. Sobre isso me dou conta de que se não acabou, foi esquecida. Ninguém mais quer saber como foi o século XX. Virou passado remoto. Mergulhamos na New Age, New Politics, New Economics. Tudo novo. Novinho em folha, na última versão de Apple, que junta multidões em dias de lançamento.
Teimoso, não dou o braço a torcer e venho, aqui, lembrar que o dia 12 de outubro, além de ser o Dia da Criança, inspirando candidatos a Prefeito nas Capitais a multiplicarem propostas para equacionar os problemas que as afetam, foi também o dia em que Colombo chegou à América, dando início ao maior genocídio registrado até hoje. No México, dos 20 milhões de nativos, pouco tempo depois restou apenas1% deles. Até hoje aquele país tem menos habitantes que o Brasil, menos povoado por povos originários. Lembro-me da mais instigante charge sobre o acontecimento: Dois indiozinhos, escondidos atrás de uma grande pedra, vendo as embarcações aportarem, um deles suspira: – “Nos descobriram. Estamos f…..!”
Outro episódio sobre nossa condição colonial: Um médico gaúcho, entrevistado na TV sobre suas peripécias pelo mundo a serviço do ‘Médico Sem Fronteiras’, responde, não sem meditar um pouco, indagado sobre sua mais tocante experiência:- “Foi no Afeganistão, quando tentava explicar de onde eu era – Brasil – e aquele homem moribundo me perguntou num inglês ferido de morte qual a língua que eu falava. Português, disse-lhe e ele entre insatisfeito e indignado me contesta – Eu não lhe perguntei a língua do seu colonizador! A sua língua, por favor…!
Nisso estamos: Um continente que detinha cidades mais organizadas que na Europa invadido por alienígenas, um mundo sem sonhos comandado por 1% de suas almas, o resto esmagado por um “não-ser-vil” que semeia mortes, miséria e desespero. Neste horror vemos, instalados em Brasília, num país que se gabava, desde 1930, por ter conseguido montar, com base numa “gentidade” mestiça alimentada à “farinha de pau”, uma civilização helênica nos trópicos, os herdeiros do infame General Silvio Frota, Ministro do Exército. Ele foi demitido, precisamente no dia 12 de outubro de 1977, pelo Presidente da República, Ernesto Geisel, por traição aos ideais nacional-democráticos em curso no seu projeto de lenta, segura e gradual redemocratização.
História, meus caros leitores. Passado remoto que nem deveríamos remexer. Mas que fazer? Sobrevivemos. Temos que contar. Esse o destino dos velhos: contar.