Escrevo-lhes, hoje, de Brasília, capital do Reino, onde cultivei amores, plantei muitas árvores e escrevi história por 35 anos, de 1973 a 2003, quando voltei pra casa. Vim ver e vi o que aqui está ocorrendo nestes conturbados dias: A luta pelo poder, do lado da escala simbólica da cidade, nacional, como sede dos Poderes da República, paralela â luta pela sobrevivência do lado da sua escala comunitária, local, onde se aglomeram mais de 4 milhões de corpos e almas em busca de um lugar de fala. Dificilmente conseguem, apesar do fato de que Brasília é a região metropolitana melhor informada internamente, não só pela abundante oferta de educação, como pela miríade incalculável de veículos de comunicação: tvs, rádios, jornais comerciais e corporativos, sites, blogs etc. .
Aqui todo mundo estuda e se informa, desde que, na inauguração de Brasília em 1960, organizou-se um sistema complexo e de alto nível de ensino público. Sobre ela sobrepôs-se, com êxito, uma poderosa oferta de escolas e universidades particulares. Brasília foi receptiva com os volumosos fluxos migratórios que a preencheram e a fizeram como uma grande extensão da Nação Nordestina. Claro que o fez dentro dos parâmetros da modernidade autoritária e seletiva do Brasil: Colocando-os na periferia do Poema, aqui chamado de Planto Piloto ou Região Administrativa de Brasília – RA 1 – , fruto do Memorial de Lucio Costa hoje convertido em Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO. Aí moram, com grande luxo ambiental, estético e pessoal, não só as autoridades federais como o séquito de profissionais que os servem, seja no próprio Governo, como funcionários, seja como prestadores de outros serviços, inclusive de comércio, uma pequena parcela de cerca de 500 mil pessoas. Ainda assim, os imigrantes foram acolhidos com generosa oferta de terrenos devidamente urbanizados com altos níveis de saneamento, embora poucas áreas de lazer e recreação saudável e adequado acesso a serviços sociais. Daí porque, até hoje, o Distrito Federal, equivalente mas não juridicamente idêntico aos Estados federados – não tem substância federativa constitucional – seja a mais bem organizada unidade no contexto da União. Não se houve falar aqui de zonas controlados pelo tráfico ou milicianos. Ainda reina, mesmo com a crise, o Estado.
Há, portanto dois campos de luta: Um, entre os interesses da comunidade local contra a escala nacional da cidade, pouco visível aos visitantes e mesmo estudiosos; outro no interior do Estado pelo controle do Poder. Este, nem é novo no mundo, nem é inédito entre nós. A pugna pelo domínio de uns sobre outros existe no mundo animal, atravessou todas as civilizações e se revelou criticamente no teatro elisabetano de Shakespeare. É cruel, povoada de segredos, traições, assassinatos de gentes e verdades. A melhor narrativa sobrevive como História, à qual concorrem como principais protagonistas, no Brasil de hoje, o Presidente x CPI. Luta de morte… Hoje em dia fala-se muito em votos e democracia e tem-se a impressão que o Poder Central é uma cristalização da vontade do povo. Nada mais irreal. Eleições são apenas “acontecimentos” que emergem de um contínuo que se reproduz de tempos em tempos. Mas lá no “deep state, subsiste a burocracia fortemente enraizada nas variadas máquinas que compõem o aparelho de Estado; lá estão os Tribunais Superiores de lenta rotação em sólidos assentos da Lei; lá estão as cúpulas das forças armadas, concretadas sobre os sólidos dogmas da Ordem. Nestes últimos meses, mercê da eleição de Bolsonaro com discurso anarquista de direita anti-stablishment, de confronto permanente com Legislativo e Judiciário, em busca do seu próprio fortalecimento, as águas desta imensa lagoa institucional se agitam como nunca. Salve-se quem puder e tudo indica que Bolsonaro não se entregará com facilidade. É , mais do que um político conciliador, como foram JK, Jango, Sarney e Lula, um “cavalão”, como o chamavam na Academia Militar, marcado para se impor com cotoveladas, coices e impropérios : -“Só Deus me tira desta cadeira!” Resta-lhe, se a “saúde” permitir, um ano e meio para tentar uma reeleição cada vez mais difícil.
Ontem, dia 14 (jul/2021) tivemos um dia crítico. O Presidente, depois de várias semanas de voluntarismo físico à frente de vigorosos motoqueiros, cagando e andando para a CPI , preferindo-os ao compromisso de vigiar e punir seus próprios Ministros, tropeçou em soluços, com diagnóstico de obstrução de grave obstrução intestinal. Ao fim do dia foi internado em São Paulo para breve cirurgia. Tudo muito oportuno, numa hora em que seu prestígio despenca. A CPI, enquanto isso, recebeu a Sra. Emanuela Medrales, Diretora da Precisa Medicamentos, um dos pivôs compra suspeita de vacina que, apesar da eloquência nas convicções, afinadas com os interesses governamentais, incorreu em inúmeras contradições. Foi um dia de bombardeio cerrado de notícias. Todo mundo atento, mas ninguém sabe o que acontecerá, nem quanto ao Presidente, nem quanto `a CPI. Interrogações, mais do que certezas, se acumulam. Minha impressão: Ou Bolsonaro sai revigorado como vítima, ou cai…
Volto amanhã às ovelhas, ao vento gelado de inverno, à vastidão da solidão.