Sem hashtag ou evento em rede social, jovens agricultores da região de Torres se reúnem numa estratégia de preservação da juçara. A palmeira desempenha um papel fundamental no equilíbrio da Mata Atlântica e é uma das 1989 espécies em risco no Brasil, segundo a Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção. Mas a colheita do açaí da juçara, que na safra deste ano deve repetir a marca de mais de 20 mil quilos alcançada em 2019, contribui para que mais famílias agricultoras invistam no cultivo em bananais e quintais agroflorestais.
“Na verdade, o que nasce é espontâneo e a gente só vai fazendo o manejo. Onde tem muito a gente tira as mudas e onde não tem a gente deixa crescer”, explica Natan Fernandes, do núcleo Raposa da Associação dos Colonos Ecologistas da Região de Torres (Acert). Na metade de maio, o agricultor calculava em quase 500 quilos o resultado de duas colheitas na propriedade da família em Três Cachoeiras. “Uma de 200 quilos, outra de 250. A previsão é de uma tonelada”.
Agroflorestas regularizadas
A agrofloresta dos Fernandes tem mais de 25 anos e, assim como outras localizadas em Morrinhos do Sul, Mampituba, Torres e Três Forquilhas foi regularizada, num esforço coordenado pelo Centro Ecológico. Essa condição é um ponto destacado pelo agricultor Leonel Gauer, do grupo Ecotorres do José.
“A gente está indo em propriedades que têm certificação agroflorestal, propriedades com certificado da Rede Ecovida, onde o pessoal têm palmeira juçara em consórcio com as bananas e sistema agroflorestal, e também certificados pela Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura), que daí libera a colheita da fruta”. Para os próximos anos, Leonel pretende formar uma equipe especializada neste trabalho que requer preparo físico e experiência na seleção dos frutos.
Depois de selecionados, os frutos vão para Agroindústria Morro Azul, em Três Cachoeiras. Atualmente, segundo Rosimere Becker, uma das responsáveis pelo empreendimento, são 15 famílias fornecedoras dos frutos que, transformados em polpa, serão comercializados pela Cooperativa de Produtores Econativa.
Uso sustentável fortalece espécies e floresta
O educador Benedito Salvador Ataguile vê no uso racional do açaí da juçara o fortalecimento da palmeira e de muitas outras vidas das quais a floresta depende. Segundo a pesquisa “Contas do Ecossistema: Espécies Ameaçadas de Extinção, divulgada em novembro de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado do Brasil.
“No quesito dispersores eu acho isso incrível. Ela (a palmeira) interage com várias outras espécies, desde o processo de polinização”. O mestre em Zoologia lembra de uma experiência inusitada com um tucano resgatado. “Dentre os alimentos (orgânicos) eu fornecia muita juçara in natura e no decorrer de três meses juntei algo em torno de uns 10 litros de sementes”. O professor conta que cerca de 100% das sementes regurgitadas pela ave germinaram, enquanto que a mesma quantidade de sementes que não tinham passado pelo trato digestório do animal tiveram uma germinação muito baixa.
Novo conceito em paisagismo melhora o ambiente
Para conservar e recuperar os fragmentos da Mata Atlântica, o professor defende a educação para a coleta de sementes e a adoção de árvores nativas nos projetos de paisagismo das novas construções. “A gente vê nessas construções lindas palmeiras de outro país, que não têm polinizadores, não tem dispersor”. O professor garante que, com palmeiras nativas como a juçara, o butiá, o jerivá e outras espécies nativas, as aves teriam melhores condições de vida dentro da cidade. “Nós teríamos uma representação muito maior da floresta da Mata Atlântica aqui dentro de Torres, então essa é a cultura que a gente tem que tem que desenvolver. É imprescindível que isso seja feito”.