DIÁRIO DE MOCHILA – Ainda êxtase em Jericoacoara

Buenas! Na última edição, comecei meus relatos de minha primeira fase de Jericoacoara, a qual denomino a de “Êxtase”. Nessa coluna continuo e finalizo essa fase, o início de meu ciclo, falando um pouco de minha rotina. Boa leitura!

FOTO – Pipe com voluntários após o café da manhã (e); Final de tarde em Morro do Serrote (d)
17 de junho de 2023

Despertando

 

Acordar e dormir cedo era algo que minha longa jornada já havia me dado e que, cada vez mais, eu via que me trazia muita paz espiritual e fazia meu corpo e mente trabalharem melhor. E por Jeri eu acredito ter intensificado isso. Difícil era o dia em que eu não estava dormindo antes das 22h. E acordava sempre junto com o sol, na alvorada cearense que geralmente ocorre pelas 5h. Um dos momentos favoritos do meu dia. Era apenas eu acordado no hostel e assim ficava por algumas horas. Esquentava água para fazer meu chimarrão e por lá ficava sorvendo o mate enquanto apenas observava o dia raiando e as dezenas de pequenos pássaros que pelas árvores do hostel faziam um espetáculo de cantos e voos. Era meu primeiro momento do dia comigo mesmo. Em que eu apenas sentia minha presença e criava uma conexão com aquele micro natureza que me rodeava. Com o tempo, me permitia abrir meu celular e me atualizar de mensagens e tarefas de trabalho para o dia que se iniciava. Organizava uma lista de coisas para fazer, enquanto os primeiros hóspedes se acordavam e iam para o café da manhã (um restaurante que tínhamos como parceiro e que servia café da manhã de forma terceirizada para nossos hóspedes). O meu dejejum e dos voluntários era feito por mim. Isso foi algo que decidi incorporar em minha gestão. Os donos não costumavam dar esse benefício aos voluntários, o que desde o início, não abri mão de ter. Primeiro para valorizar os seus trabalhos. Já fui voluntário, sei que isso muda positivamente muito o contexto. Segundo, porque era um momento nosso, para mais descontração. Muitas vezes, após comermos, eu pegava meu violão (sim, levei um violão para Jeri) e cantávamos alguns bons reggaes para começar o dia em alta. Após isso, as 10h, todos iam para suas funções e o trabalho começava.

Meu trabalho, nessas primeiras semanas, não me exigia muito. Pelo menos pelo meu parâmetro para trabalho. Geralmente era entre as 10h e as 16h que eu focava 100% nele. Receber hóspedes e interagir com eles (o que eu amava), gerenciar o trabalho dos voluntários, fazer compras de materiais necessários à operação e trocar uma ideia com os donos do hostel. E no meio disso, uma rápida parada para almoçar em um restaurante mais em conta que achei e virei cliente vip. Como eram dois hostels, eu precisava estar alternando entre um e outro. Nada que uma caminhada de 5 minutos não resolvesse. Era alta temporada e ambos hostels, normalmente estavam sempre cheios. Mas mesmo assim, conseguia resolver tudo que precisava até o meio da tarde. Como eu disse, dentro desses horários, absolutamente focado no trabalho. E sempre fazendo tudo com muita naturalidade e felicidade. Um tipo de trabalho que eu nunca havia experimentado com essa plenitude toda. Quando o dia se apontava para o final da tarde, e eu já entendia que tudo que tinha para ser feito já estava resolvido, meu corpo e mente já começavam a relaxar mais. Era quando eu ia ao meu segundo momento comigo mesmo do dia.

 

Entardecer

O pôr do sol de Jericoacoara é especial por si só. Quem já foi sabe. E desde minha primeira passagem por Jeri, 2 meses antes, eu já havia descoberto um lugar mais especial ainda para admirar esse espetáculo diário que a natureza nos dá. Em cima do Morro do Serrote, um dos cartões postais de Jeri. Um ponto em que, na grande maioria das vezes, apenas eu estava lá. E isso era um dos motivos que me faziam ter essa rotina diária até esse cantinho. Durante minha jornada me acostumei muito a ficar sozinho. E mais ainda, em momentos com a natureza. E aprendi a ter um gosto gigantesco por momentos assim. Era quando eu conseguia esquecer de tudo e estar em paz. Me conectar comigo mesmo e com a natureza. Isso passou a ser algo muito natural para mim. E em Jeri, eu não queria e nem podia perder isso. Era algum tipo de terapia que meu ser mais profundo me pedia diariamente. Quando eu desligava minha mente e só observava aquele espetáculo em minha frente. Eu, o sol, a imensidão do mar e os passarinhos, assim como no amanhecer. Era nesse momento do dia que eu tinha momentos meditativos mágicos e, normalmente, chorava. Chorava de felicidade. Por estar vivo e existindo. Por estar sentindo tudo aquilo que eu estava sentindo. Por conseguir de fato ver e sentir toda aquela natureza exuberante que se escancarava em minha frente. Por me sentir parte do universo. Todos meus finais de tarde eram assim. E isso, para mim, não era normal. Em alguns momentos de minha jornada eu consegui atingir pontos como esse, mas em Jeri eram todos os dias. Eu passei a ver a natureza e me conectar com ela de uma forma que contínua que eu nunca havia chegado nem perto. É difícil de explicar. Algo que, naquele momento, eu não sabia nem queria entender de onde vinha, apenas vivia e sentia minha presença no todo.

FOTO – Pipe com hóspedes do Hostel

 

O ápice

Após meus finais de tarde, eu voltava como uma pluma para o hostel. Conversava com os hóspedes e voluntários, mas já desligado do trabalho. Apenas conversas filosóficas sobre a vida, viagens e coisas do gênero. Meu melhor momento do dia no quesito interação. Quando a troca de energia entre todos era gigantesca e leve. E após tomar um banho e comer alguma coisa simples e rápida que eu cozinhava, ia para o grande desfecho do meu dia. Algo que nem todo dia acontecia, mas que na grande maioria dos dias sim. Meu terceiro momento comigo mesmo de minha rotina diária. Em Jericoacoara existe uma muito famosa festa chamada Café Jeri. Lugar que não combina em absolutamente nada comigo, num primeiro momento. Ambiente sofisticado, pessoas bebendo e usando drogas, mulheres absolutamente maquiadas, homens bombados tomando seus drinks, camarotes, ostentação etc. Enfim, tipo de ambiente que não se encaixava mais com meu estilo de vida. Mas porque o Felipe ia todas as noites até lá? Bom, primeiro porque morador não pagava para entrar (e eu era um). Mas o principal: música eletrônica. Algo que eu sempre gostei, desde jovem. Mas que, ao longo da minha vida, para eu conseguir me soltar e dançar era sempre acompanhado de muita bebida e, em poucas vezes, drogas químicas. As mais comuns de serem usadas em festas eletrônicas. Pois conseguem dar um nível enérgico e, principalmente, de presença e autoconfiança muito forte em quem as usa. Mas já fazia mais de ano que eu nem bebia mais. Quem dirá usar drogas. Eu virei um grande de um ‘careta’. Isso, porque cada vez mais não sentia nenhuma vontade de usar algo que alterasse meu estado psíquico. Eu estava bem comigo mesmo. E em Jeri, caprichosamente bem. Eu já estava naturalmente drogado. Meu cérebro estava liberando a todo momento níveis de enzimas ou coisas do tipo que, muitas vezes, me fazia sentir como se tivesse usado alguma droga. E no Café Jeri era quando isso ficava mais escancarado. Eu não ia para lá para conhecer pessoas. Inclusive, muitas vezes ia sozinho. Outras eu ia com hóspedes e voluntários. Mas o meu principal objetivo era dançar. Mas quando falo dançar, não falo de uma forma convencional. Era algo meio descontrolado. Ou talvez o contrário. Eu estava com tanto controle de minha mente que ela me jogava para um plano além nesses momentos de dança. Eu entrava em um estado meditativo completo e simplesmente ignorava tudo e todos ao redor. Era só eu e a música. Numa mesma frequência. Com um sorriso gigantesco estampado em meu rosto.

O que me encanta da música eletrônica é que sua dança não possui nenhum tipo de regra ou padrão. Tudo é liberado. E no Café Jeri eu ia a fundo nisso. Quem me olhava não entendia nada. Primeiro por eu estar com minhas roupas simples e descalço. Segundo, pela forma como eu dançava. Uma entrega total. Era o ápice de toda essa minha energia de felicidade e presença que se apoderou de mim em Jericoacoara. E o mais interessante, era que as pessoas que me viam, apesar de ver meus movimentos completamente fora do comum de qualquer dança convencional, conseguiam sentir e entender que eu não estava drogado. Alguns vinham até mim e me perguntavam como eu conseguia estar daquele jeito sem usar nada. Eu só sorria como resposta e seguia na minha dança. No Café Jeri, eu não queria falar com ninguém. Só queria estar naquele momento comigo mesmo. Não queria nada nem ninguém que pudessem me tirar daquela frequência. Nem mesmo as lindas mulheres, de todos os cantos do mundo, que se aproximavam de mim com segundos interesses. Apesar de dançar uma dança meio esquisita, eu exalava autoconfiança. O que, na minha opinião, é o que mais genuinamente faz uma mulher se atrair por um homem. Mas eu não queria ninguém. Não precisava de ninguém. E isso para mim não era normal. E acredito que para a maioria das pessoas do mundo. Era um nível de presença e autoconfiança tão potente que não me permitiam querer me conectar com ninguém. Assunto que em outro momento devo falar com mais detalhes por aqui. Eu durava umas 2h no máximo nesse ritmo. Uma hora minhas pernas não aguentavam mais. Normalmente, minha roupa estava encharcada de suor. Eu saía da festa ainda cedo, perto das 21h, num nível enérgico fora do comum. Continuava numa sensação de como se estivesse drogado. Quem estava por perto entendia isso. Mas eu não me prolongava muito. Logo já voltava para o hostel, tomava um banho e ia dormir ainda cedo. Não podia perder meu amanhecer com os passarinhos no dia seguinte.

Na próxima semana, começo a explanar sobre minha segunda fase de Jericoacoara, a de “Intensidade”. Até lá!


Publicado em: Turismo






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