DIÁRIO DE MOCHILA – Da Serra da Capivara ao Sertão Pernambucano

Buenas! Na última semana relatei meus primeiros dias pelo sertão do Piauí. Nessa edição conto como foram as semanas seguintes por lá e meu retorno ao litoral. Boa leitura!

FOTO - Pipe na Serra da Capivara
26 de novembro de 2022

Trocando de parques

 

Após os dias que fiquei perambulando pelos povoados e trilhas da Serra das Confusões, no sertão do Piauí, me desloquei para outro parque nacional muito próximo: o Parque Nacional da Serra da Capivara. Esse, muito mais famoso e turístico que o anterior. Mas por que essa fama toda? Vários motivos. Primeiro, por ser a região com a maior concentração de pinturas rupestres da América Latina. Segundo, por algumas dessas pinturas serem umas das mais importantes já encontradas no mundo. Terceiro, por possuir cenários naturais lindíssimos, complementados com uma vida selvagem muito farta. Onças pintadas, por exemplo, não faltavam por lá. O Parque Nacional mais organizado que conheci até hoje no Brasil. Porém, para o meu estilo de viagem isso acaba sendo um problema. Tudo que é muito organizado acaba ficando mais burocrático e custoso. As dezenas de trilhas por lá, por exemplo, têm a exigência de serem feitas com o acompanhamento de algum guia local, que cobra uma diária mínima de 200,00. Em mais de 2 anos de estrada eu nunca havia gasto nada com guias. Nada contra. Apenas prefiro caminhar na natureza sozinho, sem ninguém me dizendo o que posso ou não posso fazer. Além disso, economizava um belo montante. Acho que, até hoje, se eu usasse guias em todas trilhas que já fiz, teria gasto algo próximo ao valor de um carro popular. E meu currículo no mato já era extenso. Eu já tinha uma boa consciência sobre o cuidados que deveria ter comigo mesmo e com a natureza. Mas as burocracias do parque não estão nem aí pra isso. Então tive que criar meus caminhos alternativos para conhecer tudo que ele oferecia.

 

Serra da Capivara e nossa origem

Nos primeiros dias fiz umas trilhas mais alternativas que não tinham nenhum tipo de fiscalização. Foi fácil de não ser pego. E nessas primeiras caminhadas já vi todo o potencial que esse parque possuía. Uma caatinga intocada, com muita vida animal, serras grandiosas e muitas, muitas pinturas rupestres. Os locais onde elas são encontradas são chamados de “tocas”. Porque de fato, são tocas. Tocas onde nossos ancestrais de até 100mil anos atrás moravam. Locais com uma proteção natural de pedras contra chuvas, ventos e frio. E por lá ter sido a casa deles, eram feitas as tão mágicas pinturas. A dedo. Algumas com uma interpretação clara (por exemplo, a imagem de um veado), outras, por não ter uma forma e explicação muito clara, com a interpretação aberta. E essas eram as que eu mais me atinha. Ficar imaginando o que eles queriam dizer com aquilo. Entender um pouco do dia a dia desses povos. O mais claro era o quão eles eram conectados com a natureza e viviam em harmonia com ela. Óbvio, era tudo que eles tinham. Não existiam prédios, estradas, carros, celulares, televisões, comida industrializada, tiktok, etc. Apenas a natureza. Algo que a nossa atual sociedade vem perdendo cada vez mais e acredito ser um dos maiores problemas do mundo moderno. Esquecemos que somos animais e que nada nunca vai ser mais natural para nos do que estarmos o mais próximo possível de tudo que a terra nos da de forma orgânica. Não daquilo que criamos. Daquilo que a natureza cria. Nos somos resultado da natureza. Não fomos criados em uma indústria. Somos animais, teoricamente, mais “evoluídos” (mesmo muitas vezes parecendo o oposto a isso). A maior prova disso somos nós diante de situações como o sexo, por exemplo. Esse é apenas um dos vários momentos que nosso instinto animal vem a tona e que ficamos mais selvagens. Nunca esqueçamos disso. A natureza é o nosso verdadeiro e real ambiente. E tudo que está dentro dela também.

“O Beijo”, pintura mais famosa do Parna Capivara

 

Me adaptando

 

Nesses primeiros dias eu estava acampado em um posto de gasolina. Talvez o local mais comum que costumo dormir. Por ter banheiro, banho, segurança, água e comida (que muitas vezes acabo ganhando). Um verdadeiro hotel. Após esses primeiros dias, rumei ao povoado onde os principais atrativos do parque se encontravam. Sítio do Mocó. E seguindo mais ou menos uma linha do que eu já estava testando para mim mesmo nos últimos meses, resolvi procurar o único camping que havia por lá para trocar serviço por estadia. E consegui. Fiquei uma semana por lá, varrendo folhas secas do muito grande terreno do local. Nas horas vagas, fazia alguma trilha. Como as trilhas de lá eram as mais famosas, a fiscalização era muito grande. Em algumas delas foi inviável eu ir sozinho. Mas pelos meus princípios, me negava a gastar um valor tão alto com guias. Então, ficava na portaria do parque esperando algum grupo de turistas que me aceitassem para ir junto. E consegui algumas vezes. Consegui ver tudo que eu queria ver por lá. E indico a todos um dia na vida conhecer esse parque. É muita beleza e história envolvida. Para se ter noção, o primeiro homem americano (de todas as Américas) nasceu lá. Depois, se espalhou pelos outros cantos do continente dando origem a todas tribos existentes até a “descoberta” da América, quando o homem europeu chegou e começou a escraviza-los ou dizimá-los.

 

As verdades batendo na porta

Nas cerca de 3 semanas que girei pelo sertão do Piauí, criei um desafio pessoal de tentar para de fumar (sou fumante desde meus 17 anos). A ideia era ir reduzindo semana a semana até parar de vez. Consegui? Não. Reduzi bastante? Sim. Porém, apesar de esse período ter sido mágico no aspecto de conexões com a natureza e moradores locais, me senti muito ansioso de uma forma geral. Claro, parar de fumar não é fácil. Existe o vício químico e o psicológico. Eu determinava horários do dia em que eu poderia usar. E essa espera pelos horários me deixavam meio angustiado. Mas não foi só isso. Eu compreendi que a minha relação com a tabaco era muito maior do que eu imaginava. Ele era uma companhia para mim. Alguém que estava comigo em momentos mais isolados. E estar sem ele, ou cada vez mais distante dele, fez meu sentimento de solidão ser maior em alguns períodos. Inclusive, fazendo voltar antigos pensamentos que eu já pensava ter resolvido em minha mente. Entendi que eu realmente ainda tinha muitas confusões dentro de mim. Ainda relacionado aos meus questionamentos quando estava no litoral do nordeste após minha separação com Isa. Ir para o sertão nordestino mais afastado das redes sociais me fez muito bem. Eu estava chegando a boas conclusões. Mas ainda tinha várias questões para serem ajustadas. Eu podia sentir isso, mas não entender o que era. E essa é uma sensação muito ruim. Te deixa num alto nível de angústia porque tu quer resolver aquilo o quanto antes. Em resumo, meu instinto começou a me dizer que eu precisava parar por uns dias. Sozinho. Com o mínimo de estabilidade para poder dedicar meu tempo apenas aos meus pensamentos. Entrar dentro de mim. Tentar descobrir o que de fato estava se passando no Felipe. Mas em meus estilo de viagem, não gasto com estadia. Onde eu acharia um lugar assim? Passei a desejar muito que isso acontecesse de alguma forma mágica. Daqui a pouco explico como isso terminou.

 

São João nordestino

FOTO – Pipe no São João em Arcoverde

Após o Piauí, retornei a uma cidade que eu já conhecia para curtir as festas de São João. Arcoverde, no sertão do Pernambuco, tem umas das mais bem conceituadas do nordeste. Por lá fiquei 15 dias na casa de um casal que eram amigos de uma amiga e me acolheram muito bem. Rafa e Indira são casados, mas são adeptos do “amor livre”. Relacionamento aberto. Eu já havia tido contato com casais assim mas, como eles, não. Apesar de poderem se relacionar com outras pessoas, possuem uma conexão rara de ver por aí entre um casal. Amor puro. E nesses dias por lá aproveitei muito as dezenas de shows típicos da cultura nordestina que ocorreram. O difícil pra mim foi me adaptar aos horários mais noturnos. Em meu dia a dia sou algo parecido com um galo. Durmo com o sol e acordo com ele. Os primeiros dias foram difíceis, mas depois consegui entrar no ritmo. E o melhor foi que consegui aproveitar intensamente as festas de São João sem precisar beber (algo que eu já não fazia ha meses).

 

O universo e suas magias

 

Saindo de Arcoverde, no dia do meu aniversário (2 de julho), peguei uma carona para Recife. Eu comemoraria meu dia por lá com minha família recifense que eu havia feito ainda em março. E essa carona foi diferente. Uma caminhonete parou pra mim. Essas novas, caras. O que para mim é muito raro. Gabriel o nome dele. Nome de anjo. Paulista que havia se mudado com a família para João Pessoa recentemente. Ele estava com alguns investimentos em Arcoverde e se revezava entre as duas cidades. Conversamos por bastante tempo, até ele me deixar em recife. E quando comentei de talvez passar em João Pessoa para conhecer, ele me disse que tinha um apto dele desocupado nessa capital. Novo, mobiliado, a duas quadras da praia. Disse que eu poderia ficar algumas semanas sozinho por lá, se quisesse. No dia do meu aniversário. E aquilo que eu mais vinha desejando. Detalhe é que eu não havia comentado nada com ele a respeito disso. O universo é doido demais.

Na próximo semana conto das semanas que fiquei pela capital paraibana, período de minha vida que julgo ter sido o que mais entrei a fundo em minha mente. Até lá!


Publicado em: Turismo






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