DIÁRIO DE MOCHILA – Dos manguezais de guaiamuns rumo à capital cearense

Buenas! Na semana anterior relatei sobre minha chegada ao povoado do Cumbe e de todos os acolhimentos que tive. Nessa edição eu falo da forma nada convencional que sai de lá e da sequência dos meus dias. Boa leitura!

Ronaldo indo em busca de Guaiamuns (D); e os Guaiamuns no estoque de Ronaldo (E)
25 de fevereiro de 2023

Mais um pouco do Cumbe

 

Minha passagem pelo Cumbe estava sendo rápida, mas mágica. Em meu primeiro dia por lá fui acolhido pelo Seu Correia, que além de tudo, me levou no município de Aracati e me deu uma aula sobre a história da região. Como meu objetivo era atravessar o Rio Jaguaribe e seguir rumo ao oeste do litoral cearense, fui em busca de algum pescador da comunidade que pudesse me ajudar a fazer essa travessia. Cheguei então no Ronaldo, que me acolheu tão bem quanto meu primeiro anfitrião. Me colocou dentro de sua casa, me deu comida e me prometeu levar para o outro lado do Jaguaribe cedo pela manhã. E para finalizar, combinamos que eu poderia ajudá-lo na captura dos caranguejos, antes de eu seguir minha viagem. Essa era uma experiência que eu ainda não havia tido mas que sempre tive vontade. O litoral nordestino é recheado de áreas de manguezais. Locais que por muitos é visto com um certo preconceito, principalmente pelo forte cheiro de lodo que exala. Porém, os mangues são santuários da vida marinha e fluvial. Diversos são os animais que por lá residem, ou se direcionam para o período de reprodução. E os caranguejos são talvez os mais vistos nesse eco sistema. E a base da economia de muitos pequenos povoados do nordeste brasileiro. Vendem os animais a preço de nada. Possivelmente para um intermediário que acaba lucrando muito mais com o repasse para restaurantes e afins. E o trabalho que se tem para caçar o animal é totalmente artesanal. Muito difícil. Enfim, problemas do sistema em que vivemos onde a base nunca é valorizada, e sim, relativamente explorada.

 

Explorando Manguezais

 

Eu e Ronaldo acordamos ainda na madrugada para sair para a labuta. Tomamos um café da manhã reforçado e, após isso, ele me levou em seu “estoque”. Uma pequena sala tomada por centenas de Guaiamuns. Uma espécie de caranguejo que Ronaldo costumava caçar. Era engraçado caminhar em direção a eles que rapidamente se afastavam e se aglomeravam nos cantos do cômodo. Caminhamos até seu pequeno barco. Estava amanhecendo quando Ronaldo ligou o motor e começamos a cruzar os braços dos mangues do rio Jaguaribe. Uma beleza ímpar. No caminho, ia assistindo os caranguejos e aves que, da mesma forma que Ronaldo, iniciavam seus dias em busca de alimento. Após alguns bons minutos chegamos no Rio Jaguaribe e Ronaldo foi até o ponto em que, no dia anterior, ele havia colocado as armadilhas para capturar suas presas. Fiquei impressionado como ele sabia exatamente identificar esse ponto que, todo dia muda. Para mim aquela vastidão dos manguezais eram exatamente iguais. Descemos do barco e começamos uma caminhada por entre as retorcidas árvores de lá. No início, pisando fundo na lama que chegava até o joelho. E eu com meu único tênis. Tudo bem, depois eu o lavaria.  Após um tempo a terra já aparecia mais seca e aí sim conseguimos andar de uma forma mais convencional. Mas uma horda de inimigos surgiu. Mosquitos. Milhares deles. Desde os dias em que eu havia passado pelo Pará que eu não via tantos ao mesmo tempo. E eu de bermuda e sem camiseta. Daí fui entender o porquê de Ronaldo estar de calça e uma blusa comprida com capuz. Era impossível ficar parado. Eu cantava músicas e dançava para me desviar dos inimigos. Ronaldo dava risada.

 

Guaiamum

FOTO – Pipe e Ronaldo

 

Eram alguns passos de caminhadas e parávamos para checar se as armadilhas haviam dado certo: 90% de sucesso. Essa era a média que Ronaldo já sabia muito bem. Uma garrafa Pet cortada ao meio com uma isca (normalmente abacaxi. Sim, caranguejos adoram abacaxi) dentro e um pedaço de madeira envolto por um forte elástico. Armadilha artesanal que o próprio Ronaldo confeccionava. Quando abríamos ela, lá estava ele. O Guaiamum. Solitário e desolado por ter caído na armadilha. Não vou mentir, essa parte me deixava triste. Ao longo da estrada venho questionando cada vez mais o consumo de qualquer tipo de carne. Principalmente quando se trata de caça ou produção para o consumo de terceiros. Quando se é para consumo próprio, eu tenho mais facilidade de assimilar. Mas Ronaldo estava caçando para repassar a terceiros que repassariam novamente até aquele Guaiamum chegar ao prato de algum turista em alguma cidade litorânea do nordeste que paga caro por aquilo. E o pior, Ronaldo ganha uma muito pequena parcela dessa conta, fazendo o mais complicado trabalho. Mas enfim, é o ganha pão dele e de diversos outros Ronaldos. Eu tento focar pelo menos nesse lado.

No balanço final, foram mais de 30 Guaiamuns captura dos e colocados em uma grande cesta. Obviamente, todos vivos. Voltamos ao barco para Ronaldo então me levar até o outro lado do rio, em um pequeno povoado, para eu seguir minha viagem. Mas antes disso ele fez questão de me levar para passear, apesar de eu insistir para ele não fazer isso e gastar sua gasolina. Fomos até a foz do rio. Uma bela imagem da água doce se encontrando com a salgada. Retornamos mais alguns milímetros rio a dentro até chegar ao meu destino final, onde eu partiria e deixaria Ronaldo. Me despedi com um forte abraço e trocamos belas palavras um para o outro. Foi um cara que me marcou. Pela sua simplicidade, educação e simpatia. Minha passagem pelo povoado do Cumbe havia sido muito especial.

 

Seguindo viagem

 

Meus dias seguintes, seguindo em direção ao litoral oeste do Ceará, foram pipocando por alguns outros povoados e pequenos vilarejos de pescadores. Na maioria do tempo sem muita interação com os moradores. Aos poucos as paisagens foram ficando cada vez mais comuns para mim. Eu sentia que o deslumbre que eu havia adquirido com minha chegada no litoral cearense já estava diminuindo. E novamente, minha sensação de solidão continuava a aparecer em grande parte dos dias que se passaram. Quanto mais o tempo corria, mais ficava claro para mim que minha jornada, naquele momento e naquele estilo estavam chegando ao fim. Eu tinha alguns mágicos períodos, como os dias que passei no Cumbe, que as vezes até me faziam mudar de ideia. Mas eu não tinha controle sobre isso. Era uma grande loteria. Por muitos momentos, nos últimos anos, eu não dependia disso para estar bem e ser feliz pois tudo me deslumbrava. Mas como já falei por aqui algumas vezes, essa balança ficava cada vez mais negativa. Meu alento era saber que em breve eu retornaria ao sul para estar próximo de minha família e assim conseguir decidir meu futuro. E outro era saber que, no fundo, que as semanas seguintes ainda me revelariam muitas novidades sobre esse caminho. Eu podia sentir isso. Canalizava em meus pensamentos que tudo ficaria bem. Que eu estava cada vez chegando mais perto de um desfecho para toda aquela confusão dos últimos meses e me encontraria novamente. Eu fecharia de vez aquele ciclo para começar outro. Outro ciclo que eu ainda não sabia exatamente qual seria, mas que me indicava estar mais tempo parado no mesmo lugar. Tudo se ajeitaria.

 

Chegando na capital

 

Com o passar dos dias, eu me aproximava da capital cearense. E dentro do meu contexto, estar em uma grande cidade podendo desfrutar de mais companhias poderiam me fazer bem. Geralmente, capitais sempre foram as minhas paradas para criar laços. Primeiro porque eu não dormia pelas ruas como fazia em pequenas cidades. Sempre buscava algum amigo ou conhecido para me alojar. Então, de cara, eu já tinha algum tipo de companhia. E essa estabilidade também me proporcionava um ambiente mais favorável para criar outros tipos de laços. Além disso, eu particularmente amava caminhar pelas ruas do centro das grandes capitais. Para mim, é onde o coração da cidade habita. E o de se pode ver a verdadeira essência da capital e as vezes do estado. Onde a cultura e a história do lugar se complementam.

Então decidi rumar a Fortaleza. Até passei reto por algumas praias que eu poderia conhecer, mas que eu sabia que seria o mais do mesmo. E meu tempo estava curto. Ainda havia muito caminho para eu chegar ao extremo oeste do litoral cearense, onde eu havia decidido que seria minha última parada antes de retornar ao sul.

Na semana que vem conto do meu período por Fortaleza e de minha sequência de descobertas internas. Até lá!


Publicado em: Turismo






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