DIÁRIO DE MOCHILA – Em busca de minhas raízes no Ceará

Buenas! Na última edição falei de minha primeira passagem por Jericoacoara, no litoral cearense, e de como tudo isso havia mudado algo em mim. Agora falo de minha saída de lá e de buscas por alguns familiares perdidos nessa região. Boa leitura!

FOTO: Quadro antigo, do tataravô de Felipe, Leonel (e); Pipe com o parente cearense Alexandre, em Camocim
16 de abril de 2023

Até mais, Jeri

 

Meu período em Jericoacoara me mostrou muita coisa. Um pouco sobre o que eu estava realmente buscando e que ajudaria a organizar o meu futuro. Sai de lá com uma proposta para ser gerente de um hostel (eu que não trabalhava formalmente já fazia quase 3 anos), mas preferi não decidir nada antes de ir para o sul e ver minha família. Sentir o que sentiria por lá para entender se essa minha volta para Jeri faria sentido. E eu estava na iminência de fazer isso. Após Jeri, minha ideia seria passar em alguns outros locais do litoral cearense para, então, entrar em um caminhão e descer até o Rio Grande do Sul. Foi um período com uma mescla de sentimentos para mim. Primeiro, feliz por voltar para a estrada depois de quase 20 dias parado em Jeri. Não vou mentir, eu estava com uma saudade, mesmo já entendendo que era hora de parar. Segundo: feliz também por saber que em breve minhas angústias do futuro se resolveriam. Mas essas angústias dão angústia. Esse era o sentimento ruim. A ansiedade de precisar chegar até um lugar para poder decidir o futuro. A previsibilidade do futuro, por mais mínima que seja, nos conforta. E era esse conforto que a tanto tempo eu buscava. Talvez tu vá me perguntar por que não fui direto para o sul. A vontade era essa. Mas a questão era nobre. Meu já falecido avô materno nasceu em uma pequena cidade do litoral cearense chamada Camocim. Que, casualmente, ficava ao lado de Jericoacoara. E eu e minha família havíamos perdido por completo o contato com esse lado de nosso sangue. Ninguém sabia direito quem estava vivo, morto e quem nasceu nesse meio tempo. Meu avô foi muito cedo para o sul e por lá ficou. E por questões de desentendimentos com um dos seus irmãos, esse afastamento geográfico que já era grande, passou a ficar maior ainda. Mas sempre fui muito ligado a família. E naquele momento, saber mais sobre as minhas raízes era algo que me deixava muito empolgado. Então, rumei para Camocim.

 

Em busca de minhas raízes

FOTO – orla de Camocim

Uma pequena (não tanto assim) cidade do litoral do Ceará com uma forte cultura de pesca. Com muito vento, como todas da região. O sobrenome da minha família por lá é muito forte. Digamos que é uma linhagem mais “nobre” do município. Ao ponto do nome do meu bisavô ser o nome da rua principal do centro. Fui à prefeitura buscar informações sobre possíveis familiares meus que morassem por lá. Me falaram que um deles tinha uma clínica veterinária próxima à praça central, a qual fui averiguar. Chegando lá, uma atendente da clínica me disse que ele havia saído e que já já voltaria. Não entendeu nada. Um andarilho suado, com roupas puídas e rasgadas, uma muito grande e suja mochila nas costas perguntando sobre seu patrão, um veterinário. Eu disse que esperaria pela frente da loja, e por lá me sentei até que meu primo chegasse. Alexandre o nome dele. Primo irmão da minha mãe. Quando o vi, já reparei na hora a semelhança com toda minha família do lado materno. Era a cara do meu primo que mora no sul. Fiquei numa empolgação muito grande. Eu estava encontrando pela primeira vez um primo meu que nem sabia que existia. Porém, acho que num primeiro momento o assustei. Andar por aí do jeito que ando já se tornou algo tão comum para mim que não paro para pensar que não é algo “comum” para a sociedade. Principalmente numa pequena e conservadora cidade do Ceará. E minha família é uma das mais “tradicionais” de lá. Alexandre não esboçou uma reação de muita felicidade. Mesmo depois de eu dizer que era seu primo. Acho que o impacto foi muito grande. Não julgo, talvez o Felipe de 3 anos antes reagiria de uma forma parecida. Mas conversamos. Ele me atualizou sobre todos os familiares que moravam por lá e eu fiz o mesmo, falando dos meus parentes diretos do sul. Após isso, e eu demonstrar total interesse em conhecer o casarão da família, ele me levou até lá. A casa onde meu amado vô nasceu e se criou. Não poderia perder essa oportunidade. E de quebra, talvez a casa mais antiga da cidade. O que, para eu que amo antiguidades e história, era um prato cheio. Alexandre me mostrou cada cômodo e os belos móveis, da época dos meus tataravôs, que haviam por lá. Fiquei deslumbrado com tudo. Foi como preencher um pouco de minha ancestralidade. Fui para Camocim de sangue doce, como sempre faço em minha vida. Sem muitas expectativas e deixando as coisas acontecerem. E só essa pequena conversa que tive com meu primo, junto com essa bela visita na casa da família, já superou aquele nada que eu esperava. Como no momento não havia mais parentes na cidade e não recebi nenhum convite para ficar mais, no mesmo dia já me desloquei para Sobral, cidade do sertão cearense onde minha tia avó havia feito sua vida e nome.

FOTO – Antepassado de Pipe: nome de Rua em Camocim

 

Escolas da estrada

 

A carona que peguei de Camocim para Sobral foi muito atípica. Eu estava em um posto de gasolina na saída da cidade, depois de andar uns vários quilômetros, descansado numa sombra e conversando com os frentistas. O sol dessa região do Ceará é cruel. Quando aparecia um carro para abastecer, eu já aproveitava para tentar alguma carona. O não eu já tinha. Se tem uma coisa que eu aprendi bem em minha jornada é sobre isso. Normalmente, instintivamente, temos um certo receio de receber um não, pois ele pode abalar nossa autoconfiança. O medo de errar. Mas pedir carona é uma aula de aprender a não se abalar com isso. Porque, na grande maioria dos casos, o que se vai receber é um não. As vezes mascarado de uma bela desculpa para não ficar tão escancarado, mas continua sendo um não. Assim como aprendi vendendo palhas italianas (o doce) pelas ruas do país. Tem que se ter uma boa presença de espírito para receber o não. Não se abalar emocionalmente. Manter a boa energia. Isso é importante. Porque se vamos nos abalando com os nãos, o sim fica cada vez mais distante. Entender que tentar faz parte e que o próximo vai dar certo. Então eu aprendi a ter um sangue doce muito grande para isso é que acabou se estendendo para todos outros setores de minha vida. Sempre chegava sem expectativa nenhuma, mas ao mesmo tempo com uma energia necessária para que aquilo desse certo. E voltando ao posto de gasolina que eu estava, eis que para um belo carro de luxo para abastecer. Um tipo de caso em que o não é quase garantido. Mas eu sempre tento tudo. Até porque me divirto e aprendo com cada situação. Era um homem com um terno muito bem alinhado que estava no volante. Cada vez ficava mais distante a possibilidade da carona dar certo. Eu todo suado, esfarrapado, cabelo bagunçado e aquela mochila gigante com um facão pendurado. Porém, ao perguntar para ele se poderia me dar uma carona, ele respondeu de pronto: “Bora, entra aí”. Com total naturalidade. Nem fez nenhuma cara de constrangimento. Ao entrar cheguei a ficar com pena do tão limpo e cheiroso carro e seu banco de couro. Principalmente em relação a minha mochila. Essa mochila já passou por lugares tão caóticos que as vezes tenho medo até de colocar ela no chão e sujar ele. Quem dirá num banco de couro de um carro daqueles. O dono do carro reparou que eu estava meio sem jeito e me disse para ficar tranquilo e colocar a mochila onde eu quisesse. Fiz isso e pegamos estrada. Os frentistas não acreditaram na cena. E o melhor de tudo era que ele estava indo exatamente para Sobral, meu destino. Um advogado bem-sucedido, mas com uma simplicidade gigantesca. Conversando um pouco com ele entendi o porquê. O jovem rapaz veio de uma família muito humilde do sertão e chegou a passar fome em sua infância. Cresceu profissionalmente por conta própria, mas nunca perdeu sua essência de solidariedade. E além disso, ficou super interessado em saber quem eu era e qual era minha história. Ele desabafou comigo que as vezes tem vontade de largar tudo também e fazer a mesma coisa. Vi muito do Felipe em sua antiga vida nele. Jovem, bem-sucedido, fez tudo por conta própria, uma namorada e querendo sair por aí. Minha dica, depois de várias conversas que tivemos, foi de ele seguir sua intuição. Se ouvir. O que procuro dizer para todos. Em poucas horas chegamos em Sobral, considerada a mais quente cidade do tão quente Ceará.

Na próxima edição conto como foi minha passagem por essa cidade e o início de minha (longa) jornada de volta ao sul. Até lá!


Publicado em: Geral






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