DIÁRIO DE MOCHILA – Intensidade (e israelenses) em Jericoacoara

Buenas! Na última semana falei de minha rotina de pura felicidade em minhas primeiras semanas por Jericoacoara. Nessa edição, passo para minha segunda fase por lá. Boa leitura!

FOTO – Pipe e primeiro grupo de israelenses que chegou no Hostel em Jeri
24 de junho de 2023

Troca de fases

 

Felicidade. Muita felicidade. Era o que eu estava tendo de forma quase que ininterrupta em minhas primeiras semanas em Jeri, como relatei um pouco em minha coluna das semanas anteriores. Uma energia muito pura e poderosa emanava de mim a todo momento, onde quer que eu estivesse. Como também disse na última semana, uma felicidade que não busquei entender exatamente de onde vinha e o porquê dela. Apenas vivi aquilo. Vivi dentro de uma pequena rotina que aos poucos fui criando em meu dia a dia de Jericoacoara. Linhas tênues que consegui criar para dividir meus momentos comigo mesmo, com momentos de lazer e de trabalho. Minha antiga vida, quando era empresário em Porto Alegre, já havia me provado que viver apenas para trabalhar não me trazia mais sentido. E levei isso de uma forma muito clara para Jeri. Mesmo eu estando num tipo de trabalho que eu não via como um trabalho convencional. Era algo que eu fazia com total felicidade. Nunca trabalhei de uma forma tão natural. Fazendo algo que eu gostava e sendo eu mesmo a todo tempo. Mesmo assim, queria aproveitar essa felicidade toda que estava dentro de mim em momentos meus, de puro lazer. E consegui fazer isso. Principalmente nesse primeiro mês de Jeri. Nessa primeira fase que denominei da fase de “Êxtase”, onde tudo parecia ser um grande sonho. Mas todo sonho acaba. Ou simplesmente muda. Não existem sonhos eternos.

E Jericoacoara me mostrou sua outra face a partir do meio do mês de janeiro desse ano em que estamos, quando se iniciou minha segunda fase por Jeri, que batizei da de “Intensidade”. Simplesmente porque foram cerca de 30 dias extremamente intensos. Em todos os sentidos. Os bons e os ruins. Até aquele momento, eu estava tomado apenas pelas sensações positivas. Mas infelizmente nunca conseguiremos ter total controle sobre nossas vidas. É nesses momentos que algumas ações externas podem vir como verdadeiras bombas de uma hora para outra e mudar tudo. E é sobre essa fase que começarei a explanar aqui em minha coluna nessa semana. E como minha sequência já vem de bons momentos e boas energias, vou continuar nesse ritmo. Vou começar a falar dessa fase, relatando primeiro a parte mágica de toda essa intensidade que vivi.

 

Israel

Existe um pequeno país no Oriente Médio em que, obrigatoriamente, homens e mulheres, ao completarem 18 anos, ingressam no serviço militar, ficando de 2 a 3 anos nessa função. Afastados de suas famílias, vivendo em bases militares sendo preparados para possíveis guerras com países vizinhos. País esse chamado Israel. E esse jovens, ao finalizar esse serviço, culturalmente, tiram um ano sabático pelo mundo. Colocam uma grande mochila nas costas e viajam por outros continentes. E a América Latina é um dos destinos mais procurados, pelo excesso de belezas naturais, culturas diferentes e, principalmente, baixo custo. E dentro desse percurso que todo ano se repete, Jericoacoara está na lista de locais a serem conhecidos por eles. É uma verdadeira invasão israelense que tem data para começar e terminar. No caso de Jeri, varia entre os meses de janeiro e abril, dependendo do itinerário criado por cada grupo. E a “Grande Viagem”, como eles a costumam chamar, tem que ser o mais barata possível. Por isso, em todas as localidades visitadas por eles pelo mundo, a estadia geralmente é feita em hostels. E normalmente, eles já possuem uma lista de hostels parceiros que costumam usar. Primeiro porque ganham um desconto especial, segundo porque é um local que já foi aprovado por eles. Os israelenses têm uma cultura muito fechada onde confiar em alguém que não seja de sua nação é algo raro. Por isso, possuem uma rede de indicações interna muito forte. Ao ponto em que um israelense criou um site, anos trás, pontuando todos os locais em que esses descontos existem e outros israelenses já passaram nos anos anteriores. Isso passa confiança para eles. E nosso hostel nunca esteve nessa relação. Claro que, por estar em Jeri, sempre acabava recebendo hóspedes de Israel nessas épocas porque a demanda era realmente muito alta. E, algumas vezes, os hostels parceiros estavam lotados, fazendo eles terem que buscar soluções alternativas. E um belo dia, isso aconteceu com o meu hostel. Entrou uma reserva com 6 israelenses. Um mesmo grupo. O dono me disse: “Boa sorte Felipe”. E deu risada. Isso, porque a fama deles não é boa. Imagine você. Aos 21, 22 anos, após ficar 3 anos enclausurado num serviço militar extremamente desgastante, se junta com seus melhores amigos para ficar um ano viajando pelo mundo sem compromisso com nada. Seria uma viagem muito comportada? Acredito que para a maioria aqui, não. E para eles a lógica é a mesma. Ou seja, a bagunça com os israelenses é algo mais do que garantido. Ao ponto de que, muitos hostels pelo mundo não os aceitam. Isso mesmo, bloqueiam suas entradas. São furacões por onde passam. E eu já sabendo dessa fama, estava aguardando 6 deles. Apenas cruzei os dedos…

 

Amor à primeira vista

FOTO – Pipe com alguns dos hóspedes israelenses

 

Ainda lembro muito bem do dia em que eles chegaram. 9 de janeiro. Até então, eu fazia a gestão de hóspedes brasileiros e europeus em sua maioria. Algo muito fácil de se gerenciar. E que me dava tranquilidade para manter aquela atmosfera de paz e amor pelo hostel. O que mais me perturbou antes da chegada desse grupo de Israel, era o receio de perder isso que eu havia criado. 6 jovens israelenses com suas mochilas enormes e com uma energia descontrolada. Foi essa a primeira imagem que tive ao recebê-los para fazer o check-in. E magicamente, todo aquele medo que eu havia criado em mim mesmo se desfez.

Foi amor à primeira vista. De cara, minha energia bateu exatamente com a deles. E eles sentiram o mesmo. Foi uma grande conexão que criamos logo nos primeiros minutos. Nessa mesma noite eles já tomaram conta da cozinha para fazer sua janta (algo muito comum em sua cultura de viagens, para baratear custo). Me convidaram para comer junto e conversamos por horas. Apenas eu e eles. Sua língua original é a hebraica, mas obviamente falávamos sempre em inglês (algo que desenvolvi muito nessa passagem por Jeri).  Como o povo israelense é muito desconfiado, eles fizeram reserva de apenas uma noite. Em locais sem muitas referências, era esse o rito. Caso eles aprovassem o lugar, estendiam para mais diárias. E foi exatamente o que aconteceu. No dia seguinte pela manhã me chamaram na mesa para “fazer negócios”. Quem conhece judeus sabe como gostam de negociar. Me falaram que eles haviam amado o hostel e a mim e que queriam ficar uma semana. Me pediram um preço melhor. Eu tinha essa autonomia e concedi. Eles ficaram felizes e me disseram: “Felipe, se prepara. Vamos lotar esse hostel de israelenses nos próximos dias”. E assim foi.

 

Intensidade

Como eu disse antes, eles possuem uma rede de indicações gigantesca. E a notícia do meu hostel começou a se espalhar por Jeri. E assim se iniciou um movimento completamente descontrolado de novos israelenses que todos dias chegavam. Uma semana após a chegada desse primeiro grupo, o hostel estava lotado apenas de israelenses. E tudo por indicação. Os donos do hostel não acreditavam no que viam. Eles têm um quadriciclo e, todos os dias, um deles ia até os hostels concorrentes buscar israelenses que queriam mudar para o nosso. Foi algo realmente intenso e inesperado. Ao ponto de eu ter que retirar o estabelecimento de qualquer site de hospedagem e determinar que, aquele hostel, seria exclusivo para israelenses. Os donos nesse momento ficaram meio receosos, mas eu disse para confiarem em mim. Um dos 3 hostels do Brasil exclusivo para Isralenses. Eles amavam isso. Queriam estar entre eles, se sentirem em casa. E eu não só proporcionava isso, como também amava aquela energia caótica que se apoderou da casa. A mesma relação de amor que eu tive com aquele primeiro grupo, se estendeu para todos os próximos que por lá passaram. Era algo indescritível. Como uma relação de amor entre um casal, mas no caso, minha com eles e deles comigo. Eu os amava e eles me amavam. Aos poucos eu fui ficando famoso entre eles. Os novos hóspedes, ao chegar, perguntavam: “Tu que é o Felipe? Tu é uma lenda entre nós! Os Israelenses te amam!”. Muitos deles também diziam que não haviam decidido se hospedar em meu hostel por causa do hostel em si, e sim por minha causa, porque todos diziam que eu era uma pessoa que “todo israelense que passar por Jeri obrigatoriamente tem que conhecer”. E o hostel já era tido entre eles como o “melhor hostel do mundo”. Foi uma paixão descontrolada que eu nunca, jamais esquecerei. Me sentia um grande amigo de todos, como se estivesse viajando com eles. Outras vezes me sentia um pai daqueles jovens. Dava dicas de vida que eram ouvidas com muita seriedade. Rapidamente aprendi a lidar com eles e entender suas mentes. Acho que foi um dos motivos que eles passaram a ter muita admiração e respeito por mim. Pela empatia que eu tinha por eles. Por não os vê-los como um problema, como a maioria dos hostels do mundo vê, e sim, não só entender, mas também ser um deles. Momentos mágicos que passei a viver com essa nação israelense. Aquela felicidade que eu já possuía dentro de mim se intensificou. E estava só começando…

Na próxima semana, continuo em minha fase de Intensidade falando um pouco mais de minhas vivências com os israelenses. Até lá!


Publicado em: Geral






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