DIÁRIO DE MOCHILA – Longa Jornada rumo ao Sul (parte 2)

Buenas! Na última edição, continuei meu relato de minha grande jornada de volta ao sul de caminhão. Nessa semana, prossigo com essa aventura e de mudanças que tive que fazer no meio do caminho. Boa leitura!

FOTO - Pipe e sua jornada em meio aos caminhões
7 de maio de 2023

Otimismo

Na edição passada meu texto contou de minha entrada no caminhão de Anderson, ainda no sertão pernambucano, onde após isso fizemos algumas paradas para cargas e descargas para, então, ir em direção ao sul do país. Parei quando estávamos chegando na pequena Carmópolis, no interior de Minas Gerais, onde faríamos nossa última parada. Já fazia 10 dias que eu e Anderson cortávamos as estradas desse Brasil. Anderson esbanjava otimismo e confiança pouco antes de chegarmos a empresa. Me dizia: “Essa sede da empresa nunca atrasa nada. Pode escrever que ainda hoje descarregamos e carregamos”. Era essa a missão. Descarregar e carregar para irmos para o sul. Eu já estava vacinado dos últimos dias e procurei não criar muitas expectativas. Mas o otimismo de Anderson era contagiante. Difícil era não criar expectativas. Após termos tirado um breve cochilo num posto de gasolina no caminho, chegamos em Carmopolis bem cedo. Era uma linda manhã de sábado. Existia uma certa energia no ar que parecia dizer que tudo sairia nos conformes. Conseguindo finalizar tudo ainda naquele dia, em menos de 48h já estaríamos em casa. Mas não foi o que aconteceu. Mais uma vez a sorte não abanou para nos.

 

Mais um teste de paciência

Após chegarmos e Anderson descarregar seu caminhão (essa parte geralmente acontece rapidamente), iniciamos a espera de sermos chamados para carregar, a parte mais sombria e instável do processo. O tempo passava e nada acontecia. Apenas os outros motoristas eram chamados, e nós nada. Minha angústia começou a apertar. Como era sábado, eu sabia que, como já havia acontecido em João Pessoa na semana anterior, caso não fôssemos chamados naquele dia, a nova possibilidade ficaria apenas para segunda-feira, visto que no domingo a empresa não operava. E eu, do fundo do meu coração e de minha alma, não queria que isso acontecesse. Eu não aguentava mais essa espera. Palavras cruzadas eu já havia feito quase todas de meu livrinho. Só queria chegar em casa de uma vez por todas. As horas passaram, e a angústia permaneceu. Nada de sermos chamados. Até que bateram as 16h. Horário que determinava, para aquele dia, o final do expediente. Consequentemente, ninguém mais seria chamado para carregar. Consequentemente, teríamos que esperar mais uma vez segunda feira chegar. Consequentemente, pirei. Para liberar minha tensão sai caminhando pela BR. Como estávamos no setor industrial da cidade, caminhei até o centro de Carmopolis, durante alguns quilômetros. Comprei um sorvete. O açúcar me alivia a angústia. Caminhar também. Voltei um pouco mais leve. Racionalizei um pouco e vi que, naquela altura do campeonato, eu não tinha nada para fazer, a não ser esperar. A única boa notícia era que, nessa sede da empresa, havia uma espécie de alojamento para os caminhoneiros. Mais parecia um cativeiro, mas para meu estilo de vida, um luxo. Escolhi uma das camas, tirei a grande concentração de poeira e aranhas dele, e por lá dormi essa noite. No dia seguinte, domingo, me apareceu uma nova boa notícia. Era dia de abertura da Copa do Mundo do Catar. E o cativeiro tinha uma televisão. Durante a manhã, quando aconteceram 2 jogos, tive esse entretenimento para ocupar minha cabeça. A tarde voltei as palavras cruzadas. Dizem que quem faz palavras cruzadas tende a evitar problemas de memória e Alzheimer. Depois desse meu período com Anderson, acho que esse nunca será um problema futuro para mim. Para comer, pedíamos lanches de tele entrega. Super alimentação. Fui dormir nesse dia com a esperança que no dia seguinte conseguíssemos enfim carregar e ir embora. Mas a sorte real e definitivamente não estava em nosso lado.

 

Adeus, Anderson

Segunda feira finalizou o dia sem sermos chamados, mais uma vez. Os jogos da copa se intensificaram e isso aliviou um pouco minha tensão. Mas na terça feira eu acordei decidido. Se não fôssemos chamados, ainda naquele dia eu iria embora de outra forma. Deixei minha mochila arrumada. Já havia internalizado em mim que não dormir lá mais uma noite. E avisei isso para o Anderson que continuava otimista nos dizendo que naquele dia, se Deus quiser, iríamos para casa. Mas Deus não quis. De novo. Eu havia conversado mais cedo com um outro caminhoneiro que havia parado na empresa para descarregar e que seguiria em direção a São Paulo. Perguntei se ele poderia me levar um trecho, caso tudo desse errado com o carregamento de Anderson, e ele me disse que não haveria problema. E após o fim do dia e ver que não seríamos chamado novamente, me despedi de Anderson e subi nessa outra carreta. Eu não aguentava mais essa espera. Durante minha jornada e andanças de carona, nunca fui de ficar esperando nada. Sempre me joguei para a estrada e postos de gasolina para conseguir uma carona o mais rápido possível. Com Anderson, eu estava me comportando de outra forma. Primeiro porque eu já havia combinado de descer com ele para o sul e eu sabia que minha companhia para ele era importante. Ou seja, não queria deixar ele na mão. Outro fator era que Anderson iria praticamente até a porta de minha casa. Isso facilitava muito a logística. Mas meu limite havia chegado. E por isso tomei essa atitude de deixar Anderson em Minas Gerais e seguir de meu jeito.

 

Rir para não chorar

FOTO – Rápida passagem por Três Corações, terra do Rei Pelé

 

Esse outro caminhoneiro foi até a cidade de Três Corações, quase na divisa com o estado de São Paulo. Terra do Rei Pelé. Já era tarde da noite quando ele me largou em um posto de gasolina. Eu já havia tomado alguns litros de cafe. Estava decidido a não dormir enquanto não entrasse em um caminhão que fosse até o Rio Grande do Sul. E quando coloco algo na cabeça, nada nem ninguém tira. Não demorei muito para conseguir uma nova carona que me levou até a capital paulista. Andamos durante a noite e a madrugada. O motorista estava notoriamente sob efeito do Rebite. A droga do caminhoneiro. Eles a usam para se manter acordados e potencializar suas entregas. Eu já estava bem habituado com isso e sabia que precisava ir conversando, pois o motorista fica elétrico. Sua carreta estava vazia, ou seja, muito leve. O que faz os caminhoneiros as vezes acharem que estão pilotando na fórmula 1. Principalmente se tomavam Rebite. Cheguei a pensar em dar um nó a mais em meu cinto dr segurança para garantir que não morreria num possível tombamento. O amigo andava em uma super velocidade pelas curvas de serras da região. Com o grande detalhe de estar chovendo forte. E enquanto isso, me contando história e mostrando fotos e vídeos em seu celular enquanto dirigia. Foi uma das caronas mais tensas que peguei em minha viagem. Eu só queria que chegássemos em São Paulo vivos. E chegamos. No meio da madrugada, o caminhoneiro doidão me deixou na famosa Regis Bittencourt. BR que já apontava em direção a região sul do Brasil. Aliviado por estar vivo, agradeci e me despedi dele. Daquele momento em diante eu havia decidido que minha próxima carona não seria mais de trechos, e sim, direto para casa. Só aceitaria entrar em algum caminhão que me levasse direto para meu estado. O otimismo agora era meu. Mas estava sob meu controle.

 

Fazendo amizades

Era meio da madrugada de terça para quarta na maior cidade da América Latina. O posto que o caminhoneiro havia me deixado era um posto urbano, não de caminhoneiros. Decidi comer um pão de queijo, tomar mais café e me encostar por lá até amanhecer. Eu teria que caminhar alguns quilômetros até o próximo posto que eu poderia tentar uma carona, mas não gostei da ideia de fazer isso no meio da madrugada em São Paulo. Quando bateram 5h, iniciei minha caminhada. Eu estava muito cansado mas ao mesmo tempo sendo movido por uma energia de convicção muito grande. Estava amanhecendo quando cheguei num grande posto de gasolina. Esse sim, de carreteiros. Primeiramente, parei para descansar e tomar mais um café. Troquei uma ideia rápida com um frentista que me disse que, para conseguir carona para o sul do país, o melhor posto ficava uns 20 quilômetros para frente. Me disse também que havia uma linha de ônibus que poderia me deixar lá. Decidi então fazer isso. Antes fui no banheiro para minhas necessidades matinais e jogar uma água no rosto. Quando eu havia chegado no posto, notei a presença de um homem dormindo no chão com uma mochila ao seu lado. E esse mesmo homem, após eu sair do banheiro e começar a ir em direção a parada de ônibus, estava sentado na saída do posto com uma muito pequena plaquinha escrita: “Florianópolis”. Era um senhor, já não mais tão jovem. Argentino. O famoso “trecheiro”. Um tipo de viajante que existe nas BRs desse Brasil. Geralmente homens que, por algum motivo, decidiram largar suas vidas convencionais e morar pelas estradas fazendo bicos e conhecendo lugares. Como eu já sabia que aquele posto era muito difícil de passarem carretas em direção aos estados do sul, e Florianópolis estava nessa lista, decidi ir falar com ele. Contei do meu plano de pegar um ônibus e ir até o posto “quente” para caronas. Ele disse que não tinha dinheiro para o ônibus. Eu disse que pagava. Ele ficou feliz, agradeceu e partiu comigo até a parada de ônibus. Pegamos o ônibus e no final nenhum de nós precisou pagar. O motorista notou nosso estilo meu sujo de mendigo e deixou quieto. Assim, chegamos no posto Pantera. Posto em que todos os caminhões que por ali paravam iriam para um dos 3 estados do sul do país. Local onde eu pegaria minha última e tão desejada carona para chegar em casa.

Na próxima semana, relato meu último capítulo dessa jornada de volta a casa e de meu reencontro com minha terra natal. Até lá!


Publicado em: Geral






Veja Também





Links Patrocinados