DIÁRIO DE MOCHILA – Longa jornada rumo ao sul (parte 3)

Buenas! Mas últimas duas semanas relatei os primeiros capítulos de meu retorno do litoral do Ceará para casa. Nessa edição finalizo essa grande jornada. Boa leitura!

Caminhoneiro Júlio e seu chimarrão; último trecho da viagem de volta ao sul
12 de maio de 2023

Revisando

Essa vai ser a última edição para fechar minha grande epopeia de volta para casa, no final do ano passado, pegando caronas em caminhão. Tudo começou ainda no litoral cearense, um dos pontos mais distantes do Rio Grande do Sul no Brasil, onde se indicavam mais de 4.000 quilômetros para eu chegar até minha casa. Na semana passada, relatei sobre quando, após ficarmos dias esperando por um carregamento no interior de Minas Gerais, optei por deixar meu amigo caminhoneiro Anderson e seguir a estrada do meu jeito. Conversando e tentando caronas. Isso, porque Anderson não tinha preciso de quando o carregamento sairia e isso me gerou um estopim interno, digno de quem não aguentava mais esperar. Então, peguei algumas caronas até chegar à megalópole São Paulo. Por lá, já fazendo 24 horas que eu não dormia, conheci um “trecheiro” Argentino. Homens que por algum motivo largam suas vidas mais convencionais e saem pelas estradas do mundo fazendo bicos e conhecendo os lugares. E ele estava tentando uma carona para Florianópolis, capital catarinense. Estávamos em um posto de gasolina que não era nada bom para conseguir caronas para o sul. Então, após descobrir que havia um outro posto perfeito para isso, cerca de 20km a frente, pegamos um ônibus e fomos até lá. E foi nesse ponto que meu relato parou na semana passada. Fiz essa pequena revisão para não perder o contexto.

 

Hoje saímos daqui

Esse senhor Argentino, que esqueci o nome, não tinha muita autoconfiança. E isso dificulta muito na hora de conseguir caronas. Mas era uma pessoa muito boa de coração. Eu podia sentir isso. Estava melancólico por seus problemas mal resolvidos, mas eu podia sentir sua bondade. Então decidi para mim mesmo que, naquele posto que havíamos recém-chegado, eu conseguiria uma carona para mim e para ele também. Coloquei isso na minha cabeça com toda força. Era início da manhã. Até o final da manhã, no máximo, eu e ele teríamos que estar em um caminhão rumo ao sul. E quando coloco algo em minha cabeça, nada nem ninguém tira. Eu disse para o senhor Argentino sentar-se e esperar. “Deixa comigo”, falei. Ele via minha autoconfiança, que também já era potencializada por um desejo cada vez maior de chegar em casa. Ele apenas concordou e agradeceu com o olhar. E assim, com minha mochila nas costas (que ajuda a mostrar quem sou na hora de tentar carona), comecei a ir até todas as dezenas de caminhões que por lá estavam e conversar um por um atrás de alguém que me nos aceitasse. Como já era comum e eu estava acostumado, todas respostas eram negativas. Já comentei por aqui que os caminhoneiros perderam a cultura de caronas no Brasil. Por medo ou imposição da empresa a qual trabalham. Muito roubos de carga acontecem com ladroes simulando serem viajantes e quererem uma carona. O bom é que o “não” foi algo que aprendi a receber com muita facilidade em minha jornada. Era difícil isso me abalar. Eu sabia que em algum momento isso daria certo. E não se pode perder a boa energia. Daí sim que tudo se inviabiliza.

 

Todos em seu rumo

Intercalando esses pedidos, eu parava para sentar e tomar uma água. O calor estava forte em São Paulo. E acho que umas duas horas depois que iniciei, um homem veio falar comigo espontaneamente. Bem arrumado, não era caminhoneiro. Disse que estava por ali já fazia um tempo e reparou na minha busca por caronas. Me ofereceu um saco de amendoim que aceitei de prontidão. Após isso, me disse: “Olha, não sei se te interessa, mas estou num carro que está indo para Florianópolis. Se quiser te damos carona”. Na hora já liguei todos os pontos. Peguei ele pelo braço (literalmente) e o levei até o senhor argentino que estava em seu cantinho sentado. E disse: “Amigo, eu quero ir para Porto Alegre. E já decidi que daqui, só aceito pegar uma carona que vá direto para lá. Mas esse senhor quer e precisa muito ir para Floripa. Eu cedo o meu lugar para ele, ok?”  O homem me olhou assustado. O argentino mais ainda. Eu estava tomado por uma onda de autoconfiança gigantesca. Umas que me dão de vez em quando que pareço até estar drogado. E aceitou minha proposta. Aceitou levar o argentino. Esse senhor não chorou por pouco. Me abraçava, beijava e agradecia como poucas vezes vi em minha vida. Eu poderia ter isso naquele carro muito confortável até Floripa. Era 90% do caminho para minha casa. Mas não iria conseguir fazer isso sem resolver a situação daquele senhor. E eu sabia dentro de mim que ainda naquela manhã conseguiria alguma carreta que estivesse indo para o Rio Grande do Sul. Me despedi do argentino que entrou numa luxuosa caminhonete em direção ao sul. E segui minha procura, agora mais aliviado.

Não demorou muito para eu resolver o meu lado. Vi um caminhoneiro preparando um chimarrão. Gaúcho. Iria para onde eu queria. Joguei todas minhas forças nele, contei brevemente minha história (como eu sempre fazia) e fiz o pedido da carona. Após ficar alguns segundos me olhando e analisando, ele me disse. “Te levo”. Duas palavras que de uma certa forma fecharam meus últimos 20 dias, quando comecei essa jornada de volta para casa. Aquilo me deu uma onda de aliviou gigantesco. Já faziam mais de 24h que eu não dormia e andava por aí com uma mochila nas costas. Todo meu cansaço veio à tona. Me joguei no chão e apenas gostei do momento. Eu ria sozinho. O caminhoneiro não entendeu nada. Júlio o nome dele. E passaria simplesmente em frente à minha cidade, Torres, no Rio Grande do Sul. Ele disse que estava com pressa para pegar outro carregamento no Sul e que a viagem seria corrida. Assim como eu, já estava a uma noite sem dormir. Música para os meus ouvidos. E assim, regado a muito chimarrão para nos mantermos acordados, seguimos em direção ao meu estado.

 

Chimarrão, susto e casa

A previsão que ele me passou era de chegarmos em minha cidade em até 24 horas. E a ideia era não dormir. Parávamos apenas para ir ao banheiro, comprar qualquer coisa rápida para comer e para pegar água quente para o chimarrão. Devemos ter tomado umas 5 térmicas nesse trecho. E o chimarrão, pra quem não sabe, é extremamente estimulante. Muita música e conversas para não fazer ninguém pegar no sono. Foi uma viagem tranquila salvo o momento em que já nos aproximávamos de Florianópolis, na BR-101, e sofremos uma tentativa de saque. Infelizmente, isso acontece muito, mas estradas do Brasil. As carretas geralmente levam cargas que valem muito. E saqueadores de plantão ficam em alguns pontos estratégicos. Em nosso caso, já era madrugada. As ruas estavam vazias. Observei pelo lado de minha janela e reparei em dois indivíduos com camisetas no rosto, a uns 20 metros de nos. Na hora já achei muito estranho. Vi um deles fazer um movimento com a mão, como se jogasse algo em nossa direção (o caminhão estava andando, próximo a 100km/h). Como estava muito escuro, não deu para ver o que era. Até que escuto um estouro muito forte exatamente no espelho lateral de minha janela. Na hora ele se estilhaçou e caiu pelo caminho. O susto foi gigantesco. Não entendi nada. Júlio se assustou da mesma forma, mas conseguiu manter a direção no eixo. Perguntei pra ele o que tinha sido aquilo. E ele falou: “Tentaram tombar o caminhão. E por pouco não conseguiram.”  A ideia desses dois homens era que a pedra que eles lançaram contra o caminhão pegasse no para-brisas. Acontecendo isso, o vidro iria se estilhaçar e possivelmente ser arremessado contra nós, pela força da inércia. E com isso, muito possivelmente Júlio se assustaria, perderia o controle da carreta que, por fim, tombaria. E assim eles, possivelmente armados, iriam rapidamente roubar nossa carga. E nós poderíamos, em todo esse caos, nos machucarmos feio ou coisa pior.  Mas a sorte estava com a gente. Por um milésimo de segundo isso não aconteceu. E seguimos viagem aliviados. Até o momento em que, exatas 24h depois de termos saído de São Paulo, em uma manhã de uma quinta-feira, chegamos em Torres. Minha cidade. Meu destino. Um cansaço tremendo, digno de quem passou pelo que passou nos últimos dias estava tomado por mim. As últimas 48h eu não havia dormido. Mas tudo havia acabado. Minha grande aventura de volta para casa, que durou exatas 3 semanas, havia terminado. Eu estava em casa.

Na próxima edição conto como foi meu reencontro com minha família e minha terra natal, e de todos novos sentimentos que afloraram em mim. Até lá!


Publicado em: Geral






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