DIÁRIO DE MOCHILA – Momentos decisivos em Jericoacoara

Buenas! Nessa semana continuo falando sobre os fatos de Jericoacoara, no litoral cearense, que mudaram completamente meu rumo de vida. Boa leitura!

FOTO - Pipe explorando a região de Jericoacoara, e se aventurando no windsurf
1 de abril de 2023

Quase aliviado

Jericoacoara me deu uma pequena prova de uma vida mais estável. Toda aquela instabilidade geográfica, temporal e emocional que eu estava tendo, pareceu desaparecer enquanto eu estava por lá. Consegui achar um equilíbrio que aliviou boa parte das minhas confusões. Digo boa parte porque alguns pontos ainda me incomodavam. O principal era entender exatamente o que aquele meu período por Jeri representava exatamente para o meu futuro. Ele me provou que parar era uma necessidade. Agora, se seria apenas por um tempo curto ou longo tempo, eu já não sabia. E o pior, onde isso aconteceria. Qual seria o local escolhido. Eu estava na iminência de ir para o sul rever minha família, e minha intuição já me dizia levemente que essa poderia ser uma oportunidade real. Parar na minha casa ao lado de minha família. Porém, eu só saberia disso quando descesse para o sul e deixasse meus sentimentos chegarem a alguma conclusão. Ou seja, isso só o futuro me diria.

 

Parar x Não parar

Mas enquanto esse futuro não chegava, diversas possibilidades passavam em minha mente. Lugares desse Brasil que eu já havia visitado e que talvez fossem bons para testar uma vida mais estável. Mas o que ainda não saia de minha cabeça era a ideia de que aquilo poderia me tirar da estrada. Eu não queria isso. Parar por um tempo sim, isso já estava ficando claro, mas parar de vez? Não. A estrada era mágica demais para que isso acontecesse. Por isso, uma possibilidade que flertei intensamente durante esse período em Jeri, foi a de achar um equilíbrio em minha jornada. Ficar um tempo da forma “roots” que eu vinha viajando nos últimos anos e, de tempo em tempo, passar algumas semanas ou meses em um mesmo local. O formato de ser voluntário em hostel existe em todo o mundo. Então eu poderia revezar entre esses dois estilos de vida. Quando um cansasse, eu iria para o outro, e assim por diante. Mas isso tudo eram só projeções dignas de alguém que está sedento por respostas. E no fundo, em nada adiantava criar essas possibilidades antes de eu chegar no sul. Ele que me daria mais respostas.

 

Verdades

A única certeza que eu tinha era que eu precisava parar, nem que fosse or um tempo. Respirar, entender tudo que eu tinha feito e assimilar esses últimos quase 3 anos. A vida são construções e desconstruções de verdades. Logo que resolvi largar minha vida em Porto Alegre, construí uma verdade em mim de que a estrada seria minha eterna casa. Que eu não pararia mais. Porém nossas verdades mudam. E normalmente não queremos se confrontar com essa mudança de verdades, justamente porque ela significa uma mudança. E instintivamente buscamos fugir das mudanças. Acredito que são vários fatores que criam essa barreira. Um deles é relacionada ao passado. Largar aquela verdade que nos fez sentido por muito tempo. Principalmente se ela não nos trouxe nenhum grande trauma, simplesmente sentimos que é hora de deixar ir. É difícil de se desapegar. Junto com isso o problema do futuro. Talvez esse seja o pior. A confusão de não visualizar bem (ou as vezes, nada) nosso próximo ciclo. Isso nos causa muita ansiedade. É inevitável. E por último, pelas expectativas externas. O que algumas pessoas podem passar a achar dessa nossa mudança de verdade. Ou simplesmente nosso ego não querendo demonstrar algum tipo de confusão para essas mesmas pessoas. Em resumo, sempre buscamos fugir da mudança. Mas meus últimos meses, apesar de muito pesados e confusos para mim, me fizeram entender que essas verdades estavam mudando. E eu aceitei isso. O que viria pela frente? Só o tempo diria…

 

Trabalho duro

No quesito trabalho, Jericoacoara me mostrou que eu ainda tinha aquele forte ímpeto trabalhador dentro de mim. Minhas funções eram 100% operacionais, quando eu faxinava diariamente as instalações do hostel que eu estava como voluntário. Colocava meus fones de ouvido, baixava a cabeça e fazia aquela limpeza que nem um touro. Geralmente, dentro das 4 horas diárias que eu tinha de compromisso para fazer essa rotina de limpeza, em menos de 3 horas eu já havia acabado tudo. Então eu ia até o dono para pedir mais trabalho enquanto as 4 horas não acabavam. E modéstia à parte eu limpava muito bem. Tenho uma tendência ao perfeccionismo muito grande. Na faxina que eu realizava no hostel isso ficava muito claro. Uma busca pelo perfeccionismo que explica inclusive muito dos meus atos de vida. Mas isso é uma pauta que não vem muito ao caso agora. Num breve futuro, pretendo explanar mais sobre isso por aqui. Para agora, quero chegar no que esse meu bom rendimento acabou me gerando por Jericoacoara. Obviamente, os donos do hostel estavam amando meu trabalho. Desde o primeiro dia deixaram isso claro. Disseram que eu poderia ficar por lá o tempo que quisesse. Mas não parou por aí…

 

Uma grande surpresa

 

Já perto dos meus últimos dias por Jeri, passadas cerca de duas semanas, os donos do hostel me chamaram em sua sala. Me falar que ambos deixariam Jeri por uns dias e iriam para Fortaleza passar um tempo com a família. Para isso, me pediram para, durante aqueles dias, fazer um papel de gerente entre os dois hostel. Sim, eram dois hostels que eles tinham em Jeri. Acho que eu não tinha comentado isso ainda. Meu trabalho seria de gerenciar os voluntários (cerca de 4 na época), fazer check in e check out de hóspedes e fazer compras quando necessário. E por último me disseram: “Felipe, se tu gostar dessa função e nós gostarmos do teu trabalho, queremos te contratar como gerente”. Bom, primeiramente senti aquela felicidade que o reconhecimento te da e agradeci muito a confiança que eles estavam depositando em mim. Aceitei de pronto ficar aqueles dias naquela função. Porém, em relação a possibilidade de ser contratado como gerente, meio que dei uma risada na hora e disse: “Gente, obrigado mesmo, mas isso não vai acontecer. Kkkkk”. Foi algo assim. Isso, por várias verdades (que teoricamente faziam sentido até então) que eu tinha. Morar num lugar como Jericoacoara, com todos os aspectos de excessos que eu já havia visto? Nunca. Trabalhar ok, mas trabalhar para alguém? Jamais. Se for para trabalhar mesmo, como proprietário de algo.  Sendo gerente de um hostel? Negativo. Esse foi meu pensamento inicial. Mas a vida é doida demais. E linda também. Justamente por ser tão doida.

 

Uma surpresa maior ainda

Foram 3 dias que fiquei como “gerente” dos hostels. Trabalhei muito mais do que apenas minhas 4 horas de voluntário. Muito mais mesmo. Assumi responsabilidades que não tinha antes e que me geraram um certo tipo tensão. Eu não sei brincar. Nunca soube. Ou faço algo com absoluta e total entrega, ou não faço. Tudo na minha vida sempre foi assim. Eu já havia sido executivo de SA e empresário no mercado imobiliário de uma capital. De uma certa forma, apesar dos pesares, era tudo muito fácil para mim. E qual foi o resumo disso tudo? Eu amei. Cada detalhe. Desde os momentos mais alegres de interação com hóspedes até ter que tirar fora um voluntário que não trabalhava. Vai entender. Eu realmente estava precisando daquela energia. E o respeito. De estar naquela posição e ser reconhecido por isso. Me fez muito bem. Foi um leve aperitivo que me fez lembrar inclusive meus dias de empresário. Fiz tudo que tinha que ser feito com proeza nesses dias. No retorno dos donos, que estavam me acompanhando a distância, veio oficialmente o convite para ser gerente do hostel. Lembrei daquela minha risada de uns dias antes. Kkkk. Agora eu ria de mim mesmo. Mas um riso de felicidade. De ver que eu estava quebrando cada vez mais minhas antigas verdades. Me permitindo fazer o que me fizesse bem e ponto final.

 

Enfim, parar

Não aceitei o convite de cara, pois eu ainda precisava ir para o sul. Não queria fazer nada antes de sentir o que eu fosse sentir lá perto dos meus pais. Agora, mais ainda. Se eu não tivesse esse feeling de ir para o sul, eu já teria aceitado o convite e ficado por lá na hora. Isso me mostrou de vez que eu estava pronto para parar por um tempo. Depois disso, a possibilidade de seguir perambulando pela estrada terminou. Não para sempre, mas aquele ciclo havia se fechado. Pela primeira vez, depois de quase 3 anos morando nas estradas do Brasil, senti com toda certeza que eu realmente queria e precisava parar. E, de uma forma geral, a questão é se isso aconteceria no Sul ou em Jeri. Ou em ambos. Enfim, nada seria feito antes de eu voltar para casa e ver minha família. E foi essa a resposta que dei aos donos do hostel, que ficaram muito gratos pela minha sinceridade e disseram que aceitavam esperar esse meu tempo. Era final de outubro e eles precisavam mesmo de alguém até o final do ano. Prometi que até lá eu daria alguma posição de minha parte e, obviamente, deixei eles livres para procurar outra pessoa enquanto isso. E dessa muito louca forma, me despedi de Jericoacoara. Passaria mais alguns dias passeando pelo litoral do Ceará, até entrar em um caminhão em direção ao Rio Grande do Sul. Lugar onde as respostas para o meu futuro estavam guardadas.

Na próxima semana eu continuo falando dos meus últimos momentos no Ceará. Até lá!


Publicado em: Turismo






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