DIÁRIO DE MOCHILA – Pelas Serras do interior paraibano

Buenas! Na última semana meus relatos foram sobre minha experiência poética no sertão nordestino, quando presenciei apresentações de Repente. Nessa semana, falo de minhas buscas pelas serras do interior paraibano. Boa leitura!

FOTO - Final de tarde na Serra do Tendó (e); barraca montada em restaurante próximo da serra (d)
24 de dezembro de 2022

Por finais de semana tranquilos

Após meus dias por São José do Egito (PE), capital nordestina da poesia, me senti revigorado para seguir pela estrada. Tive a sorte de ser acolhido por uma família, onde fiquei 3 dias apenas descansando e refletindo. Era final de semana e, nesses dias, eu sempre procurava estar o mais estável possível. De preferência, na casa de alguém. Sábado e domingo são os dias oficiais de o brasileiro extravasar em drogas. Isso gera muito barulho de músicas aleatórias e, principalmente, pessoas fora de si pelas ruas. O que sempre deixa mais complicado colocar minha barraca pelos cantos das cidades por onde passo. Além disso, esses dias são muito ruins para caronas. Pouco fluxo e, em alguns casos, motoristas bêbados. Eu não saía para festas nem bebia mais. Queria dormir cedo em paz e acordar com o sol em mais paz ainda. Em resumo, os finais de semana sempre foram dias em que eu buscava estar mais escondido e parado.

Acho que me tornei o oposto da grande maioria da sociedade que espera ansiosamente pela chegada da sexta feira. O famoso “sextou”. Dia em que a semana de trabalho acaba e se extravasa por aí durante dois dias. A chegada da sexta para mim sempre foi um alerta para achar tranquilidade e estabilidade. Meu pensamento sempre é: “Putz, mais uma sexta feira se aproxima…” Passei a não ter a mesma afinidade pelo final de semana. Pelo contrário. Segunda feira, que para a grande maioria é um dia muito próximo a uma tortura medieval, para mim passou a ser o melhor dia da semana. Dia de liberdade, para transitar pelas ruas com pessoas sóbrias e para conseguir pegar caronas com facilidade. Segundou.

 

Nas alturas da Paraíba

São José do Egito é uma cidade do sertão pernambucano. Eu havia saído da Paraíba e ido para lá por causa da poesia. Mas o Pernambuco eu já havia conhecido bem. Então, resolvi retornar a Paraíba (eu estava bem na divisa). Naquele dia, criei como objetivo chegar a pequena cidade de Maturéia, onde se localiza o ponto mais alto do estado paraibano, o Pico do Jabre. Após algumas caronas, consegui chegar mais rápido do que eu imaginava. Deixei minha mochila na casa de um morador local, antes de subir o pico. Fiz uma trilha em meio a lindas pedras e a caatinga e cheguei no topo. Uma vista sensacional de uma boa parte da Paraíba, podendo avistar também parte do Rio Grande do Norte. Não fiquei muito tempo porque algumas comeias de vespas estavam bem ativas lá por cima e elas não pareciam gostar muito de minha presença. Ser atacado por um enxame delas poderia me deixar numa situação complicada, então desci, peguei minha mochila e retornei a cidade.

 

O simples e o complexo

Após almoçar, consegui uma carona até Teixeira, cidade ao lado. Fiquei sabendo que uma outra serra linda existia por lá e que o acesso era fácil. Uma estrada passava ao seu lado e um famoso restaurante da região estava fixado lá em cima. Pensei: “Hoje vou dormir nesse restaurante”. Conversei com alguns moradores sobre essa ideia e eles me disseram que o dono do estabelecimento não era muito simpático e que muito possivelmente eu não conseguiria. E esse tipo de comentário me da mais vontade ainda de conseguir. Desafios. Eles me movem. Já era final da tarde quando cheguei ao tal restaurante no topo da serra. Uma vista simplesmente deslumbrante. E mais chique do que eu imaginava. O que para desenrolar qualquer coisa, sempre é mais difícil. O simples sempre deixa tudo mais simples. O complexo, mais complexo. Pegar carona com um carro velho é fácil. Com um carro caro, extremamente raro. Ser acolhido na rua por uma família muito pobre é comum pra mim. Por uma família mais abastada, praticamente inviável. O mesmo serve para colocar minha barraca em estabelecimentos, algo que faço muito. O simples é simples. O complexo, complexo.

Quando cheguei, resolvi fingir certa demência. Alguns clientes (pelos carros que estavam na frente, pessoas financeiramente ricas), me olhavam com um certo desdém. Assim como os funcionários do restaurante. Pedi a um garçom para deixar minha mochila num canto enquanto eu subia uma grande pedra junto ao local, onde eu poderia ter uma vista do pôr do sol. Sem entender muito do que aconteceria depois disso, ele topou. Esse local era completamente isolado no meio dessa estrada, ou seja, eu não tinha outra opção de onde dormir a não ser lá. Caronas a noite eu não conseguiria nunca. E detalhe que eu estava sem comida. Fui acreditando na boa fé de um vigia que eu já sabia que dormia por lá. Enfim, resolvi curtir o entardecer e depois resolver esses problemas. Tudo ia se ajeitar.

 

Simplificando a complexidade

Foi um dos finais de tarde mais lindos que vivenciei até hoje. Fiquei em cima daquela pedra sozinho, imerso em minhas meditações e observações de todos detalhes daquela vista surreal. Quando a luz do sol já se despedia da Paraíba, resolvi descer para desenrolar minha noite. Os clientes já haviam ido embora e o local estava fechando. Fui na menina que estava no caixa, expliquei quem eu era e a questionei sobre dormir lá com minha barraca. A resposta foi não, o dono não permitia isso. Me explicou que, inclusive, uma vez o exército havia solicitado formalmente dormir em cima dessa pedra e ele havia negado. Imagina para mim, um maluco todo sujo com um mochila gigante chegando de uma hora para outra. Acho que eu não estava no mesmo patamar dos milicos.

Minha situação estava ruim. Eis que um senhor surge com sua grande camionete. A menina me confirmou que ele era o proprietário. Minha situação melhora. Agora somos eu e ele, frente a frente. Com muita humildade fui até ele para reforçar o pedido. Eu disse que não teria outro local para dormir. Ele muito secamente disse: “Não dá”. Já ia arrancando o carro mas me agarrei e disse para ele me ouvir. Acho que ele se assustou. Expliquei em meio minuto minha história de vida até chegar a aquele momento. Tipo se vira nos 30. Aí ele olhou pra mim pensativo. Acho que deixei a cabeça dele confusa. Disse que ia ligar para sua esposa. Mulheres… sempre decidem tudo. Me pediu para me afastar e esperar ele me chamar. Alguns segundos de tensão. Eis que ele me chama e da o veredito final. Sem me conhecer, sua esposa gostou de mim. Disse sim. Gritei “Uhuuuuul” e agradeci muito. Uma pessoa com muitos bens. Complexo de desenrolar qualquer coisa. Ele e todos outros funcionários foram embora, ficando apenas eu e o vigia. Gente simples. E conseguir um prato de comida com ele também foi simples. Assim como subir em cima da pedra para ver a simplicidade complexa de uma noite estrelada naquela serra antes de dormir.

 

Rumo à Catingueira

 

FOTO – Residência do Século XIX em Catingueira, morada do padre Jorge

 

No amanhecer da Serra do Tendó (nome dessa serra que dormi), além de presenciar mais um espetáculo, ao apreciar a ampla vista para um belo vale, notei uma outra serra que me chamou muito a atenção. Parecia a parte dorsal do Godzilla. Pela minha visão, estava a algumas dezenas de kms de mim. Fiquei um bom tempo mexendo no mapa do celular tentando entender onde ela estava exatamente para tentar ir até lá, e uma hora achei. Uma pequena cidade, chamada Catingueira, se encontrava na base dessa serra. Me deu mais vontade ainda de conhecer por causa desse nome. Catingueira. Sensacional. Muitas vezes eu decido os locais que vou de acordo com minha simpatia pelo nome. Maluco? Talvez. E assim, comendo um cuscuz e tomando um cafe, dado pelo vigia para mim, decidi meu próximo destino. Iria para uma cidade de 4mil habitantes do sertão paraibano, chamada Catingueira, ambicionando conhecê-la e dormir em cima de sua serra. Minha muito previsível e comum vida.

Cheguei lá ao meio dia após pegar algumas caronas. A imensa serra fazia sombra na pequena povoação. Ninguém nas ruas. Típico de uma cidade pequena em horário de almoço. Fui até a praça principal para ver a Igreja. Amo ver Igrejas de cidades pequenas. E essa ainda era antiga. Cidade histórica. Um único grupo de pessoas estava junto a uma muito antiga casa em frente à praça. Curiosos, me chamaram. Estavam almoçando e me ofereceram um prato. Estava com fome e aceitei na hora. Fiquei a tarde toda por lá contando de minha andanças e ouvindo as histórias da cidade. No fim, todos retornaram às suas casas e ficamos apenas eu e o dono. Jorge, padre de uma cidade vizinha, mora com sua mãe de 94 anos (moradora mais velha da cidade) nessa residência do século XIX. Naquele momento, seu sobrinho especial também estava por lá. Descobri que o menino tinha quase 1 milhão de seguidores no Instagram. Um Padre, uma quase centenária senhora e um Instagramer especial numa casa de 1870 numa micro cidade do sertão da Paraíba. Aleatório. O Padre me disse que eu dormir lá seria complicado para sua mãe entender. Mas enquanto estivesse na cidade, poderia tomar banho e comer com eles. Montei minha barraca na praça, em frente à Igreja. Antes de dormir ainda ouvi o megafone da Igreja com todas atualizações sobre a cidade. Quem nasceu, quem morreu, pertence perdido, festas do próximo final de semana e etc. Uma espécie de fofoca formal e não laica. Fui dormir cedo, como já de costume, para estar disposto no dia seguinte. Minha ideia era subir e dormir em cima da deserta serra da Catingueira.

Na próxima semana conto como foi essa experiência e minha sequência o sertão paraibano. Até lá!

FOTO – Dudu da Catingueira, Instagramer famoso

Publicado em: Turismo






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