DIÁRIO DE MOCHILA – Pelo litoral cearense (e respondendo perguntas)

Na última semana, falei de minha saída do povoado do Cumbe e meus dias seguintes pelo litoral do Ceará. Agora continua minha caminhada, entrando e saindo da capital cearense Fortaleza. Boa leitura!

FOTO – Fardado para jogo do Fortaleza (e); em outro momento, todo conforto rústico da Praia da Baleia (d)
4 de março de 2023

Perguntas

 

Eu tenho um top 10 de perguntas que recebo diariamente em minha viagem. Aquelas muito comuns. De onde tu vem? E a tua família? E como faz com o dinheiro? E por aí vai… para mim nunca foi um problema responder elas. Pelo contrário, era um prazer. Eram perguntas que eu recebia pelas ruas do Brasil. Quando chegava em algum local caminhando com minha mochila e despertava a curiosidade de alguém. Era uma forma de iniciar algum tipo de conexão com o local. Sempre me abriu muitas portas. Mas depois de um determinado momento, essas perguntas passaram a me incomodar. No português bem falado, eu comecei a encher o saco delas. Quando me faziam a pergunta eu já pensava: “Lá vou eu ter que explicar de novo”. Passei a ficar intolerante. E isso começou nessas últimas semanas que venho relatando.

Quando cada fez ficava mais claro que meu deslumbre por aquele estilo de vida ia terminando e um novo ciclo se aproximava. E esse foi um dos principais sintomas que me revelaram que algo estava errado. Que era preciso mudar. Aquilo era minha vida. Então, se minha vida estava me deixando intolerante, algo tinha que ser mudado. Esse problema estava dentro de mim e não tinha nada a ver com o amável povo brasileiro. No litoral do Ceará, o qual fiz meus últimos relatos e continuarei hoje, isso ficou mais evidente. Acredito que porque cada vez mais o tempo passava. E cada vez eu ficava mais intolerante. Dentro de mim eu queria que chegasse o quanto antes o momento de eu ir até o sul rever minha família. Quando eu sentiria melhor meus sentimentos e poderia decidir meu futuro. Acho que, nesse momento, era essa agonia que tomava conta de mim.

Toda essa instabilidade e imprevisibilidade sobre meu futuro. Eu não estar confortável comigo mesmo e sentir esse desconforto em meu externo. Absolutamente normal. Do período em que estou relatando até meu retorno para o sul, ainda havia pouco mais de um mês. Paciência Felipe, tudo vai ficar bem.

 

A principal pergunta

 

Continuando um pouco nessa esfera de perguntas que recebo muito nos meus últimos três anos, uma delas, que julgo ser top 5 das que mais escuto, faz muito sentido com esse assunto que início minha edição: “Qual teu lugar preferido no Brasil?”. Pergunta de resposta muito difícil. Primeiro porque o Brasil é gigantesco e visitei intermináveis locais em minha jornada. Mas segundo, e principalmente, porque essa é uma pergunta muito relativa. Normalmente, quem faz esse tipo de questionamento, nunca viveu na estrada. Ou seja, tem uma percepção sobre viagem muito ligada a férias. E viver anos perambulando por aí não tem absolutamente nada a ver com férias. Os valores sobre o que tu busca em cada local mudam muito.

Para mim, por exemplo, nada pesa mais que o povo local. Isso pra mim é o principal ponto para realmente me sentir bem em alguma cidade que chego. O quão o povo acolhe bem ou não. Mas a principal variável, sempre, sempre vai ser o quão bem consigo mesmo se está. Os meus momentos de mais deslumbre e maior conexão comigo mesmo foram os melhores momentos de minha viagem. Simples assim. Esses foram os locais que mais gostei. Porque o meu local interno estava ótimo. E quando se está bem consigo mesmo, qualquer lugar é ótimo. Tudo fica lindo e confortável. Não se depende de nada do externo. E o mesmo aplica-se no inverso. Quando estamos perdidos internamente, podemos estar em um iate com todo luxo do mundo ancorado em uma praia nas Maldivas que não estaremos realmente felizes. Mesmo buscando todas as respostas para nossas confusões, o externo nunca resolve isso. Respondendo a pergunta: Qual o teu local favorito no Brasil Felipe? Qualquer um, desde que eu esteja bem comigo mesmo. Por isso, acredito eu, minha percepção sobre fortaleza não foi das melhores…

 

‘Fortal’

 

Na capital cearense me hospedei na casa de uma amiga. Através de um aplicativo, que se fica na casa de moradores locais sem custo nenhum. Apenas pela troca de experiências e culturas. Não fiquei na região turística, e sim, em um bairro residencial. Como gosto de fazer quando estou em capitais. Fiquei por lá uma semana. Meu ponto alto foi ir a um jogo de futebol, algo que eu sempre procurava fazer em grandes cidades. E cheguei na semana em que o Fortaleza jogaria com o gigante Flamengo. Estádio mega lotado e um espetáculo da torcida. O Fortaleza, time que passou a ser o meu no estado do Ceará, virou o jogo no último segundo. Emoção a flor da pele. Comemorei junto com a torcida como se fosse torcedor do time desse pequeno.

Nesse evento tive a companhia de uma outra amiga (essa mais colorida) que veio a ser minha grande parceira em diversos “roles” pela capital. Como eu já disse por aqui outras vezes, estar sozinho em uma cidade com muitas pessoas vinha me dando um sentimento de solidão muito grande. Aquele estar sozinho quando se está rodeado de pessoas. E essas duas amigas que fiz foram as responsáveis por deixar minha estadia por lá mais leve. Meus momentos sozinho, boa parte não foram bem desfrutados. Com elas, melhores. Meu primeiro dia no centro da cidade, quando fui sozinho, foi meio melancólico. Em minha segunda ida, acompanhado de minha amiga, tudo ficou mais colorido. Mas no final, não curti Fortaleza da forma que eu havia curtido outras capitais pelo Brasil. Por isso que acho que minha percepção sobre essa cidade acabou não sendo das melhores.

Nessa fase eu estava dependendo muito do externo, e Fortaleza não me entregou muito disso. Um dos motivos que decidi não ficar muito tempo por lá. Mas o principal era meu prazo para terminar todo o litoral oeste do Ceará antes do início de novembro, quando eu retornaria para o sul. Eu tinha menos de um mês pela frente e cerca de 300 quilômetros de costa para percorrer. Resolvi seguir estrada.

 

De andarilho a rei

FOTO – Pipe e Andreas

 

Minha semana seguinte foi perambulando por diversas praias do Oeste cearense. O que me fez crer que esse estado é detentor de um dos litorais mais paradisíacos do país. E todos os locais com uma vibe diferenciada. Acredito que devido à forte presença de Kitesurf por essa região. Esse esporte que depende de bons ventos para se executar, é visto em toda extensão do litoral oeste do Ceara. E estávamos na época dos ventos, o que potencializava mais ainda tudo. E acredito que locais litorâneos com forte presença de algum esporte aquático tem sempre uma atmosfera diferenciada. Isso me ajudou muito a seguir firme.

Esses dias foram de muita solidão. A boa e a ruim. As vezes dormindo embaixo de marquises, as vezes em praias desertas. Todos os dias eu mudava de local e seguia adiante. Até um dia chegar na Praia da Baleia, a qual eu tinha um local para me hospedar. Através do mesmo aplicativo que usei para ficar na casa de minha amiga em Fortaleza. Um suíço chamado Andreas. Médico aposentado apaixonado por Kitesurf, que há bons anos comprou um terreno por essa não muito conhecida praia cearense e construiu sua muito grande casa à beira mar. Teoricamente, mora sozinho por lá. Mas na prática não. Primeiro porque existem 4 funcionários trabalhando simultânea e diariamente em sua casa. Limpando, fazendo comida, ou cuidando do jardim. Um exclusivo para ajudá-lo com o Kitesurf. Segundo, porque ele sempre está recebendo pessoas. Amigos europeus, que também amam o esporte, assim como alguns perdidos do aplicativo como eu. Sua família fica pela Europa e de vez em quando vem visitá-lo.

E fiquei lá por 5 dias em uma suíte simplesmente gigante só para mim. Com uma cama kingsize, aquecimento de água por caldeira (algo que até no sul é luxo, quem dirá no nordeste) e vista para o mar. As quatro refeições diárias servidas por seus funcionários eram verdadeiros banquetes. Tudo do bom e do melhor. Todos os dias uma moça limpava meu quarto (apesar de eu insistir que não precisava). Tenho certeza de que foi o local mais luxuoso em que já fiquei em minha vida. E sem custo nenhum. O que fez me sentir meio desconfortável nos primeiros dias. Todo aquele luxo com pessoas o tempo todo me servindo. E eu acostumado a dormir pelas ruas das cidades sendo ajudado pelo mesmo perfil dessas pessoas que me serviam. Eu queria ajudar o tempo todo. Lavar a louça, limpar alguma coisa. Mas Andreas não permitia. Ele disse que me entendia, mas que era para eu aproveitar aquele momento. E aproveitei.

Relaxei como há muito tempo não relaxava. Me preparando psicologicamente para uma decisão que havia tomado nos últimos dias. De ir e viver realmente um local turístico. Algo que eu não fazia já havia anos. Por sempre querer fugir desse tipo de ambiente. Mas dessa vez, eu sentia que precisava. Meu instinto me dizia isso. Sempre ele. E se tem algo que eu respeito, é meu instinto. Jericoacoara me esperava. Um dos locais mais turísticos do Brasil. Na próxima semana eu conto como foi minha chegada a essa vila que mudou absoluta e completamente meu rumo de vida. Até lá!


Publicado em: Geral






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