DIÁRIO DE MOCHILA – Trabalho e alegrias em Jericoacoara

Buenas! Na última semana comecei a falar de meu retorno e segunda passagem por Jericoacoara, a qual dou sequência nessa edição. Boa leitura!

Pipe com Diego (voluntário) e Tito (hóspede) no Hostel
10 de junho de 2023

Jeri de fases

 

Em minha mente, divido meu período de 3 meses em Jeri em 3 fases: Êxtase, Intensidade e Equilíbrio. Mais ou menos de 1 mês para cada uma dessas fases. O primeiro o próprio nome já diz. Êxtase. Uma sensação difícil de explicar. Palavra que também é usada para definir uma poderosa droga química muito usada em festas de música eletrônica e que dá uma sensação de felicidade plena. Foi o início desse ciclo que julgo ter sido o que tive a mais intensa e contínua felicidade de minha vida. E o início sempre é o início. Tudo fica mais colorido e mais mágico, quando estamos devidamente encaixados no universo. A segunda fase, de intensidade, acredito ter sido uma intensificação de todos os maravilhosos sentimentos que eu já vinha tendo, mas acrescentado de fatores externos que fugiram de meu controle e que me causaram não tão boas sensações. Nada mais do que a vida e suas caixas de surpresa para mostrar que a plenitude eterna não existe. E a terceira fase, de equilíbrio, foi quando de uma certa forma encontrei um balanceamento entre esses sentimentos e pude usufruir de tudo que eu estava envolvido da forma mais saudável possível. Foi um período de muita paz e harmonia com tudo. E também o desfecho. O final do ciclo. Mas vamos começar pelo começo…

 

Êxtase

 

Desde meu primeiro dia em Jeri, após minha chegada pouco antes do Natal, já pude sentir que algo grandioso me aguardava. Minha intuição é muito poderosa. Não sei se a de todos é assim, mas a minha é. E ela me disse logo que cheguei em Jeri: “Felipe, tu vai ser muito feliz por aqui. Aproveite e se entregue a cada pequeno momento. Uma hora isso vai acabar”. E assim fiz. Como já disse em minha última coluna, não foquei em tentar entender ou racionalizar os porquês dessa felicidade que aos poucos se apoderava de mim. Decidi apenas viver. Me entregar totalmente ao momento, ao presente. Fiz isso também porque Jeri me deu esse presente. O presente de estar presente. O tempo todo vivendo apenas o agora. Minha mente criou um vazio absoluto que em alguns momentos de minha viagem eu havia conquistado, mas que nessas ocasiões eram muito passageiras. Coisa de 1 ou 2 dias. Pontos que eu chegava após meditações muito poderosas que me traziam uma presença incrível, normalmente estando isolado na natureza. Mas em Jeri isso ficou. Por meses. Uma presença difícil de explicar. Meu passado e futuro passaram a não existir mais em minha mente. Eu apenas existia. Termo que pessoas mais entendidas de meditação usam como o “não mente”. Quando se tem um controle total e absoluto da mente. Se tu quer que ela desligue por total, se tem esse controle. E se vive apenas o momento. Se quiser pensar em algo, ok. Se “aperta um botão” e se pensa naquilo. E foi por lá que entendi e aprendi (pelo menos em minha visão atual) que essa é a mais pura felicidade. Estar presente. Estar absolutamente consciente. Estado que também é muito comum de buscarmos em drogas. As drogas podem trazer essa presença e expandir nossa consciência. Elas funcionam como um atalho para fazer nosso cérebro chegar em pontos que, normalmente, não chega sem estímulos externos. Presença. O que direta ou indiretamente estamos buscando em nosso dia a dia pelo mundo. Através de conversas, esportes, distrações em geral, drogas, conexões, sexo, etc. São diversas as formas com que buscamos essa presença, essa felicidade. Mas eu, por algum motivo que até hoje não consigo decifrar por completo, cheguei nesse ponto ao natural em Jericoacoara. Algo que vinha de dentro. De uma forma tão pura e natural que fazia inclusive as pessoas que me rodeavam ficarem admiradas, mesmo a maioria não extravasando nada sobre. Mas eu captava isso apenas por olhares curiosos e por sorrisos verdadeiros que recebia de volta. Enfim, foi algo muito poderoso e que em minha escrita por aqui, nessa e nas próximas colunas, vou buscar explicar (ou tentar).

 

Reconhecimento

 

FOTO – Final de tarde em Jericoacoara

 

Eu era gerente de 2 hostels, focando mais naquele que eu estava morando. Um novo hostel, uma nova operação dos donos, que foi a principal responsável pela minha ida para lá. A ideia era “fazer o nome do hostel”. Por ser uma operação nova, ele ainda não estava consolidado. E na atual lógica do mercado de hostels, isso se baseia basicamente em ter boas avaliações na internet. Em 99% dos casos, os hóspedes chegavam até nós através da famosa plataforma de reservas online Booking. Meu trabalho consistia em fazer o check-in dos hóspedes, quando eu apresentava o hostel, dava uma breve explanação sobre Jericoacoara e o acomodava em algum dos quartos compartilhados. Algo que desde o início me apaixonei por fazer. Nessa experiência aprendi que, quando trabalhamos com turismo, estamos vendendo felicidade. Nosso cliente estava de férias, ou fazendo uma viagem de longa data. Ou seja, feliz, ou buscando essa felicidade. Estando aberto para o novo. Muitas vezes, se experimentando. Da mesma forma que eu fiz, principalmente no início de minha jornada. E receber diariamente pessoas assim, quando se está em um estado de espírito bom, como eu caprichosamente estava, é algo mágico. Uma troca de energia linda de se ver. E energia essa que eu buscava manter na atmosfera do hostel. Uma energia de harmonia, amor e boas vibrações. Exatamente a energia que eu estava exalando naturalmente e que, como relatos de muitos hóspedes que recebi, contagiava a todos ao redor e todo o ambiente. E que, consequentemente, faziam nosso hostel conquistar altas notas no Booking. Difícil era não recebermos uma nota 10. E que, na grande maioria dos casos, vinha acompanhada de um feedback que elogiava muito minha pessoa. E isso me alimentava muito. Pelo desafio que eu estava em minhas mãos de justamente buscar essas boas notas mas, principalmente, por ter esse retorno sobre minha pessoa.

Aprendi em minha jornada que existe uma cadeia de possibilidades de elogios que vem do mais superficial ao mais interno. Que começa por um elogio sobre coisas em geral (roupas, carros, acessórios), evolui para nossa beleza externa (rosto, cabelo, olhos, sorriso) e que finaliza com sobre quem somos, sobre nosso interior. E não existe elogio mais poderoso no mundo do que o elogio da alma. O mais difícil de ser captado, assimilado e extravasado para quem vai elogiar. Elogiar uma roupa bonita é fácil. É apenas uma roupa. Ela pode ser comprada por algum valor quantificado e usada por qualquer um. Ponto. A alma não. Ela é algo absolutamente vago e intangível. Muitas vezes nos encantamos com a alma de alguém e nem nos damos conta disso. Apenas gostamos e buscamos estar perto dessa pessoa. Outras vezes conseguimos entender e captar isso, mas temos dificuldade de extravasar. O que pode ser gerado por timidez, ou até por um certo orgulho mesclado com uma inveja que nos bloqueia de falar para a pessoa o quão sua energia ou sua áurea é bonita. O ser humano é fraco e ainda está em fase de aperfeiçoamento. Falo isso por mim mesmo porque por muito tempo de minha vida me comportei dessa forma e ainda estou buscando me aperfeiçoar. Costumo dizer que é uma falta de “humildade espiritual”. Mas que, quando se está em um lugar que nem Jericoacoara, aberto ao novo e distante do mundo convencional que cada um vive, isso fica mais fácil de ser dito. E acontecia demais comigo. Tanto presencialmente como através das avaliações do Booking. Ego? Talvez. Mas quem não gosta de receber elogios? Quem disser que não, está mentindo. Acho que faz parte de nossa natureza termos o reconhecimento por algo. Pelo que fazemos, conquistamos, somos. E tive muito desse reconhecimento em Jeri. Pelo que eu era e pelo que eu estava realizando. Porque, além de estar exalando essa energia, fazia uma gestão de excelência. Eu sempre trabalhei bem e tive facilidade com gestão. Nasci assim. Isso está impregnado em mim e nunca vai sair. E isso também era notado não só pelos hóspedes, como também pelos donos do hostel, meus “chefes”.

 

Sendo eu mesmo

 

E o fato de o estabelecimento em questão ser um hostel, deixa isso mais lindo ainda. Hostels são, na grande maioria dos casos, opções mais baratas. Ou seja, por um lado, não existe uma grande preocupação com luxo ou regras de etiqueta. Está liberado oficialmente que cada um pode ser quem quiser. Tanto quem está na operação como quem está se hospedando. Existem alguns hostels mais “Nutela”, onde se procura ter um cuidado maior com algumas questões, normalmente por ser um hostel mais caro, com mais conforto. Mas esse em que eu estava gerenciando não. Ele era roots. Talvez o mais roots de Jeri. Sem grandes confortos e com preço acessível (uma diária em média ficava nos 60,00, o que para um lugar como Jeri é barato). Algo que os próprios donos não queriam perder de sua essência e que se encaixava perfeitamente com um Felipe que vinha a alguns anos pegando caronas e morando pelas ruas do Brasil. Um Felipe roots que estava gerenciando um hostel roots. Perfeito. Isso fez eu poder ser exatamente quem eu era. Eu me comportava com as pessoas, seja quem fosse, da mesma forma que me comportava nas conexões criadas nas ruas do país nos anos anteriores. Usando apenas um calção, simples, rasgado e poído, sem camiseta, andando descalço, cabelo bagunçado e falando o que eu quisesse e da forma que eu quisesse. Um cenário em que absolutamente nada de minha espontaneidade foi tirada. Eu tinha total autonomia e liberdade sobre tudo, os donos me deram isso. E esse ponto também foi um dos responsáveis por toda essa felicidade que tive por lá. O Felipe pôde ser exatamente o Felipe.

Na próxima semana continuo falando de minhas vivências em Jeri e das felicidades que se abriam cada vez mais para mim. Até lá!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Publicado em: Turismo






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