DIÁRIO DE MOCHILA – Um novo retorno ao Sul

Buenas! Em minha última coluna, relatei o final de meu ciclo por Jericoacoara. Nessa edição, conto como foi o início de meu retorno ao sul, um pouco do que senti e vivi.

FOTO - Pipe na praia, em Floripa
11 de agosto de 2023

Jeri, até logo

 

Acordei muito cedo, como de costume, e o hostel inteiro dormia. Todos os cerca de 30 israelenses que por lá pernoitavam, costumavam acordar mais tarde. Mas eu tinha horário para pegar o transporte que me levaria de Jeri para Jijoca (município detentor da vila de Jeri) e, após, uma carona até Fortaleza, onde meu voo partiria no dia seguinte. A única pessoa acordada era minha voluntária Fernanda, que também costumava acordar tão cedo como eu. E uma menina que vale um parêntese, pois foi minha maior companhia e parceria por lá. Ficou ao meu lado mais de 2 meses e era o meu braço direito e esquerdo. A pessoa que sempre que eu precisava recorria, tanto para questões operacionais, como para ouvir meus desabafos. Ela chorou timidamente quando eu estava saindo, assim como eu. Eu sei que eu deixaria saudades nela, assim como ela e todo aquele ambiente deixariam em mim. Era o fim do meu ciclo de 3 meses nessa vila do litoral cearense. Um dos lugares mais turísticos do Brasil que me deu uma aula de vida em todos os sentidos. Não pelo lugar em si, mas pelo que ele representou pra mim. Primeiro, justamente por possuir um tipo de turismo predatório que durante minha jornada eu passei a repugnar e fugir, mas pelo acaso do destino, foi o local onde pela primeira vez em 3 anos decidi parar. Era a vibração humana do sistema mais convencional que minha alma sentia falta. E junto com isso, o período que julgo ter sido o que mais fui intensa e continuamente feliz em minha vida, mesmo passando também pelos maus momentos, que fazem parte do jogo. Um ciclo que eu encerrava, por cima e consciente. Não esperei ele começar a me deixar confuso ou me jogar em uma enorme zona de conforto que poderia me prender cada vez mais e mais. Não. Saí bem. Triste de largar tudo aquilo que tanto havia me feito feliz nos últimos meses, mas leve e tranquilo por saber que esse era o caminho a ser seguido. Eu tinha uma nova missão no sul. Ficar mais próximo de meus pais, sentir o que representaria uma vida estática mais “convencional”, sentir o que minha terra natal me diria para, assim, entender qual seria meu futuro.

 

Sul, voltei

 

O avião desembarcou em Porto Alegre, no dia 16 de março desse ano. Eu estava de volta ao sul. Fiquei uns dias pela capital pois um grande amigo meu, que já fazia alguns anos que morava no Rio de Janeiro, estaria por lá com sua pequena filha que eu ainda não havia conhecido. Aproveitei também para ver outros velhos amigos. Naturalmente, por tudo que a estrada já havia me mudado, a conexão com essas pessoas não era mais a mesma. Isso faz parte do processo de mudança entre os seres humanos e que começa a criar barreiras de conexões. Os interesses passam a não ser mais os mesmos. E um dos grandes pilares que conectam pessoas são os interesses mútuos. Ter visões de mundo parecidas, assuntos que criem essa conexão, uma dinâmica de dia a dia mais próxima etc. Assim como elas nascem, elas podem diminuir ou até morrer. E nada também impede de ela voltar. A vida é muito doida. Mas sempre busco ser muito consciente sobre meu passado com todos que participaram dele. E isso faz com que eu sinta que, por mais que minha conexão com amizades mais antigas não seja a mesma, nosso passado sempre vai nos conectar. Todos nós somos puro passado. O presente é o resultado do passado. Logo, sou grato a quem participou desse meu que fez eu ser quem sou hoje. E também é muitas vezes a partir desse passado que consigo criar conexões com meus velhos conhecidos. Dar risada de histórias mais antigas, relembrar esse passado de uma forma nostálgica e agradável. E eu amo e sentia muita falta disso. Poder falar com pessoas sobre um passado. Minha viagem me permitia criar conexões apenas do presente, o que é ótimo e julgo até ser mais puro. Mas uma hora dá saudades de falar algumas bobagens sobre o que já passou. E o sul me dava a oportunidade de experimentar isso de novo.

 

 Felicidade na bagagem

FOTO – Pipe com a amiga Ana Paula

 

Mas, além de rever meus amigos, acredito que o fato que mais me chamou a atenção, nesses 5 dias que fiquei em Porto Alegre após meu retorno, foi de que mantive a mesma presença de espírito que eu havia experimentado em Jericoacoara por 3 meses. Aquela mesma felicidade avassaladora estava presente em mim, porém em um contexto completamente diferente. E isso foi muito estranho para o que eu minimamente projetava. Um dos pontos que me fazia não querer deixar Jeri tão cedo era justamente para não largar toda aquela felicidade que eu estava sentindo que era algo ainda muito novo para mim. Sim, na minha cabeça, ao sair de Jeri, tudo aquilo iria terminar. Aquelas sensações de presença total, conexão com a natureza e com outras pessoas, aquela energia que contagiava por onde eu passava. Em minha cabeça, tudo isso estava acontecendo única e exclusivamente por causa de Jeri. E por lá, como eu já disse algumas vezes por aqui, não busquei tentar entender e racionalizar o que estava acontecendo. Apenas vivi.

Lembro muito bem de pensar: “Ok, agora eu saio daqui e minhas confusões que a tanto tempo me acompanham irão retornar. Mas ok, aproveitei enquanto deu!”. Isso estava meio que claro em minha cabeça. Mas não foi assim. A mesma felicidade extrema que estava em mim no Ceará, veio comigo no avião. No início, nesses primeiros dias em Porto Alegre, também ainda não buscava entender o que estava acontecendo. Segui uma mesma linha de quando eu estava em Jeri, apenas curtindo o momento. Lembro de caminhar pelas ruas de Porto Alegre com um sorriso estampado sem ter nenhum motivo para isso. Ou de ir aos parques e ficar absolutamente atônito com a beleza das árvores e o canto dos pássaros. Ouvir música enquanto caminhava, algo muito comum em meu dia a dia, também estava diferente. Sempre tive um costume de escutar canções antigas que me remetiam a bons momentos da vida. Acho que todos nós fazemos isso de uma certa forma. Mas isso não acontecia mais comigo. Qualquer música que eu escutava só me fazia estar inteiramente presente, escutando cada som e dançando se possível. Sim, eu parava no meio da rua e dançava o que eu estava escutando. E uma paz muito grande emanava de mim.

Lembro também que esses dias pela capital gaúcha foram para eu fazer um rito de passagem de toda a paixão que eu havia criado com os israelenses. Meio que passar uma régua nisso. Como quando terminamos um relacionamento. E consegui fazer isso com maestria, o que também me chamou a atenção. De um dia para outro, os israelenses e tudo que vivi em Jeri virou apenas um passado. Um passado lindo, mas que não me fazia ficar olhando para trás. Isso, porque meu presente estava muito colorido. E normalmente olhamos para trás quando esse mesmo presente não está tão bem. Aí que bate a nostalgia de sons e momentos. Mas eu não tinha mais isso. Esse novo Felipe, que após poucos mais de 3 anos retornava para casa, era pura presença.

 

 Tentando me entender

 

Após Porto Alegre, fui à Torres (cidade onde me criei e minha família morava) para rever meus pais e começar uma nova vida que eu ainda nem tinha ideia de como seria. Mas fiquei por lá poucos dias e decidi passear pelo litoral de Santa Catarina. Isso, primeiro porque eu sentia que precisava ficar mais um tempo sozinho para assimilar o que havia acontecido em Jeri e que continuava dentro de mim; segundo porque já fazia anos que eu gostaria de passear por essa parte norte da costa catarinense que eu ainda não conhecia; terceiro, porque preferiria fazer isso bem no início antes de começar a me estabilizar mais por Torres. Juntei o útil ao agradável.

E assim fiquei uns 10 dias por Floripa e praias do norte de Santa Catarina. Em alguns momentos na casa de amigos (as), outros sozinho. E foi nesse período que comecei a ser bombardeado por informações de meu inconsciente. Forcei um pouco isso, confesso. Um dos objetivos de meu retorno ao sul era, com estabilidade, assimilar tudo que havia acontecido em minha grande jornada. Mas para começar, eu precisava de respostas sobre Jeri. De onde veio toda aquela felicidade, afinal de conta? E para ter essas conversas comigo mesmo, eu me isolava. Passei a sentir o quanto meu ser estava clamando por um isolamento. Até quando eu estava na casa de conhecidos isso era necessário. Tanto que criei uma rotina, que já vinha de uma certa forma de Jericoacoara, de tomar meu chimarrão ao amanhecer, sozinho. Se possível, eu ficava horas apenas imerso em meus pensamentos. Sem falar nem ver ninguém, sem abrir celular, sem consumir nenhuma informação que não fosse vinda da natureza e de minha mente.

E foram rajadas diárias de informação que passei a receber sobre mim, entre um nascer do sol e outro. Algo simplesmente surreal. E que durou não apenas esse meu período de Santa Catarina, mas por mais algumas boas semanas em minha cidade, Torres. E momentos esses que me jogavam para picos extremos de êxtase e felicidade que, inicialmente, era algo de uma magia tão forte, que fica difícil para mim explicar. Mas de uma força tão potente, que depois de um tempo, essa felicidade passou a me assustar como poucas vezes na vida me assustei. Na próxima semana, contínuo meu relato dessa onda de todos tipos de sensações que o sul estava me dando. Até lá!

 

 

 

 

 

 


Publicado em: Turismo






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