Sozinho em meu palácio
Sabe aquela história do amigo do amigo do amigo? Então, foi justamente assim que achei minha base na praia de Redonda, município de Icapuí, no litoral do Ceará. Meu amigo Doda, do Crato (cidade do sertão do estado), tem um grande amigo (Elisson) que mora em Icapuí. Esse, possui outro amigo, nativo da cidade. E esse nativo conhece um alemão (sim, da Alemanha) que é dono de um hostel, hoje desativado por lá, e que já voltou para a Alemanha fazem 3 anos. Eu, quando cheguei, falei com Elisson para ver se ele arranjava um canto para eu passar um dia que outro. E por causa de toda essa conexão de conhecidos, fui parar nesse hostel desativado. Um hostel (albergue em português) é uma muito típica forma de hospedagem para viajantes. Com camas, banheiros e cozinha compartilhados, ele usualmente possui preço muito mais acessível do que pousadas e hotéis em geral. Típico local onde viajantes de longa data costumam parar. Mas o proprietário desse hostel, o alemão, voltou para sua terra para ficar um tempo, pouco antes de estourar a pandemia. Após ela iniciar, ele já estava pela Europa e lá ficou. Pediu apenas para seu amigo nativo (o amigo do amigo do amigo) cuidar superficialmente enquanto ele não volta. Por isso, estava tudo vazio. Com água, energia elétrica e gás (até isso), mas vazio. Mas ter tudo aquilo exclusivamente para mim, mesmo que sem móveis, era um grande de um luxo, visto meu estilo de vida mais simples de dormir muitas vezes pela rua. E que ficava mais potencializado ainda por ter uma vista fenomenal para a praia. Essa que julgo ser a praia mais linda do litoral cearense. Ainda não encontrada pelo turismo industrial, a praia da Redonda ainda pode ser vista como uma vila de pescadores. Uma longa faixa de areia, quase sempre deserta, exibindo dunas e falésias exuberantes. E com outras praias tais quais em seu lado.
Fiquei por lá uma semana. Como era época de vento no litoral cearense, tive que colocar minha barraca dentro de um dos quartos da casa principal. Durante o dia, ficava lendo pela rede, fazendo alguma comida e passeando pelas praias. Já tive um deslumbre a mais por lá por ser a primeira praia que visito com presença da vegetação da caatinga. Uma novidade para mim. Ver toda aquela areia com cactos e até bodes perambulando pelos cantos, me fazia me sentir no sertão, mesmo estando no litoral. A água do mar mais quente que já pude me deliciar. Um verdadeiro paraíso.
Reencontros
Mexendo no Instagram, notei que meu amigo Bruno, um catarinense que está viajando de bicicleta o Brasil, que fiz amizade em João Pessoa, estava passando muito perto de Icapuí. O convidei para se juntar a mim e a sua resposta positiva foi imediata. Fiz isso, primeiro porque me identifiquei muito com Bruno quando o conheci na Paraíba. Segundo, porque como já estava acontecendo nas últimas semanas, meu sentimento de solidão aumentavam cada vez mais. E ter alguém por perto, numa situação muito parecida, poderia ser bom para ambos os lados. E assim, Bruno se juntou a mim. Pedalou até a praia da Redonda onde nos reencontramos. Da mesma forma que eu, montou sua barraca dentro da casa. E por lá ficou comigo 5 dias. E esse período foi muito revelador para mim. Primeiro pelo fato de eu estar fazendo algo que na minha caminhada era praticamente inexistente, ter uma parceria. E de alguém que está no mesmo propósito de viver na estrada. Principalmente para aquele momento que eu estava vivendo, aquilo me fez muito bem. Muitas foram nossas conversas sobre a vida e esse estilo de vida que levávamos. Senti em Bruno angústias muito parecidas com as minhas, e isso me tranquilizou. Confusões sobre o que exatamente estávamos fazendo e buscando naquilo tudo. Foi quando entendi que eu (assim como ele, eu acredito) já estava naquela vida como um grande automático. Que o meu deslumbre já havia passado fazia um tempo, mas segui naquele estilo de vida, até porque era o ciclo que eu estava vivendo. Assim como, grande maioria das pessoas do mundo, segue esse mesmo automático em sua rotina de trabalho. Robotizamos tudo mas sem saber exatamente o porquê disso. Mas quando se está solto no mundo com tempo suficiente para pensar, tudo se potencializa mais. E faz se aprender sobre si mesmo e, consequentemente, sobre o ser humano. Costumo dizer que nós, humanos, somos que nem carros. Alguns mudam a forma e cor da lataria, a idade, a potência do motor, mas, no final, somos todos carros. Todos temos uma lataria, rodas, motor, câmbio, direção, para-brisas e por aí vai. Somos todos muito (mesmo) parecidos. Principalmente no que diz a respeito de sentimentos, buscas de sentido, aflições, medos, felicidades… ou seja, quando se aprende sobre si mesmo, se aprende sobre o seu humano, e vice versa.
Parceria musical
Outro grande ponto que esse período que tive a parceria do Bruno me deu, foi em relação a ter um outro tipo de companhia na estrada. Bruno, desde sua saída de Santa Catarina, levou consigo um violão. E eventualmente tocava nas ruas suas canções para ajudar com os custos da estrada. Mas foi revelador para mim ver a relação entre ele e o instrumento. Era como se ele não estivesse sozinho, e sim, com a parceria do seu melhor amigo violão. Alguém para, nos momentos de mais solidão, lhe fazer companhia. Algo como uma terapia também. Pois tocar qualquer instrumento nos ajuda a nos trazer para o presente. É um estado meditativo. E nós, seres humanos, estamos sempre nessa eterna busca de estarmos o mais possível no presente, mesmo sem nos darmos conta. E a música, seja escutando, tocando um instrumento, cantando ou dançando, tem essa magia de (as vezes) conseguir. E no caso do violão, além disso tudo, com uma capacidade gigantesca de aglomerar pessoas. Quer fazer amizades de uma forma rápida? Começa a tocar violão na rua. Aos poucos as pessoas vão se aproximando, seja para cantar junto, seja apenas para escutar. E eu, Felipe, toquei violão boa parte da minha infância e adolescência. Sempre amei esse instrumento. Parei com esse hábito quando fui morar em Porto Alegre e iniciei minha busca incessante pelo dinheiro. Em resumo, após entender e analisar tudo isso e pensando numa possibilidade de seguir mais tempo pela estrada, o fator “violão” passou a ser uma nova determinante para mim. Pensei: “Se depois de ir para o sul eu quiser realmente seguir na estrada, vou comprar o meu”. Foi um fator que me aliviou muito. Seria uma novidade para mim, algo novo. E o novo nos deslumbra. E eu precisava desse deslumbre. Eu poderia mudar muito meu estilo de vida e viagem com essa nova parceria. Mas deixei arquivado. Eu iria para o sul em breve e resolveria essa questão por lá.
Na próxima semana, continuo minha caminhada pelo litoral cearense descobrindo um pouco mais da cultura e belezas dessa região. Até lá!