DIÁRIO DE MOCHILA -Velejando entre baleias, tormenta e calmaria

Olá! Nessa edição, conto como foi uma das experiências mais marcantes que tive em minha vida até hoje, a de morar em um veleiro durante 30 dias. Espero que curtam!

FOTO - Dani, Niko e Pipe no veleirio Wayan
9 de julho de 2022

Julho-agosto/20 – velejando pela primeira vez

 

Minha primeira navegação no veleiro Wayan – juntamente com o chileno Dani e o suíço Niko (dono do barco) – foi a travessia da cidade do Rio de Janeiro até Búzios, que durou cerca de 24h. Foi meu primeiro contato com o alto mar de verdade. A ótima notícia que tive era que eu não enjoava! Uma situação que pode ser um grande problema pra quem é marinheiro de primeira viagem. Obviamente, só observei meus colegas de tripulação manejando as velas e cordas, procurando entender o funcionamento de um veleiro. Descobri que não tem mistério nenhum, é pura física. O vento é quem diz se a navegação vai ser melhor ou pior, de acordo com a sua direção e intensidade. Pegamos chuva e ventos fortes que não estavam nas melhores condições, o que tornou a navegação não muito agradável. Mas isso que me deixou feliz: mesmo em condições ruins, me apaixonei pela experiência! Cozinhamos, conversamos e, durante a noite, nos revezamos na vigília. Isso é uma prática comum na vela, quando um dos tripulantes fica acordado e alerta enquanto os outros descansam. Experiência única de poder estar na imensidão do mar noturno sozinho. A sensação de liberdade e paz era gigantesca.

Isso tudo fez eu entender que, se eles aceitassem, eu seguiria a jornada no Wayan por mais tempo

 

15 dias no paraíso

 

Ficamos cerca de 15 dias ancorados na Praia dos Ossos em Búzios. Esperávamos as condições de vento serem favoráveis para seguirmos para o norte. Como não tínhamos opção, esperamos e curtimos aquelas praias paradisíacas. Passeamos algumas vezes pela terra, fizemos trilhas mas, na maior parte do tempo, ficávamos vivendo o dia a dia no Wayan. Foi quando eu me acostumei e aprendi a morar de verdade em um barco. Eu e os meninos ficamos muito amigos nesse período, o que fez eles me convidarem oficialmente para seguir viagem até o Caribe. Fiquei numa emoção indescritível! Mas dentro de mim, decidi deixar as coisas rolarem e sentir até que ponto eu seguiria, pois o Brasil ainda me instigava muito… Meu instinto iria me dizer o que fazer na hora certa, como sempre senti.

Após esse período em Búzios e com as condições de vento favoráveis, seguimos para uma jornada que seria umas das mais emblemáticas que pude viver até hoje em minha vida.

 

Nós e as Gigantes

FOTO – baleia Jubarte próxima ao veleiro, em Abrolhos

Arquipélago de Abrolhos, esse era o nosso destino. Para os que não sabem, esse arquipélago isolado no oceano fica localizado no extremo sul do estado da Bahia, cerca de 60km de distância da costa. É considerado um santuário de reprodução de baleias Jubarte, principalmente na época do ano em que estávamos. E a nossa ideia era testemunhar de perto esse espetáculo. Os dois primeiros dias de navegação foram muito tranquilos, com bom vento e sol. Estávamos em alto mar, já na altura do estado do Espírito Santo, quando as primeiras baleias começaram a aparecer no horizonte. E aos poucos elas iam se aproximando, pulando e acenando com suas barbatanas. Em alguns momentos estávamos literalmente cercados por elas. Seus pulos as vezes eram tão próximos que o barco balançava. Assim como o seu esguicho, com forte cheiro de peixe e que as vezes podia nos molhar. Estávamos como 3 crianças chegando pela primeira vez em um parque de diversões. A sensação era indescritível. O ápice  para mim foi uma noite de lua cheia em que estava eu em minha vigília e uma baleia ficou por vários segundos acompanhando o barco. Era só eu, ela e a imensidão noturna. Parecia que ela se comunicava comigo e me fazia companhia. Minha mente parou e eu simplesmente existi com ela naqueles segundos, como se fossemos uma coisa só. Essa foi a primeira vez na vida que chorei simplesmente por existir. Acredito que essa seja a mais honesta das lágrimas. Pelo menos para mim foi.

 

Tormenta e calmaria

 

Passados alguns dias durante a travessia, estávamos eu, Dani e Niko entre partidas de xadrez e observação das baleias, quando o céu começou a escurecer. Já entendíamos que uma forte chuva se aproximava, mas até aí, sem problemas. Faz parte da vida no mar. Porém, não foi uma simples chuva…

As ondas, que vinham por trás do barco, começaram a crescer repentinamente. No início até achamos divertido, pois alcançamos mais velocidade. Até que ondas laterais, tão grandes quanto, surgiram também, junto com uma fortíssima chuva e ventos. E assim se deu início a um pesadelo que durou mais de um dia. Quando as coisas começaram a complicar, tanto eu quanto Dani fomos para nossos respectivos alojamentos. Niko, capitão do barco  e que já vem de uma família de velejadores, era o único que tinha experiência para lidar com aquela situação. E foi ele quem ficou por mais de 24h administrando as velas durante a tormenta. Lembro de, antes de entrar no meu compartimento, olhar para ele e ver nos seus olhos o medo da situação, coisa que até então eu não havia visto naquele suíço. Foi a vez que mais tive medo de morrer na vida. O barco parecia um brinquedo deslizando nas gigantescas ondas no meio do oceano. A força da água colidindo em todas as partes do barco causava estouros ensurdecedores e faziam ela entrar por todas as frestas que existiam. Não podíamos beber água, pois não tínhamos como urinar. Para comer eu lembro de raspar um resto de arroz numa panela. Dormir? Impossível. Foram horas de muito terror que pareceram eternas. Muitas coisas passaram na minha cabeça esse dia, como nunca haviam passado. O medo de morrer realmente mexe com a gente. Mas tudo ficou bem. Niko é um grande velejador e deu um espetáculo de frieza e técnica, do início ao fim da tempestade. Após passado tudo, ele disse que essas haviam sido as piores condições que ele pegara em sua vida de velejador.

Mas depois da tormenta, vem a calmaria. No dia seguinte o sol abriu e chegamos em Abrolhos. Um pequeno paraíso encravado no oceano atlântico. As ilhas são habitadas apenas por alguns militares e, por causa da pandemia, não podíamos descer nelas, o que não foi um problema para nós. Aproveitar aquele visual já nos bastava. No dia seguinte seguimos para Porto Seguro-BA em um mar calmo e belo. Em um momento tivemos o privilégio de ver a Tartaruga de Couro, maior tartaruga marinha do mundo, passando ao lado do barco. Chegando na costa do extremo sul baiano fechamos nossa jornada de 7 dias em alto mar. Pisar em terra firme novamente foi estranho. Nos primeiros dois dias eu ainda tinha a sensação de estar balançando, era engraçado. Porém o mais importante foi que, pisar no solo baiano fez meu instinto dizer que minha aventura no Wayan havia acabado e que eu deveria seguir por terra, conhecendo o Brasil. Assim, finalizei 30 dias dessa experiência e me despedi dos meus amigos, que hoje considero irmãos, que seguiram rumo ao mares caribenhos. Minha paixão pela vela foi tão grande que decidi para mim mesmo que em algum momento terei meu veleiro e sairei aí pelo mundo. Inclusive, chegar a essa conclusão foi o que mais me deu coragem para deixar o Wayan. Meu grande momento com a vela ainda vai chegar, no momento certo.


Publicado em: Geral






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