DIÁRIO DE MOCHILA – Viajando por João Pessoa (e pela própria mente)

Buenas! Na última semana falei da minha transição entre o sertão do Piauí e o litoral pernambucano, quando peguei uma carona mágica. Nessa edição conto do período em que mais entrei em minha mente em minha jornada. Boa leitura!

FOTO - Pipe em praia deserta no litoral sul paraibano
2 de dezembro de 2022

Voltando a Recife

 

Minha saída do sertão pernambucano, em direção à Recife, no dia do meu aniversário (2 de julho) foi com uma carona que me deu o melhor presente possível. A possibilidade de ficar algumas semanas em um apartamento exclusivamente para mim em João Pessoa. Impossível de negar uma gentileza dessas, em um momento em que o que eu mais desejava era justamente isso. Ter um espaço com estabilidade e privacidade suficientes para eu olhar para dentro de mim e tentar entender o que estava se passando na mente do Felipe. Os últimos meses estavam cada vez mais me dando sinais de que eu estava confuso e que essa parada era necessária.

Antes de ir para a capital paraibana (que nem estava nos meus planos antes dessa gentileza), passei por Recife. Na realidade peguei esse rumo pois tinha entrevista com o consulado estadunidense ambicionando um visto. Não consegui. Mas sem problemas em relação a isso. Por lá comemorei meu aniversário com uma família querida que já havia me “adotado” em minha primeira passagem na capital pernambucana. O aniversário é uma das datas complicadas do ano para se passar muito isolado. Mas tive a sorte de estar no meio de pessoas muito queridas que me fizeram sentir em casa.

 

Privacidade em alto estilo

 

Após ficar mais uns dias em Recife, parti para João Pessoa, não via a hora de chegar nesse apartamento e ter meu espaço. Após chegar nas proximidades de João Pessoa e trocar algumas mensagens com o meu já amigo Gabriel (quem havia me oferecido a estadia), seu motorista veio me buscar e me levou até a minha nova “casa”. Isso mesmo, fui de motorista em sua caminhonete. Me senti um jogador de futebol desembarcando no aeroporto antes de assinar com seu novo clube. E quando cheguei no imóvel, não acreditei. Eu não havia criado nenhum tipo de expectativas. Por mim, poderia ser um apartamento velho, pequeno e afastado da praia. Só o fato de saber que seria apenas meu por alguns dias, já me deixava nas nuvens. Porém, esse ponto também me surpreendeu muito. Era um apartamento recém entregue, novíssimo. 3 dormitórios, todo mobiliado, ar condicionado em todos os cômodos, SmartTV na sala, cozinha equipada, banho quente (o que para o nordeste é um grande luxo) e vista para o mar. Apenas a duas quadras da praia. Eu estava muito bem instalado. Nem acreditava direito. E foi nesse apartamento que fiquei imerso durante 20 dias. 20 dias que mudaram absolutamente minha visão de mim mesmo e do que eu estava buscando.

FOTO – Apartamento novo, de ótimo padrão em que Pipe ficou, sem custos. Gentilmente emprestado

 

‘Jampa’

Antes de entrar nas partes mais psicológicas e complexas desse período, vale falar rapidamente de João Pessoa. Caminhei muito por essa simpática e charmosa capital. Entre uma onda e outra de pensamentos que eu tinha, precisava sair para dar um tempo e olhar o mundo. Se não eu enlouqueceria. Jampa, como é carinhosamente conhecida, é tida como a melhor capital para se morar no país. E concordei com isso (colocando Florianópolis no páreo junto). Praias lindas, organizada, limpa, segura e tranquila. Para uma capital brasileira, é pequena. Cerca de 700mil habitantes. Um plano diretor baixo nas primeiras quadras da Costa faz com que não hajam prédios altos perto do mar. Uma raridade para grandes cidades litorâneas. Um povo simpático e acolhedor. E como todo boa cidade nordestina, com muita história. Indico a todos um dia conhecer, não só João Pessoa, mas todo o curto e belo litoral paraibano. Pelos meus critérios, julgo ser o estado menos turístico do nordeste. Consequentemente, o menos famoso. Talvez isso também ajude a ele ter esse charme a mais…

 

Eu e o quadro

 

Fora essas minhas saídas periódicas, meus dias em João Pessoa, no meu belo apartamento, se resumiam a pensar. Simplesmente pensar. Eu queria que toda verdade, por mais obscura que fosse, saísse de dentro de mim. Meu ano já estava sendo psicologicamente meio turbulento e eu queria de uma vez por todas colocar um basta nisso. Já estava ficando cansado de me sentir meio confuso, perdido, e não saber exatamente o porquê. E a verdade costuma vir da forma que mais costumamos evitar em nosso dia a dia: na isolamento e no silêncio. Simplesmente ficarmos parados, sem absolutamente nenhum tipo de distração, deixando nossos pensamentos virem a tona. Costumamos fugir disso porque essa é justamente a forma que a verdade vem. E a verdade dói. Ela traz mudanças. Daquilo que antes fazia sentido e hoje pode não fazer mais. E buscar esse novo sentido pode demorar. Por isso sempre procuramos estar fazendo alguma coisa. Ouvindo uma música, vendo um filme, lendo, conversando com alguém, mexendo no celular, e por aí vai… mas eu já havia experimentado situações como essa e aprendido que eu precisava deixar a verdade sair do meu inconsciente. Por uma grande casualidade do destino, um dos quartos do apartamento tinha um quadro de anotações. Tipos esses de colégio. E escrever nesse tipo de exercício psicológico faz muito bem. Em resumo, boa parte dos meus dias eram dentro desse quarto, pensando, meditando e fazendo anotações. Foi nesse período que aprendi a ler de verdade os meus sentimentos. Compreender os gatilhos que me deixavam felizes ou tristes e entender os porquês disso.

 

(Algumas) verdades

 

FOTO – Pipe no centro histórico de João Pessoa

Foram muitas as verdades que apareceram para mim nesses dias em João Pessoa. Cada uma que surgia era um novo alívio para minha alma. Essa é a parte boa dessa busca interna. Quando a resposta chega e se admite essa verdade para si, uma onda de conforto invade o corpo. Eu poderia escrever um jornal inteiro falando apenas sobre essas novas respostas e perguntas que surgiram em minha mente, mas tenho que ser objetivo. Vamos lá.

Descobri que eu estava buscando uma vida plena sem depender de nada nem ninguém. Nada que viesse do externo. Simplesmente sair existindo por aí. Por um tempo isso foi possível, mas já faziam meses que isso estava ficando mais complicado. A necessidade de estar perto de pessoas e ter funções para me ocupar e aumentar minha autoconfiança estavam cada vez mais latentes em minha mente.

Descobri também que, desde o início de minha jornada, buscava sempre novos desafios. Dentro disso, descobri que eu, Felipe, sempre precisava ter novos desafios para eu manter minha coerência existencial. Foi assim em minha vida profissional. Todo ano eu exigia um novo desafio. Novos cargos, novas funções. Abri minha empresa muito jovem. Sempre buscando esses desafios. Por isso meu estilo de viagem havia mudado tanto desde minha saída (caronas, dormir na rua, ficar dias isolado no mato, etc). Inicialmente tudo isso era instintivo. Mas foi em Jampa que descobri que eu sempre estava indo atrás de algo novo que me movesse. Algo que me causasse deslumbre e que manteria minha chama da autoconfiança vital acesa.

 

 

E a chama enfraquece

 

Dentro desse último ponto, descobri que, o meu estilo de vida/viagem atual não me deslumbrava mais. Era tudo muito mágico e enriquecedor para minha alma. Mas já não tinha o mesmo gosto de antes. É como aquela paixão fervorosa que ocorre em um casal. Os primeiros meses são como um sonho. Aos poucos, isso pode vir a esfriar. Mas ninguém fez nada de errado para o outro. O casal se ama. Mas o calor não é mais o mesmo, ou as vezes até morre. E nesse momento, temos muita dificuldade de admitirmos para nós mesmos e, principalmente, para nosso(a) parceiro(a), que aquilo tudo acabou. Toda aquela linda história com momentos memoráveis é apenas passado. E foi exatamente isso que descobri que estava passando em mim. Aquele estilo de viagem, por mais que tivesse sido simplesmente único por alguns anos, não me deslumbrava mais como antes. E o maior alerta para nossa saúde mental é o deslumbre. Não podemos em momento algum não estarmos deslumbrados com nossa vida. Isso significa cairmos num buraco muito obscuro. E é quando começamos a ir atrás de ferramentas de fuga. E eu, particularmente, sempre tive uma necessidade muito grande de manter esse deslumbre ativo. Isso é da nossa natureza, por isso ciclos se fecham e outros se abrem. Algumas pessoas têm menos desse ímpeto em sua alma. Conseguem seguir um estilo de vida por mais tempo ou a vida toda, mantendo o mesmo deslumbre. Outras pessoas são o oposto. Precisam a todo momento de novos desafios. E eu sou uma delas.

 

Resumo da ópera

 

E quando perdemos o deslumbre pelo que nos move, os pontos negativos, que sempre estiveram ali, passam a ter mais peso. Antes eles eram abafados por todo mundo de cores do deslumbre. Mal eram notados. No meu caso, pontos como solidão e falta de estabilidade começaram a ficar mais latentes. Sempre estiveram ali. Mas com o apagar da chama do deslumbre, ficavam cada mais e mais a tona. Voltando a analogia entre um casal, imagine aquele ronco bem alto que a pessoa amada entoa durante a noite. Quando estamos com a chama da paixão acesa, esse ronco passa a ser até bonitinho. Porém, conforme a paixão esfria, ele passa a se tornar um barulho ensurdecedor. E o ronco da minha mente estava cada vez me importunando mais. Algo precisava ser feito. O que? Ainda não sabia exatamente. Mas estava no caminho. Apesar de todas novas confusões que me apareceram, eu sabia que com o tempo tudo iria se encaixar. Eu teria que ter paciência e, mais do que nunca, viver o que eu quisesse viver e observar meus sentimentos e instinto. Eles me diriam o que o Felipe faria de sua vida. Com o tempo.

Na próxima semana conto de meu terceiro  período pelo sertão nordestino, dessa vez, entrando no belo e poético interior da Paraíba. Até lá!


Publicado em: Turismo






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